Por que as Pessoas São Obcecadas pelo Lendário Vídeo da Deep Web 'Dafu Love'?

Aviso: Esta matéria contém descrições fortes de abuso infantil.

Se você é como eu, sua curiosidade na internet já te levou para coisas que você preferia nunca ter visto. Quando eu estava no colegial, como muitos outros moleques com acesso à internet e uma atração pelo mórbido, eu surfava pelo Rotten.com, o lugar mais escroto da web na época. A misantropia do site não me atraía – eu não estava lá para rir de fotos de pessoas que morreram violentamente –, mas eu achava que era importante, seja lá por qual razão, ver o cadáver de Chris Farley, e o Rotten ficava feliz em me ajudar com isso. Também assisti ao vídeo inteiro do jornalista Daniel Pearl sendo decapitado e ouvi o áudio feito durante o massacre de Jonestown.

Só que eu estava longe de ser o único perambulando pelos cantos escuros – mas acessíveis – da internet. No começo do ano, a jornalista Brianna Snyder escreveu naWiredsobre sua experiência assistindo a vídeos horríveis de assassinato e suas tentativas de racionalizar esse hábito. "Sei que estou contribuindo para a humilhação e desumanização das vítimas cujas mortes foram gravadas", ela concluiu. "E não posso me desculpar o suficiente por isso. Minha culpa não absolve meu voyeurismo. Isso só me torna parte do abuso e da dor da vítima."

No entanto, a maioria das pessoas que veem coisas assim não se sentem tão culpadas. Você encontra muitas delas – onde mais? – no Reddit, mais precisamente no r/deepweb reddit, link em que os usuários se reúnem para trocar fofocas sobre as piores coisas da deep web, o nome coletivo para sites não indexados (à prova de Google) e criptografados da internet. Foi lá que ouvi sobre Dafu Love, um suposto filme snuff que é uma das coisas mais horríveis já feitas – ou apenas uma lenda urbana do século 21.

"O que é Dafu Love?" é um tópico iniciado pelo redditor ImAPotatoBoss. "Já ouvi dizer que pessoas ficaram loucas só de assistir", ele continua. "Mas o que é isso?"

Segundo relatos de terceiros, o vídeo mostra um australiano que mora nas Filipinas chamado Peter Scully: junto de seus cúmplices, ele tortura vários bebês até a morte. Os rumores são de que eles usam um cinzel e um martelo para abrir o crânio de um bebê. Há rumores de que eles estripam um bebê. Há rumores de que eles batem dois bebês como numa briga de travesseiros até que o impacto os mate.

Procurei evidências de que Dafu Love existiu, porém nunca achei nada concreto. É difícil fundamentar os rumores (um dos primeiros relatos sobre o filme foi escrito em espanhol, outro veio na forma de um vídeo no YouTube); além disso, dado o conteúdo chocante, não é de se surpreender que ninguém se gabe de ter visto isso.

Se alguém admitir ter assistido a Dafu Love, a pessoa está essencialmente confessando um crime, me disse Frank Kardasz, ex-comandante da Força-Tarefa do Arizona de Crimes Contra Crianças na Internet (ICAC, em inglês). "No passado, prendemos 'pesquisadores' que depois tentaram invocar a Primeira Emenda/liberdade de expressão/proteção ao editor, sem sucesso, para justificar sua coleção de imagens contrabandeadas", relatou Kardasz. "Você não quer ser 'Esse Cara'."

Se Dafu Love existisse online, ele estaria na deep weeb – segundo o especialista em segurança digital Gareth Owen, cujo estudo feito no ano passado mostrou que 80% do uso da Deep Weeb se relaciona à pedofilia. Isso segue uma longa tradição de pedófilos usando tecnologia para juntar coleções de pornografia infantil. Nos anos 70 e 80, de acordo com Kardasz, esses materiais eram distribuídos principalmente por correio, e até o meio dos anos 90 "não havia uma unidade de investigação cujo único foco fosse imagens contrabandeadas de exploração sexual de menores… na época, essas investigações aconteciam muito raramente".

Desde o advento da internet, a escala desse tipo de unidade explodiu. "Todos os estados dos EUA têm uma força-tarefa ICAC hoje", frisou Kardasz, acrescentando que, além dessas forças-tarefa, o FBI e o Departamento do Interior têm unidades dedicadas a prender e processar quem cometer tais crimes contra crianças.

Há equipes de investigação focadas exclusivamente na deep weeb. "Há casos mais difíceis em que o material de abuso infantil está sendo hospedado na deep web, mas muito disso está caindo rapidamente", falou o detetive Roy Calarese, do Chester County Computer Forensics Lab.

Peter Scully, o homem que estaria por trás de Dafu Love, é um dos mais repugnantes nós da rede de pedófilos da deep web. O australiano de 52 anos atualmente está preso nas Filipinas, aguardando julgamento por estupro e tráfico humano, além de estar sob investigação por sequestrar e assassinar crianças.

Segundo a mídia australiana, Scully se mudou para as Filipinas em 2011 depois de ser acusado de fraude. Enquanto morava lá, ele teria começado a fazer filmes pornográficos com meninas menores de idade para um mercado depravado global: ele supostamente pedia 7 mil dólares americanos para quem quisesse ver seu filme mais notório, The Destruction of Daisy, que mostraria a tortura de um bebê de dois anos.

Quando o vídeo surgiu na Europa, segundo o programa 60 Minutes da Austrália, o rosto de Scully estava borrado, mas seu sotaque australiano deu aos investigadores o suficiente para encontrá-lo depois de uma caçada pelo mundo.

A polícia federal australiana não respondeu meus pedidos de comentários sobre Scully e Dafu Love - e parece que seus agentes não falaram com outros meios de comunicação sobre o vídeo.

Os únicos relatos de Dafu Love são sussurros passados de supostos espectadores para aqueles que querem transmitir o horror para o resto do mundo. Vloggers do YouTube que supostamente tiveram conhecimento do vídeo balançam a cabeça, condenando os crimes horríveis que vão descrever, e alertam os espectadores de que eles estão prestes a ouvir coisas horríveis. Na internet, alertas assim garantem uma audiência cativa: um vídeo postado por um usuário chamado Takedownman já reuniu centenas de milhares de visualizações em três meses.

"Muitos fãs perguntaram se isso é real e se Scully estava envolvido", me disse Takedownman quando perguntei como ele chegou ao tópico, acrescentando que Scully é "a escória da Terra". No entanto, ele não pôde me ajudar a validar os rumores sobre o vídeo. "Dafu Love é algo que muitas pessoas dizem ser real na deep web. Mas, na internet mainstream, muitos afirmam que isso é fake."

De fato, outros descartam Dafu Love como uma lenda urbana – apenas uma versão mais triste do Slender Man bolada para assustar os curiosos. O relato mais antigo sobre isso parece ser uma postagem sem data na comunidade da Wikia Creepypasta, antiga o suficiente para ter comentários de maio de 2014. A Creepypasta é um repositório de entretenimento de coisas assustadoras para ler em festas do pijama, não uma fonte de notícias. Se essa é a origem de Dafu Love, então a história é bobagem.

Quando Peter Scully foi entrevistado pelo 60 Minutes, suas respostas para a razão pela qual ele tinha feito o que fez foram vagas a ponto de serem tediosas – não que ele não tenha remorso, embora pareça completamente alheio à situação. Mesmo assim, nós não podemos nos divorciar desse tipo de mal como se fosse algo alienígena às nossas vidas. A pergunta mais difícil é por que tantas pessoas – a maioria delas, provavelmente sem um fio de cabelo pedófilo no corpo – querem falar sobre Dafu Love e por que tantas outras estão dispostas (e até ansiosas) para ver vídeos de pessoas sendo desmembradas e mortas.

No ano passado, quando as execuções do Estado Islâmico viraram notícia, um artigo acadêmico chamado "Captivated and Grossed Out: An Examination of Processing Core and Sociomoral Disgusts in Entertainment Media" ("Cativado e Enojado: Um Exame do Processamento Central e Repugnância Sociomoral na Mídia de Entretenimento") foi publicado. Perguntei a um dos autores, Bridget Rubenking, por que as descrições de Dafu Love são tão interessantes para algumas pessoas.

Tendo estudado as reações de 130 pessoas, ela tem certeza de que isso é sobre evasão de tabus. A hipótese dela é que nosso cérebro de macaco é programado para aprender assistindo a coisas que não queremos que aconteçam conosco e que isso é parte do "nosso sistema de rejeição oral". Instintivamente, queremos seguir tabus, porém também queremos que eles sejam quebrados. Um desejo de ver uma coisa violenta acontecer a outras pessoas, segundo ela, "pode se manifestar em si com o tempo para nos dizer que práticas e que pessoas evitar, e vemos esse tipo de coisa porque não queremos fazer coisas erradas".

Segundo Kardasz, "um dos desafios de crimes contra crianças é o fato de que isso é emocionalmente, logicamente e psicologicamente abominável; portanto, preferimos negar sua existência", ele ratifica.

Todavia, como os 239 mil espectadores do vídeo de Takedownman podem atestar, esses crimes fascinam alguns de nós - e nem todo mundo quer "negar a existência" deles. E a diferença entre as pessoas que fecham os olhos quando confrontadas com o horror e aquelas que olham pode nunca ser entendida.

"Há conteúdo de todos os tipos porque há pessoas de todo tipo. Não sei quais são as questões subjacentes para as pessoas que são mais atraídas para esse conteúdo que outras", ponderou Rubenking. "O código moral das pessoas pode ou não estar envolvido no conteúdo que elas conseguem digerir."

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Tradução: Marina Schnoor