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A Tensão Cresce no Pequeno Estado Reprimido da Transnístria

A tensão é grande na Transnístria – conhecida localmente como Prodnestrovie – um estado quase comunista não reconhecido que se estende entre Moldávia e Ucrânia.

Um monumento de tanque em Tiraspol, Transnístria. Todas as fotos por Sean Williams.

“Sim”, ela diz, me entregando uma cópia do jornal local, “eu gosto de viver em Tiraspol”, fazendo aspas com os dedos no ar. A mulher que estou entrevistando se cala subitamente – uma van estaciona ali perto, dois caras de terno saem do veículo e uma ameaça não identificada paira no ar. Todo mundo na rua começa a olhar para mim e meu guia, então, vamos embora com o intuito de pegar o próximo ônibus para fora da Transnístria. Não consigo deixar de pensar que estamos saindo em cima da hora.

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A tensão é grande na Transnístria – conhecida localmente como Prodnestrovie – um estado quase comunista não reconhecido que se estende entre Moldávia e Ucrânia. Na quarta-feira, o dia em que cheguei, havia a notícia de que soldados russos tinham realizado manobras militares ali recentemente, iniciando uma onda de especulações na mídia ocidental de que a região poderia ser a nova Crimeia, outra vítima do desejo súbito de Vladimir Putin de reunir a União Soviética de novo.

Havia um tom de “Os russos estão chegando!” em algumas preocupações sobre a Transnístria estar sob ataque, mas essas ideias não eram completamente infundadas: a Rússia tem mais de duas mil tropas posicionadas na região. O general Philip Breedlove, o comandante aliado supremo da OTAN na Europa, afirmou recentemente que a Rússia estava pronta para “correr” para a Transnístria se o sinal fosse dado, e esta semana, o parlamento da Transnístria mandou uma mensagem para Moscou pedindo que o estado se tornasse parte da Rússia. A região, uma faixa estreita de aproximadamente 24 quilômetros de largura e 160 quilômetros de comprimento, tem sido mais ou menos autônoma desde a Guerra da Transnístria, em 1992, mas sempre teve laços com a Rússia – em 2006, um referendo mostrou que 97% dos eleitores queriam se juntar ao país de Putin.

Mas a política do Leste Europeu é notoriamente obscura e entender a situação da Transnístria de longe parecia impossível, então, peguei um ônibus e fui até lá.

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Tiraspol fica a uma hora e meia de ônibus de Chisinau, a capital decadente da Moldávia. É uma cidade plana de 130 mil habitantes que parece muito com um retrocesso soviético – há tanques e trólebus velhos e uma estátua de Lenin numa pose de Batman. A bandeira verde e vermelha da região ainda carrega o martelo e a foice, e o prédio do parlamento – uma lição horrenda de arquitetura brutalista – se chama Supremo Soviete. A rua principal de Tiraspol, a Ulitsa 25 Oktober (uma referência ao dia da independência do país), é um vasto corredor vazio, com calçadas onde quase ninguém pisa fora alguns pensionistas. Os poucos carros que passam demonstram a divisão escancarada entre aqueles que os têm e os que não têm. Vans baratas GAZ e Ladas quatro portas dividem o asfalto com Mercedes de 100 mil dólares.

É uma cidade calma, porém, agradável, na superfície. As feiras livres são cheias de gente velha vendendo de tudo, de lamparinas a gás até roupa de baixo de segunda mão. Além das fileiras de sucata, fica um parque com uma estátua gigante de Alexander Suvorov, o russo que fundou Tiraspol em 1792, e um outdoor que, traduzindo toscamente, exorta os tiraspolianos a “Amar Sua Cidade, Seja Como For!” Um trem de plástico amarelo carrega crianças pelas margens do Rio Dniestre, que separa a Transnístria da Moldávia, a nação a qual o país pertence oficialmente. Homens fumam e jogam suas linhas de pesca nas águas calmas do rio. Há duas danceterias na cidade mas, em geral, não há muito o que fazer por aqui. (Não que haja muitas pessoas com idade para cair na balada – os idosos formam quase um terço da população.)

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Apesar da Transnístria não ser reconhecida como uma nação pelos membros da ONU, o lugar foi esquecido há muito tempo pela Moldávia, um país também pobre que ainda luta para lidar com a queda da URSS. A Transnístria era incorporada à Rússia até o começo do século XX, quando foi considerada uma parte da Ucrânia Soviética, e depois da República Socialista Soviética Moldava. Enquanto a Moldávia permaneceu agrária e exportando frutas, a Transnístria se tornou um centro industrial e atraiu trabalhadores do leste falantes de russo, em vez do dialeto romeno de seus vizinhos.

Hoje, essa fábricas continuam funcionando, fornecendo ao país o grosso de seu $1 bilhão de PIB declarado – mas, na verdade, a Rússia sustenta a economia da Transnístria fornecendo bilhões de dólares de subsídio, incluindo um esquema em que a Rússia compra gás de uma companhia da Transnístria, depois vende esse gás e fica com o lucro. De acordo com o Centro de Estudos do Leste em Varsóvia: “A Transnístria é quase completamente desprovida de qualquer um dos pré-requisitos internos necessários para o crescimento econômico”. A economia é controlada pelo estado, quase não há pequenos negócios e a falta de empregos faz os jovens emigrarem em massa.

Uma estátua de Lenin em frente ao Supremo Soviete, o quartel-general do parlamento transnistriano.

E ainda há o contrabando. Assim que nosso ônibus passou pela fronteira da Transnístria e meus documentos foram conferidos várias vezes, um pequeno carro azul parou a nosso lado. O motorista abriu o bagageiro do ônibus e começou a descarregar pacotes de Marlboro falso. “Isso acontece toda vez”, disse Vlad, meu guia e contato. Milhões de cigarros falsificados são contrabandeados da Moldávia para a Transnístria, depois pelo Mar Negro através da cidade ucraniana de Odessa.

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Mas os cigarros são só a ponta do icebergue – humanos são traficados pela mesma rota aos milhares e, em 2011, a Moldávia prendeu seis pessoas, incluindo dois transnistrianos, por vender 1,1 quilos de urânio enriquecido a policiais disfarçados de foras das lei da África do Norte. (E houve um incidente similar em 2012.) Estima-se que existam 30 mil toneladas de munição da era soviética escondida dentro das fronteiras da região, e é muito provável que tudo isso esteja à venda.

“Ninguém precisa desse tipo de armamento”, me disse Iurie Leanca,o primeiro-ministro da Moldávia, em Chisinau. “Claro que isso nos preocupa… Claro que isso nos faz pensar no que o futuro guarda.”

Desde que a Crimeia se tornou parte da Rússia, Leanca não ouviu mais falar em Yevgeny Shevchuk, o presidente da Transnístria, apesar de repetidas tentativas de contatá-lo. “É do interesse de todos manter a estabilidade e não permitir que a situação se degenere”, ele disse. “Não precisamos disso.”

Mas esse sentimento não era compartilhado pelas pessoas com quem conversei em Tiraspol. Num mercado fechado no centro da cidade, conheci Lyubov, uma senhora de 60 e poucos anos da Ucrânia que vende maçãs importadas do Cáucaso. A revolução Euromaidan em Kiev foi “o jeito errado de fazer as coisas”, ela me disse. Ela também acredita que os revolucionários ucranianos são na maioria nacionalistas de extrema-direita, a narrativa da mídia russa. “Queremos que a Rússia venha aqui e nos proteja dos fascistas.” Ela pareceu preocupada por eu ser americano. “Estamos em guerra contra eles”, ela disse, enquanto seu marido olhava ansiosamente para os lados.

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Num pequeno parque lotado de monumentos ortodoxos russos, conversei com Konstantin, que estava ajudando na construção de uma igreja de tijolos. Ele me disse que sentia como se a Transnístria estivesse “presa” entre a Moldávia e a Ucrânia, e que uma ocupação russa daria maior liberdade ao país.

Mas é difícil conseguir uma resposta direta num lugar que o grupo Freedom House descreve sucintamente como “não livre”. Quando conheci Fyodor Nikolaevic, de 58 anos, num ônibus vindo de Chisinau e pedi para conversar, ele torceu o bigode preto e olhou em volta nervoso. Ele costumava sonhar em ser apresentador de televisão, mas hoje dirige uma empresa de ônibus que transporta pessoas entre Moldávia, Transnístria e sua terra natal, a Ucrânia. Ele estava em Tiraspol para encontrar parceiros de negócio e arranjar novas rotas; de acordo com ele, nem todo mundo está ansioso pela dominação russa. “Eles estão só esperando para ver o que vai acontecer”, ele disse. “Mas algumas pessoas realmente queriam entrar para a União Europeia.” O próprio Fyodor estava cético sobre a aliança com o Ocidente, especialmente com todos os problemas econômicos que atingiram a UE recentemente. “Por que queremos ir para a Europa?”, ele perguntou. “Os gregos faliram e mesmo os búlgaros não querem mais fazer parte dela.”

Apesar do governo da Transnístria e muitos de seus moradores quererem se tornar a última aquisição da Rússia, o Kremlin não está prestando atenção no país, pelo menos não aparentemente – e de forma oficial, Moscou não reconhece a independência da Transnístria da Moldávia.

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Depois de algumas horas andando e conversando com as pessoas, Vlad me agarrou pelo ombro. Era hora de ir. As pessoas perceberam que eu era um jornalista, não um turista inocente, e teríamos muita dor de cabeça se não chegássemos à fronteira. O aparato de segurança do estado entrou no jogo depois do golpe “fascista” na Ucrânia; a Transnístria até disse ter derrubado um drone espião de Kiev naquela semana. Jornalistas estrangeiros interessados no que as pessoas acham de seu governo não são bem-vindos aqui.

Uma rua quase deserta na Transnístria.

Ao ir embora, conheci Vasili, um jovem soldado moldavo, numa parada de caminhão na cidade de Bendery. Ele trabalhava com os russos como parte da força militar tripartite da Transnístria e disse que eles estavam muito preocupados com a Crimeia para se preocuparem com um conflito na Transnístria. “Tudo está calmo”, ele disse, sorrindo.

Mas as coisas não estavam calmas. A maioria dos especialistas locais espera que a Rússia continue marchando pelo oeste. E mesmo que esse impulso não chegue à Transnístria por enquanto, o consenso em Chisinau – e Tiraspol – é que trata-se de uma questão de tempo. Como Fyodor disse, sem rodeios: “Estávamos esperando que os russos tomassem a Crimeia. Logo a Ucrânia vai ser partida no meio; é só uma questão de tempo. Crimeia, Odessa. Eles não vão tomar a Transnístria ainda. Mais tarde”.