10 Perguntas Que Sempre Quiseste Fazer a um barista

Em Portugal, se tens que esperar por alguém, ler o jornal ou se, simplesmente, te queres sentar na sossega a fazer scroll no telemóvel, uma coisa é certa: abancas na esplanada e pedes um café. Um cafézinho. Uma bica. Um cimbalino. Uma meia de leite. Um pingado. Um garoto. Um abatanado. Um galão. Enfim, o que melhor te aprouver e for regionalmente mais indicado.

A tradição do café está muito marcada no dia-a-dia dos portugueses e o café transformado em Portugal tem características muito peculiares – a bica 8já usámos cimbalino lá em cima, portanto, calma!) densa, forte, ácida, tostada. Tipicamente nossa. Aliás, se já tiveres bebido café noutro país (como Espanha, por exemplo) provavelmente não o fizeste sem te queixares.

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Segundo os dados da Associação Industrial e Comercial de Café (AICC), o hábito de beber café diariamente está presente em 80 por cento da população nacional. Por isso, e para mostrar ao público tanto nacional como internacional o sabor próprio e intenso do nosso café, a AICC tem vindo a organizar desde há alguns anos o Campeonato Nacional de Baristas – pessoas especializadas e treinadas no processo de fazer e servir café.

Tiago Costa, de 35 anos, ficou em segundo na mais recente edição da competição, levada a cabo em finais de 2017, trabalha há 20 anos na área e é barista há seis. Falámos com ele, para tentarmos perceber, entre outras coisas, como se tira o café perfeito, quais são os melhores grãos do Mundo e quantas chávenas podes mesmo beber por dia.



VICE: Olá Tiago. Primeiro, a pergunta que se impõe: beber café faz bem ou faz mal, vicia ou não vicia, cura ou não cura ressacas?

Tiago Costa: Primeiro, não há nenhuma ressaca que o café não tenha curado (risos). Não considero que seja viciante. É, isso sim, uma bebida que pode ser prazerosa e que nos desperta, a ponto de a querermos repetir diariamente. Há vários vícios, como é o caso do tabaco, que não se consegue largar facilmente. No caso do café, se for preciso deixar a cafeína por algum motivo de saúde, as pessoas conseguem-no com bastante menos esforço.

Ui, mas o café e o cigarro são…

São dois amigos inseparáveis, segundo os fumadores.

Quantos cafés podemos beber por dia?

Eu num dia de provas, por exemplo, posso chegar a beber 20 cafés, o que logicamente me deixa assim um pouco agitado. Mas, não sinto grande impacto do café. Não me faz mal. No entanto, há gente muito sensível à cafeína, que com apenas um café sente logo o efeito. Por isso é que é preciso ter cuidado, se alguém nos pede um descafeinado, é preciso garantir que temos atenção ao tirá-lo – ainda que em qualquer descafeinado possa haver réstias de cafeína. É preciso ter esse cuidado, porque as pessoas reagem, de facto, de maneiras diferentes.

Nós em Portugal, segundo as estatísticas, consumimos quatro quilos de café per capita por ano. Os nórdicos, por exemplo consomem cerca de 12, o que tem a ver com a cultura. Nós, maioritariamente, consumimos café em forma de expresso. No Norte da Europa consomem café longo.

Uma bica (à esquerda), um cimbalino (à direita). Foto por Sérgio Felizardo

O açúcar no café é mesmo um crime de lesa pátria, que deveria dar direito a prisão perpétua?

O acto de colocar açúcar no café serve para disfarçar a amargura e a acidez. As pessoas querem sentir o sabor do café, mas, muitas vezes, não conseguem suportar a acidez, que na verdade é típica dos cafés de qualidade. Portanto, ser errado ou não tem a ver com cada um. Mas, como barista, acho que não se deve pôr açúcar no café.

Sentes que o facto de a profissão de barista estar, hoje em dia, bastante conotada com uma certa cultura hipster, quase como se se tratasse mais de uma moda que outra coisa qualquer, te prejudica?

Acho que obriga os que já existem a terem que se esforçar para melhorar, para não se deixarem engolir por esta nova onda de baristas. Só vejo aspectos positivos, obriga-nos a inovar.

Como é que, de repente, passámos de beber qualquer purga a 50 cêntimos, a desdenharmos de qualquer coisa abaixo dos dois euros? Quanto é que é preciso pedirem-nos para podemos dizer que é um roubo?

Bom, existem vários tipos de café: o comercial – que é o mais comum na cultura portuguesa -, o café gourmet e o café de especialidade. É importante que as pessoas saibam o que é que estão a beber e pelo que é que estão a pagar. Nós temos muito bom café comercial em Portugal, de boa qualidade – apesar de o devermos continuar a trabalhar -, por isso podemos ter este café a 50 cêntimos. Se bem que, pessoalmente, acho que quem quer qualidade está disposto a pagar mais.

Se for cobrado de forma consciente acho que não há que ver nada como um roubo. Há que saber o que estamos a beber e tomar a decisão de pagar mais caro por isso. Às vezes, em viagem por países como a Holanda ou a Alemanha, por exemplo, podemos acabar a pagar quase três euros por um café, só porque queremos um café, o sabor na boca, mas não fazemos ideia do que estamos a beber. Isso é que tem que mudar. Se se procura qualidade e se se escolhe ir a uma loja que venda cafés mais caros, porque se considera que vale a pena, aí acho que não há limite. Mas, assumo que para que exista esta escolha consciente talvez nos caiba a nós, baristas, o dever de informar o cliente, para que ele se possa ir tornando mais exigente.

Tiago Costa, especialista na arte de tirar cafés. Foto por Sérgio Felizardo

Irrita-te aquela cena do café curto, cheio, meia chávena, chávena fria, bica, cimbalino e o diabo a quatro? E já agora, qual é melhor: curto, cheio, meia chávena, ou chávena fria?

Para mim o melhor é o normal, são 3 cl com 2 mm de espessura. Mas esses pedidos não me irritam, porque não acho que sejam caprichos das pessoas, mesmo as que só pedem de certa maneira porque ouviram alguém a pedir. Não é uma coisa certa ou errada, são manias e gostos. Contudo, reparo que em estabelecimentos como o Starbucks, ninguém vai para lá pedir café sem princípio – porque é uma loja de café que oferece aquilo que oferece, daquela maneira exacta e o cliente vai lá para tomar aquilo. Não têm margem de pedido – e resulta, porque o que é facto é que os clientes voltam. Acho que talvez a nossa restauração devesse implementar um pouco isso, mas é complicado porque é mexer com a cultura.

Já sobre a “guerra” Norte/Sul 8risos), Cimbalino foi um termo que usaram para o expresso por causa da marca da máquina que se usava para o tirar. A bica, chama-se assim porque alguém pediu um café e perguntou ao empregado como é que aquilo se bebia – ao que o empregado responde: bebe-se isto com açúcar (B.I.C.A.). Daí o nome. Também dá com adoçante. (risos)

Preocupa-te a possibilidade – que aparentemente é real – de as alterações climáticas poderem levar ao fim do café como o conhecemos em 2050?

Para os baristas é uma situação terrível, claro, porque é o nosso trabalho que está em risco. Se bem que, nesse ano, eu já devo estar mais que reformado. (risos) Isto para as gerações futuras é mau, claro que é mau. No entanto, cá em Portugal, para já, ainda não se sente muito este medo.

Qual é teu grão favorito?

É o de São Salvador. Existem várias origens, mas há uma em particular de que gosto muito, cujo mais recente micro lote trazia sabores muito aromáticos, um pouco a frutos vermelhos. Para mim foi uma óptima experiência.

Qual é o segredo para tirar o café perfeito?

O expresso perfeito depende de várias regras, nomeadamente de certos movimentos a fazer com a máquina: a forma de prensar o café, a quantidade exacta, a forma de extrair o expresso, a limpeza da máquina, o factor chávena, a conservação do café. Tirar um cafe é muito simples, muito intuitivo. No entanto, tem por detrás estes factores que não podemos descartar, porque é a sua junção que vai originar aquela bebida ideal. E, para mim, como já disse antes, o melhor é o normal, são 3 cl, com 2 mm de espessura.


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