No ano das fake news, dos bots loucos no Twitter e das brigas de família via zap, o Brasil entrou em colapso. No campo da ciência, mais uma vez sofremos com cortes de orçamento, fim de bolsas de pesquisa, surtos de doença e desastres de toda sorte. Pois é: se em 2017 a coisa já não tava boa, neste ano, convenhamos, piorou. Piorou pra caralho, vai.
Sim, 2018 foi um ano que apanhamos muitas vezes. Perdemos Stephen Hawking e o Museu Nacional, tivemos medo dos dados que expusemos no Facebook, entramos numa bagunça eterna de notícias falsas via WhatsApp, tivemos que ouvir lamentáveis declarações de políticos que acreditam que o aquecimento global é teoria da conspiração e, no meio de correntes e bots, vimos crescer uma perigosa extrema-direita por todos os cantos da internet.
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Quer saber o pior? Tem como piorar. Em 2019 começa o governo de um presidente que não se importa com nada disso citado acima nem com qualquer coisa ligada ao conhecimento e a cultura. Nem mesmo seu mentor intelectual, Olavo de Carvalho, se preocupa com algo científico no país. Muito pelo contrário: ele abomina a ciência.
O lado bom é que podemos aprender com o caos que passamos nesse ano. Podemos ficar mais espertos e mais resistentes. E é com essa intenção que separamos os assuntos que fizeram de 2018 um dos piores anos para a ciência e a tecnologia brasileiras que temos notícia. Leiam e, por favor, sigam de cabeça em pé — a batalha mal começou.
1. Febre amarela, dengue e a volta da hanseníase: os esforços para frear os surtos de doença no Brasil
Depois do maior surto de febre amarela que o Brasil já viu, em 2017, uma epidemia que começou em Mairiporã, em São Paulo, começou a se espalhar pelo país antes mesmo de cair a ficha de que estávamos em 2018.
As filas não paravam de crescer nos postos de saúde. Teve gente ficando horas na fila, velhinhos passando mal e uma galera com dúvida se deveria tomar a tal da vacina ou não. Houve grandes esforços para segurar o surto no país, mas a falta de informação ajudou a deixar a bagunça um pouco pior.
Assim como a febre amarela, a superbactéria da hanseníase também surgiu inesperadamentequase na mesma época. Dois pesquisadores na Suíça conseguiram descobrir mutações genéticas na bactéria a partir da resistência de dois antibióticos. A doença, que é transmitida por meio da saliva, podia ser tratada facilmente por remédios fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas, depois da mutação, o Brasil caiu na real de que é preciso primeiro melhorar o diagnóstico precoce para obter, assim, o controle da doença.
E pra 2019 as expectativas nessa área não são das mais animadoras. Nessa semana, o Ministério da Saúde informou que 504 cidades têm alto risco de surto do trio de doenças que vem acompanhado da Aedes aegypti . O Governo Federal mandou mil caminhonetes pras ruas na função de combater o mosquito no país e evitar o surto de dengue, zyka e chikungunya no próximo ano.
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2. O desastre político-científico no Brasil
Se o ano passado foi a prévia da tragédia, 2018 foi a confirmação do desastre. Tudo se desenhava no começo do ano quando Temer, ao mesmo tempo que falava o quanto é importante investir em ciência e tecnologia, reduziu o orçamento para 21,25%, o que preocupou, e não à toa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Na segunda metade de 2018, quando já não aguentávamos mais idas e vindas da reconfiguração no orçamento, a Capes anunciou o corte de 198 mil bolsas para o ano que vem.
A partir dali, houve uma inédita ebulição no campo científico do país. Os campus universitários espalhados pelo país viraram palco de revolta, desespero e manifestações. Duas hashtags movimentaram o Twitter por um dia, e pudemos ver todas aquelas pesquisas em curso que provavelmente serão perdidas sem o investimento necessário.
Entre filtros no Facebook com a frase “eu luto pela pesquisa científica brasileira” e gritos de “Fora Temer”, a ciência começou a querer se aproximar dos espaços de poder e buscou eleger uma “bancada da ciência” no Congresso Nacional. No fim, mesmo com todos os esforços, Walter Nunes, que se candidatou para deputado federal, e Mariana Moura, para estadual, ambos em São Paulo, não obtiveram votos o suficiente para o protótipo de uma bancada em prol da ciência. Para piorar, o PSL do Brasil de Bolsonaro, aquele que compartilha nas redes que o aquecimento global é uma farsa, terá a segunda maior bancada de 2019. Já deu pra entender que o ano que vem será dureza, né?
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3. A perda de Stephen Hawking
Em março tivemos a notícia da morte de Stephen Hawking, o titular da cadeira de Isaac Newton. Mesmo com todas as dificuldades causadas pela esclerose lateral amiotrófica, Hawking conseguiu se tornar uma espécie de rockstar da ciência, com best-sellers, participações em seriados e um filme ganhador de Oscar contando sua história.
Hawking pensava longe demais. Ele conseguiu pesquisar sobre o futuro, a física quântica e a termodinâmica dos buracos negros e se tornou um dos maiores cientistas da história do mundo, ao lado de nomes que você só conheceu nos livros de história e referências bibliográficas. Tira uns minutinhos para ler sobre o cara nesses dois links abaixos. Foi-se um dos maiores.
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4. Nosso corpo inundado de agrotóxico
Tivemos vários momentos lamentáveis na política brasileira, mas o “Pacote do Veneno”, o projeto de lei de autoria do bilionário, homem de negócios e atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, entrou no destaque de pilantragem ao tentar mudar o nome de “agrotóxicos” para um mais disfarçado: “defensivo fitossanitário”. O projeto, que estava parado desde 2015, foi aprovado na Câmara dos Deputados e prevê que um produto poderá ser registrado de maneira temporária sem avaliação prévia, caso tenha sido utilizado em pelo menos três países que pertencem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ruim para nossos corpos que, a julgar pela composição política a partir de 2019, estarão cada vez mais em segundo plano. O projeto agora deve ser votado no Senado.
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5. A greve dos caminhoneiros mostrou como estamos com os pulmões fodidos
Nem parece que a greve que parou o Brasil foi esse ano. Talvez tenhamos preferido esquecer? Talvez. Foi tanto desgaste e filas enormes nos supermercados que parecia mais que éramos o Will Smith no Eu sou a Lenda. Tudo começou com o aumento do preço do combustível, tipo aquele papo “não é só por 20 centavos” em 2013, e , em um piscar de olhos, os caminhoneiros pararam o Brasil.
Nessa provamos que os carros não são legais. Isso por que, no sétimo dia da greve dos caminhoneiros, segundo medições, os ares paulistanos nunca estiveram tão deliciosos de respirar. Segundo o diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, Paulo Saldiva, o ar em São Paulo foi considerado de boa qualidade em todas as estações de medição da cidade. Mas foi só os caminhões voltarem pras ruas que o ar voltou a ser a merda de sempre.
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6. A queda e a tentativa de retomada do Museu Nacional
Quando tudo parecia perdido na ciência, acordamos com o Museu Nacional em chamas. O incêndio que incinerou mais de vinte milhões de peças também acabou com o sonho e as pesquisas de muita gente. Destruiu a história não só de um Brasil, mas também de uma parte que a ciência conta do que foi o mundo.
Abrimos os olhos novamente para perceber o quanto o governo não dá a mínima e nem uma grana necessária pra manter seus museus públicos, o que comprovamos ao ir atrás dos principais do país para sacar qual o estado atual de cada um deles. Ruim, ruim.
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7. Estão usando seus dados contra você
É foda ser humano em 2018 e ter um belo histórico de rastros digitais. Até pra comprar uma simples novalgina num dia de stress e dor de cabeça você precisa fornecer seu CPF para conseguir algum desconto. Seus rastros digitais também podem deixar tudo mais caro, os apps estão vendendo seus dados sensíveis e é melhor ter cuidado com o que você fala por aí.
Descobrimos este ano que a meta de 100 novos cadastros no sistema por mês nas farmácias brasileiras pode ser perigosa, abusiva e não se trata somente da tão inegável pechincha. E parece que, para obter algum desconto em qualquer lugar, você vai precisar dar seus dados em troca.
Em janeiro, o Ministério Público entrou com uma ação contra a Decolar.com porque eles estavam com valores até 40% mais caros para os brasileiros. Isso porque eles usam da sua localização para medir o quão caro o serviço tem de ser.
Os aplicativos para marcar consultas também usam de suas informações para possivelmente vender sem sua autorização por aí. Essas medidas só deixaram mais claro que é necessário, mais do que nunca antes, uma legislação específica que proteja dados pessoais.
Como se não bastasse isso, tudo aquilo que desconfiávamos e alertávamos sobre a coleta de dados de Facebook e Google se concretizou neste ano: tivemos a confirmação de que eles não protegem tanto nossas informações do jeito que gostaríamos. Na verdade, estão lucrando bastante com nossos humores e nos perfilando para venda o tempo todo. Não é paranoia, não, amigo: estamos todos expostos à vigilância.
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8. Vidas de brasileiros cada vez mais expostas
Em abril, a Câmara dos Deputados votou em um projeto que abriria seus dados em vez de protegê-los. O projeto de lei, aprovado também pelo Senado em outubro, tinha o objetivo de incluir até a sua avó no Cadastro Positivo, sem que ela autorizasse isso. Esse programa basicamente informa para empresas de score de crédito se você está pagando as contas em dia e quitou todas as suas dívidas para diminuir o risco de inadimplência nos bancos.
Bom, ninguém está ligando pra sua privacidade, e você já deve saber disso né? Foi comprovado que até o aplicativo do Bolsa Família pode estar usando suas informações em troca de moeda no mercado. Então, para haver uma legislação de proteção de dados, primeiro é preciso pensar se o próprio governo irá cumprir desta lei.
Ah, tem mais. Depois da FIESP deixar exposto informações de mais de 500 mil brasileiros e a cooperativa de crédito Sicredi deixar vazar mais de 1 TB de dados de clientes, uma empresa norte-americana divulgou um relatório detalhando como as informações sensíveis de milhões de brasileiros ficam expostos para qualquer um usar.
Diante de todo esse molhinho de chorume que atravessou as telas do computador e foram parar na sua casa, vale a recordação que nosso presidente atual Michel Temer vetou a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que ficaria na função de fiscalizar a regulamentação. E não sei ficou claro, mas: a coisa tem tudo pra piorar.
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9. O triunfo das notícias falsas via WhatsApp nas mãos da extrema-direita
Se você acompanhou a gente por todo esse ano, talvez pôde sacar que esse foi nosso principal assunto. Podemos afirmar que as eleições foram centralizadas nesse aplicativo que faz de nossas vidas um pequeno grande caos e a gente não consegue desapegar.
2018 foi o ano de receber fake news, áudios de falsos Lulas e Bolsonaros, montagens, e ser colocado – sem pedir – em grupos de zap a favor de político x ou y. Talvez você tenha saído do grupo da sua família também e não tem a menor ideia de como vai ser o natal.
Sem dúvidas o WhatsApp virou o palco para a extrema-direita ter voz e brilhar. Essa brecha fácil e irrastreável de notícias falsas acabou virando um imenso buraco negro que a campanha de Bolsonaro previu e fez bom uso.
Entrevistamos também um pesquisador que passou meses infiltrado nos grupos de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e descobriu o funcionamento de sua tática militar e como foi ela usada para espalhar notícias falsas e estratégias para conseguir mais eleitores.
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10. A direita brasileira cresce também pelo YouTube
É, às vezes o maior medo do jovem brasileiro é encontrar a extrema-direita brasileira na cozinha de madrugada porque eles estão em todo o lugar. Os caras crescem principalmente no YouTube por causa de figuras como o músico Nando Moura e o guru de Bolsonaro Olavo de Carvalho, sem contar dos seriados pique a novela Mutantes da Record que Joice Hasselmann anda produzindo na mesma plataforma.
E se o Youtube é uma das plataformas mais acessadas no Brasil e o discurso reacionário é o que mais cresce, o casamento se torna algo inevitável de acontecer. Ah, o medo de como vai ser o pensamento das novas gerações também cresce igual. Ainda mais com o projeto de lei para profissionais do YouTube trabalharem legalmente 30 horas semanais, fazendo lives, vlogs e recebidos.
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11. O deepfakes é mais assustador do que parece
Sim, está comprovado. Não damos mais conta das fake news porque a tecnologia foi longe demais. Fomos os primeiros a avisar que estamos todos fodidos com o lance do deepfakes: o ato de botar o rosto que você desejar em vídeos pornô.
Tudo começou com um vídeo fake da Gal Gadot hospedado no SendVids que é tão real que chega a ser assustador. E como a galera nunca tá feliz o suficiente, foi criado um aplicativo que consegue facilitar ainda mais o processo e você não precisa ter conhecimento em programação pra poder produzir uma deepfake. Além de ser gratuito, a plataforma também contém um passo a passo de como fazer a magia acontecer.
Essa febre de colocar rosto de famosos em vídeos pornô acabou causando mais treta ainda no inesquecível – mas que gostaríamos de ter esquecido – suposto vídeo de João Doria, que até hoje ninguém sabe se é verdade ou deepfake.
Temos certeza que essa tecnologia ferrará com a vida de muita gente e por isso fizemos um guia para te ajudar a lidar com essas trevas.
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12. Bolsonaro inicia o projeto de ferrar com nosso ambiente
Para um país que detém de 60% da Amazônia, Bolsonaro não é um dos mais aconselháveis presidentes. Só neste ano ele já sugeriu tirar o Brasil do Acordo de Paris, ofereceu royalties aos indígenas em troca da exploração de terras e disse que vai derrubar ainda mais a Amazônia para construir minas, represas e tudo mais que dá dinheiro em imediato, mas um grande prejuízo lá na frente.
Além disso, o presidente eleito nomeou Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Ele é tudo que os ruralistas desejam, com interesses perigosos no agronegócio e já declarou que quer acabar com “a indústria de multas do Ibama”. O ministro nomeado também é investigado por fraude ambiental e improbidade administrativa cometida na época em que foi secretário no governo de Geraldo Alckmin (PSDB).
Acaba 2019.
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13. As coisas não vão melhorar
Perdão, mas essa é a verdade: afirmações positivas são basicamente uma farsa. Quer ver alguma mudança? Proteste, grite, argumente, escreva. Vamos precisar.
Qualquer coisa tamo por aqui.
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