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“Normal People”. O romance é um lugar belo, estranho e insuperável

À série passada na Irlanda juntamos outras nove novidades que têm marcado 2020.
PRINCIPAL (9)
A química tem mais encanto na hora do reencontro. (Cortesia Hulu)

Raramente, no meio de tudo o que vimos, escutamos ou lemos, há ocasiões em que apetece anunciar a todos o que acabou de dar mais sentido à nossa vida. Este é um desses casos.

Minutos após o visionamento completo de Normal People, saltam à memória as obras Bright Star, Call Me By Your Name e Before Sunrise. A sincronia emocional entre os dois protagonistas é tão verosímil, que só um coração empedernido não fica tocado com as interpretações de Daisy Edgar-Jones e Paul Mescal. Ao contrário dos outros trabalhos que foram construídos enquanto produto cinematográfico, a série da Hulu divide-se em doze episódios (cada um com menos de 30 minutos) e é o romance irlandês que 2020 precisa.

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Desde o primeiro beijo até à sublime cena “go and stay”, é difícil não ficar hipnotizado pelas duas personagens com o mesmo nível de sensibilidade e oriundas de diferentes estratos sociais. Ao seguirmos o rumo passional entre os estudantes Marianne Sheridan e Connell Waldron (do liceu à universidade), deparamo-nos com romantismo e sexo que nos absorve e deixa nas nuvens, agregado por uma cumplicidade intelectual inexpugnável - a “culpa” é o gosto por livros, museus, etc….

Como o destino gosta de pregar partidas - e para que os reencontros sejam impactantes -, são introduzidos estranhos afastamentos de deixar o telespectador piurso. Isso e o comportamento irritante de Jamie, um dos namorados de Marianne, excelentemente representado por Fionn O’Shea. Para contrabalançar, temos a mãe de Connell: a dócil Lorraine (a actriz Sarah Greene).

Adaptado do livro com o mesmo título escrito por Sally Rooney - uma das autoras do argumento - , Normal People fala de amor e da sua ausência, de amizade e fidelidade, de depressão e de BDSM, das omissões que podem trair os sentimentos e exorta, aqui e acolá, o pensamento feminista (“Men seem more concerned with limiting the freedoms of women than in exercising their own”).

Além disso, se necessitas ver o teu eu revitalizado, esta série tem a dádiva de emitir um raio de esperança numa realidade cujo futuro parece breu e incerto. É bela, indispensável e possui uma química a dois que nos prende ao ecrã. Reconheça-se que boa parte do mérito deve ser atribuido à realização de Hettie Macdonald e Lenny Abrahamson (este conhecido por ter dirigido o intrigante Room). Notável.

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Abaixo, podes ver mais nove novidades que têm marcado o corrente ano, entre os quais ZeroZeroZero, Kalifat, Devs e Tiger King.

BLOODRIDE (Netflix)

Como vais reparar, este é o primeiro de três títulos nórdicos que confirmam o trabalho profícuo feito por estas bandas. Nesta viagem pela “5ª dimensão norueguesa”, o sangue salpica por todo o lado em episódios com temáticas separadas e finais bizarros. Se consideras Black Mirror uma prioridade, deves dar uma chance a estas histórias em que o mel desemboca na imprevisibilidade e no nonsense, mas sem doses massivas do universo tech.

DEVS (HBO)

Para quem Ex Machina é um clássico da última década, o novo trabalho de Alex Garland é imperdível (tal como o anterior Annihilation que, por acaso, ficou abaixo das expectativas). Desta vez, o grande ecrã é substituído por uma série que tem como cenário uma empresa cujo propósito não é conhecido no exterior. Vais ouvir falar diversas vezes de “determinismo”, de luto, e até há espaço para Jesus Cristo… Todavia, se te disserem que isto é a versão 3.0 do ilustre The Americans também não é mal pensado. Agora, senta-te no sofá e vê se o GPS dá com a boneca gigante.

HIGH FIDELITY (Hulu)

Há uma regra que devia ser obrigatória antes de veres este remake do filme lançado há vinte anos. Já alguma vez fizeste uma compilação para a tua alma-gémea? Não precisa de ser em Cassete, CD ou em ficheiros MP3. Pode ser via Spotify. Se a resposta for afirmativa, então podes “entrar” nesta loja nova-iorquina onde ele dá lugar a ela - John Cusack por Zoë Kravitz -, em que os affairs são um remoinho de arrependimento ou de satisfação e, globalmente, o enredo consegue ultrapassar o preconceito de remexer em coisas sagradas (leia-se a obra realizada por Stephen Frears). Se és mais livros, então procura o original disto tudo escrito por Nick Hornby. A edição original mora em 1995.

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KALIFAT (Netflix)

A adolescência é considerada a idade das descobertas, a fase em que a ingenuidade se alia à rebeldia, a época em que podemos ser facilmente influenciados por meia-dúzia de sorrisos. A idade da inocência é o ponto central para entender o modus operandi do recrutamento de jovens menores para o Estado Islâmico (quando este detinha a região de Raqqa, na Síria). Objectivo: dar a volta a miúdas vulneráveis com características particulares. Ler o texto completo sobre esta série sueca aqui.

LYKKELAND - ESTADO DE FELICIDADE (RTP2)

As séries europeias, na RTP2, são uma aposta ganha ao proporcionarem uma variedade imensa do que se faz no Velho Continente. Em Lykkeland, observamos como a Noruega deu os passos iniciáticos na exploração petrolífera. Estávamos em 1969 e foi com o know-how dos norte-americanos que começa o boom na área dos combustíveis fósseis. Baseada em factos verídicos, cedo se percebe que o país dos Kings of Convenience pretende ser dono do seu nariz. Smart ones. ( Estado de Felicidade estreou originalmente no terceiro trimestre de 2018)

SELF MADE - MADAM C.J. WALKER: UMA VIDA EMPREENDEDORA (Netflix)

Resiliência é a palavra ideal para descrever a subida a pulso da primeira milionária negra nos EUA (personificada por Octavia Spencer). Com menos de vinte anos, Walker dá por si a entrar no ramo de produtos relacionados com questões capilares. Em 1910, ao mudar-se do Missouri para Indianápolis, o seu império ligado aos cosméticos começa a ganhar forma. Com o sucesso, vieram os problemas com o novo marido, uma velha rivalidade que não a deixa em paz e, mais tarde, a doença… Após o seu falecimento em 1919, estima-se que a sua fortuna valesse mais de sete milhões de dólares (na conversão actual).

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TIGER KING (Netflix)

As três figuras centrais deste documentário olham para os animais de grande porte como “Cifrões de estimação”. Digam o que disserem, arranjem as desculpas que amanharem (como a adoração pelas criaturas), as suas mensagens cor-de-rosa são levianas e perigosas. Não obstante disso, Tiger King é interessante para dar conta dos rednecks que desejam ter um tigre como se fosse um gato; para avaliar as condições precárias em que os trabalhadores vivem em alguns desses zoos - sem esquecer como os animais são criados -, e abraçar uma história que inclui suicídio, um possível assassinato e o suposto harém de empregadas. Entretanto, sendo o produto mais visto de sempre na Netflix (fruto de um buzz esmagador), vai ser criada uma série assente no percurso de Joe Exotic. Actor que o representará? Nicolas Cage.

UNORTHODOX (Netflix)

Opressão para todos, especialmente para elas. Por muito respeito que se tenha por todos que vivem à parte da chamada “normalidade”, há situações lamentáveis. A rigidez dentro da comunidade hassídica de Williamsburg, em Brooklyn, é o epicentro de uma vida aborrecida e asfixiante de Ester Saphiro (personagem que nasce da experiência real de Deborah Feldman, que em 2012 editou um livro autobiográfico). Insatisfeita e com Berlim na mira, a jovem consegue atravessar o Atlântico, fugir do marido (que nem era dos mais fanáticos), da tradição ultraortodoxa e entrar num mundo que, na sua perspectiva, parece estar noutro planeta. E tudo podia ter sido diferente se, numa certa noite, ela comunicasse ao esposo a chegada da “cegonha”…

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ZEROZEROZERO (HBO)

A droga e as suas implicações enquanto negócio por quem sabe: Roberto Saviano e Stefano Sollima. O primeiro escreveu o livro, o segundo criou a série e ambos já tinham conectado através de Gomorra. Com um naipe de actores credível (com enorme destaque para Harold Torres, que já é candidato a vilão do ano na pele de Manuel Contreras), somos confrontados com o “circuito da branca” entre bandidos do México, Itália e EUA. Podes contar com tiroteios, juramentos de lealdade, um bunker perdido na montanha, porcos esfomeados e um dos cunnilingus do milénio. Deus é citado múltiplas vezes neste tráfico, mas não te preocupes - o seu nariz está limpinho.

Notas finais

1. Séries que ainda não completaram a temporada inicial e que merecem estar debaixo de olho: A Espia (RTP1/RTP Play) e Run (HBO).

2. Séries novas que valem a pena ver: A Guerra no Charité (RTP2/RTP Play) e The Nest (BBC One).

3. Séries que não estão mal para primeira vez, mas…: Freud; Giri/Hagi; Lodo; I Am Not Okay With This; The Stranger; The Valhala Murders (todas na Netflix); Upload (Amazon Prime Video).

4. Séries cujas novas temporadas merecem o teu tempo: Curb Your Enthusiasm; Insecure (ambos na HBO); Homeland (Fox/mais à frente na Netflix); After Life; Better Call Saul; Fauda; La Casa de Papel e Narcos Mexico (todas na Netflix).


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