Por que os criadores de games no Brasil estão putos?
Imagens: BIG Festival/Divulgação.

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Por que os criadores de games no Brasil estão putos?

Uma carta deixou muita gente pistola na cena brasileira de jogos independentes.

Os criadores de jogos brasileiros estão putos. Não porque tá zoado fazer games por aqui. Longe disso. Na real, a cena de desenvolvimento está até indo muito bem, obrigado. O que eles estão pistola mesmo é com um dos principais eventos no país pra quem curte uns joguinhos: o BIG Festival.

O Brazil’s Independent Games Festival rola todos os anos em São Paulo e, este ano, vai acontecer também no Rio de Janeiro. Parte exposição, parte premiação, parte série de palestras e parte evento de negócios, ele é ótimo pra quem quer conhecer e jogar o que é produzido de games independentes no país, principalmente por causa da exposição de jogos que dura quase uma semana e, o melhor, completamente de graça.

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O festival só não parece ser ótimo pra quem faz os jogos que são expostos por lá. Bom, pelo menos pra alguns deles.

BIG Festival rolando no Centro Cultural São Paulo.

No último mês de abril um coletivo de desenvolvedores de jogos brasileiros publicou uma carta aberta à organização do BIG Festival com críticas e sugestões ao evento. As reclamações vão desde a falta de transparência na escolha dos games até o que o festival considera “jogo indie”.

A carta ganhou repercussão e foi assinada por cerca de 300 pessoas, entre profissionais e estudante de jogos, o que mostrou que isso não era só mimimi de um ou outro desenvolvedor. A resposta do BIG veio alguns dias depois, também como uma carta aberta.

O coletivo que elaborou a carta não possui um organizador ou porta-voz, já que nasceu de um esforço conjunto de desenvolvedores. Por isso, a gente foi atrás de alguns que assinaram a carta pra saber por que eles estão putos.

Um deles é André Asai, do estúdio paulista Loud Noises, e que participa do BIG desde as primeiras edições. “Eu assinei por concordar que é realmente necessário haver algumas mudanças no formato do evento”, falou em entrevista à VICE.

Asai explicou que a carta é resultado de anos de reclamações que os desenvolvedores sentem do BIG. Alguns chegaram a ser discutidos com a organização no passado e, enquanto o festival melhorou certos aspectos, muito problemas não foram completamente resolvidos.

Outro que assinou a carta foi Joel Hamon, representando a Ludic Studios de Manaus, Amazonas. Ele e mais dois integrantes da equipe debutaram no BIG em 2017 com o promissor jogo e, logo de cara, viram algumas falhas do evento.

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“Um dos maiores problemas que sentimos ano passado foi a falta de transparência dos jogos escolhidos como finalistas [na premiação do BIG]. Nós não fomos finalistas, mas fomos escolhidos para expor, só que seria muito bom um feedback de porque não fomos aprovados”, contou.

Aqui cabe uma breve explicação: os jogos inscritos no BIG podem ser selecionados pra concorrer em qualquer categoria na premiação do festival, incluindo melhor jogo brasileiro. Aqueles que não são finalistas ainda assim podem ser selecionados pra expor seus jogos ao público.

Apesar das reclamações da carta representar uma parte significativa da comunidade indie, não é todo mundo que tá puto com o BIG Festival. O game designer Marco Ventureli, da Rogue Snail (Relic Hunters Zero), por exemplo, não assinou a carta.

Isso não quer dizer que Venturelli está do “lado do BIG”. Ele diz que até concorda com algumas reclamações que estão sendo feitas, principalmente com relação a mais transparência da organização, só que “o conteúdo propriamente dito da Carta é um pouco inflamatório e confrontacional demais”, justificou.

Em um papo com Venturelli, ele jogou uma ideia que parece ser o real motivo de toda essa treta: “[as pessoas que organizam o BIG] não são desenvolvedores — são pessoas que vieram de agências do governo e associações que visam a aumentar o impacto econômico que o desenvolvimento de jogos tem no país. Por isso há em muitos pontos uma distância cultural e de conhecimento muito grande entre a comunidade indie e os organizadores”.

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Esse distanciamento que Venturelli falou ficou bem claro após uma reunião de emergência que a organização do BIG, depois da resposta à carta, realizou com alguns desenvolvedores no Centro Cultural São Paulo, local onde o festival é realizado. A reunião também foi transmitida online pra quem não era de São Paulo.

O encontro de mais de uma hora serviu pra começar um diálogo e esclarecer muitas informações que atrapalhavam a os desenvolvedores a chegarem mais junto da organização, como saber como a curadoria dos jogos são feitos e qual é o papel da Abragames (Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitias) na realização do BIG.

Da parte da organização do BIG, o tapa na cara que a carta provocou parece que serviu pra eles se tocarem de que é preciso se abrir mais pros criadores de jogos locais, já que são eles os responsáveis por muito do que faz o festival ser atrativo e legal.

Gustavo Steinberg, diretor executivo do BIG Festival.

Esse vacilo foi algo que o próprio diretor executivo do BIG, Gustavo Steinberg (e que, é bom ressaltar, também faz parte da diretoria da Abragames), reconheceu. “O evento cresceu e a gente precisa estruturar algumas partes BIG, principalmente a parte de comunicação (com os indies) melhor”, falou Steinberg depois da reunião.

“Agora a gente tá indo no caminho certo, mas a gente também depende da organização da comunidade pra que isso não pare só em palavras, pra que isso aconteça de fato, porque eu não consigo atender mil pessoas, eu consigo se tiverem dez falando com a gente, dando ideia”.

No BIG Festival desse ano, que vai rolar entre os dias 23 de junho e 1 de julho, já está marcada mais uma reunião entre a comunidade indie e a organização. Nesse meio tempo, uma nova carta aberta foi publicada, rebatendo as respostas do BIG, mas dessa vez com menor repercussão e com menos de 20 assinaturas até a publicação da matéria.

No final, a primeira carta gerou muito mais do que uma treta. Alguns desenvolvedores já discutem a possibilidade de criar mais eventos pra expor seus jogos, paralelos ou não ao BIG, e até um movimento pra se organizarem em cooperativas ou mesmo sindicatos, algo que também está rolando entre devs na gringa.

Os criadores de jogos no Brasil ainda estão putos, alguns menos que outros agora, mas ainda putos e vai ser no mínimo interessante observar como eles vão usar essa raiva pra mudar o cenário de jogos independentes por aqui, pro bem ou pro mal.

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