A Paranoia, o Desespero e a Prisão de Ventre São Temas do Último Curta do Gurcius Gewdner

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A Paranoia, o Desespero e a Prisão de Ventre São Temas do Último Curta do Gurcius Gewdner

'Bom Dia Carlos' nas coloca de frente com a terrível possibilidade de vomitarmos nossa própria merda.

Todas as fotos são cortesia do Gurcius.

Gurcius Gewdner é um maluco. E nem precisa ir muito longe para sacar isso. O diretor está na ativa desde os 13 anos de idade criando uma pá de filmes – e, quando não está nessa, toca na sua banda de hardcore nonsense Os Legais. Emulando o vernáculo dos críticos de cinema bundões, as suas obras mais aclamadas – Nosferatum (2003), Mamilos em Chamas (2008) e Como Irritar Dândis do Hardcore (2012)– são filmes que, ao lado da obra do rei do horror barato brasileiro (outro maluco), Petter Baiestorf, compõem o chamado 'cinema maravilhoso', em que ninguém sabe muito o que vai acontecer, mas alguma coisa sai.

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O último curta do diretor, Bom Dia, Carlos, saiu do forno neste ano e já foi selecionado para participar do Housecore Fest que rola no Texas. Agora, Gurcius está na correria para arrecadar uma grana a fim de participar do festival e terminar seu longa Pazúcus: A Ilha do Desarrego.

Bom Dia, Carlos é parte da película As Percepções do Medo, realizada com mais dois diretores que foram incumbidos de retratar um medo do homem contemporâneo e também de representar uma cidade. Gewdner escolheu a cidade de Florianópolis e, junto com o ator Marcel Mars, filmou a história do pobre Carlos, um homem atormentado por uma paranoia derivada da estranha habilidade de escutar o que seus cocôs estão falando. Para completar, seu psiquiatra (também interpretado por Marcel) é um desequilibrado com desejos insaciáveis de destruir seu paciente.

Embora o curta nos coloque de frente com a terrível possibilidade de vomitarmos nossa própria merda, o desenrolar da história é bonito, e as cenas nas quais Marcel se contorce inteiro (por estar tomado pela sua paranoia) são salpicadas com referências que vão do diretor polonês Andrzej Zulawski a um filme do Schwarzenegger dos anos 90. Uma delícia.

O curta, segundo Gewdner, é uma introdução do filmePazúcus: A Ilha do Desarrego,mais focado no psiquiatra de Carlos, se desenvolvendo em uma conspiração apocalíptica. Para finalizar a edição do longa e fazer todo o trampo de distribuição e lançamento, o diretor está pedindo uma grana pelo Vakinha. Se você está a fim de disseminar a palavra de Carlos, o homem que escuta a conversa dos seus cocôs, clique aqui para contribuir com um troco e ganhar uma música personalizada (é sério) mais uns mimos da Bulhorgia Produções.

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Como surgiu a ideia de fazer o curta?
Bom, foi um convite que veio de São Paulo para fazer um longa chamado A Percepção do Medo. Esse foi o estopim, digamos assim. São três diretores que participaram do filme, e a única indicação que recebi do produtor foi que ele precisava de um filme sobre medos do homem contemporâneo e a relação do artista com a cidade. No caso, cada diretor ficou com uma cidade, e eu representei Florianópolis.

Escrevi um roteiro falando um pouco sobre o homem contemporâneo e também juntei umas coisas que sempre tive vontade de fazer. Por exemplo, desde os 8 anos de idade tinha vontade de ver um filme em que o personagem vomitasse cocô. Fiquei esperando aparecer, e isso nunca aconteceu no cinema. Só [n]o South Park, que fez um episódio anos atrás com gente vomitando cocô.

E é legal porque é uma coisa real, né? Vomitar cocô.

Então, é possível uma pessoa vomitar sua própria merda?
Sim, é possível. Se você tiver uma prisão de ventre muito, muito tensa. Tipo a que o Carlos tem no filme. Eventualmente, chega num momento [em] que o espaço começa a encher, e a coisa volta pro outro lado. Na boca, no caso.

Quanto tempo isso demora para acontecer?
Acho que precisa ser uma prisão de ventre de um mês. Bastante tempo.

Meus colegas de trabalho estão ouvindo isso agora e estão em choque com essa informação. [risos] É verdade, acontece. Inclusive deve ter um membro em cada família que já vomitou cocô alguma vez, mas não conta.

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Voltemos a falar sobre o filme. Por que você escolheu o temor de defecar como um medo contemporâneo?
Na verdade, não é bem o medo de cagar; o que eu escolhi como medo contemporâneo foi a paranoia mesmo, como um temor contemporâneo. Isso junta o telefone tocando, do que tem de ruim que pode acontecer. Na verdade, ele é curta introdutório para meu longa. Então, você descobre os verdadeiros medos contemporâneos no longa, no qual também você verá que tem muito mais coisa acontecendo no estômago do Carlos. Lá, a gente mostra dentro do estômago dele, onde rola toda uma teoria conspiratória de apocalipse, de Florianópolis sendo engolida por um tsunami. A gente amplia melhor a questão dos medos.

Qual material que você usou para fazer o vômito?
É uma misturinha bem simples. Água, corante alimentício e polvilho doce. Quem fez os efeitos foi o Alexandre Brunoro. Aí, pra melhorar a textura, você coloca o arroz, macarrão. Tem uns verdes muito bonitos que a gente misturou com o leite, o que não recomendo porque leite apodrece muito rápido. Fica um negócio escroto.

E você escreveu o longa por causa do Bom Dia, Carlos ou já estava com a ideia na cabeça antes?
Já estava com isso na cabeça. Tem várias homenagens de filmes que vi recentemente que quis colocar no filme. Estou obcecado com o filme Cat in The Brain, do Lucio Fulci, e tentei recriar o personagem do filme. A base frontal do roteiro é uma música da banda que eu tinha nos anos 90, Os Legais. Chama "Cavidades do Pavor": era sobre um cara que ouve os cocôs dele conversando, descrevia o papo deles e as preocupações do cocô. A preocupação dos cocôs era um grande buraco negro, aquático e luminoso que era a privada. Pros cocôs que não entendiam, aquilo era o apocalipse, e esse cara da música ganha a habilidade de ouvir a conversa dos cocôs dele o dia inteiro.

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Não deixei isso claro no Bom Dia, Carlos, mas ele tem realmente um problema sério. Ele consegue escutar os cocôs dele conversando. No longa, isso fica mais claro.

No Bom Dia, Carlos, tem a presença do psiquiatra – e parece que ele tem mais problemas na cabeça do que o próprio protagonista.
O psiquiatra é totalmente inspirado no Cat in the Brain. É de um diretor italiano que fez um monte de filme [de] zumbi maravilhoso. Ele tem o filme que conta a históriade um diretor (interpretado por ele mesmo)que entra numa noia [de] que os filmes dele são muito violentos. O psiquiatra dele é totalmente surtado e tenta convencê-lo de que os crimes violentos na cidade são culpa dos filmes. Peguei essa figura do psiquiatra e passei pro curta. É uma homenagem direta; na verdade, tem a barba branca, a roupa. Só a capa amarela que peguei emprestada de um filme do Schwarzenegger dos anos 90. O filme foi um fracasso, mas nele tem um psicopata que usa uma capa amarela e anda com uma machadinha.

O psiquiatra enxerga Carlos em todos, por isso que ele mata. Também tem uma ligação mediúnica, porque eles conversam por telepatia. Não sei se deu para perceber.

Só para entender: o longa já foi lançado?
Ele já foi inteiro filmado, mas eu queria uma grana para gastar um tempo montando, e poder distribuir e lançar direitinho. Vender pro Canal Brasil, até vender pra gringo, essas coisas.

As pessoas já estão cientes de que seus filmes são pesados, ou ainda rola de você pegar alguém de surpresa?
Quem já viu meus filmes tá acostumado. O que pode acontecer é gente sendo pega desprevenida. O que eu gosto é quando algum filme meu é exibido em mostras que não são exatamente temáticas. Tô ansioso de mostrar em um festival "normal" para ver as reações da plateia. Acho que dá pra pegar umas reações bem legais.

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Na verdade, vou descobrir isso num festival internacional no Rio de Janeiro em que o Bom Dia, Carlos não foi encaixado numa sessão de terror. Talvez quem vá ver isso possa se surpreender, vou descobrir isso lá.

Você tá levantando uma grana pra fazer um curta também lá no Texas, né?
Bom, fui chamado para participar de um festival. Queria conseguir um material gráfico para divulgar o filme por lá. Normalmente, nos festivais de fora rola um encontro entre os diretores. Na última vez, não fui muito preparado e não tinha muito material para apresentar. E o curta, bom, eu já tenho um currículo de catar uma câmera e filmar em pouco tempo. Meu plano é levar o doutor até o Texas para ele continuar a busca por Carlos na cidade. E ele enxergaria Carlos nas pessoas também. Isso vai depender da minha sorte, mas, como eu sou convidado e tenho acesso aos bastidores, acredito na possibilidade de o doutor poder matar o King Diamond, o vocalista do Pantera. [risos] Eles vão estar no festival.

Ouvi dizer que você tá oferecendo umas recompensas esquisitas para quem contribuiu com seu filme.
Ah, sim, tem a escadinha lá de recompensas no Vakinha, mas, a partir de R$ 20, você já ganha uma música personalizada. É uma tradição antiga que faço desde os anos 90, quando eu cobrava por música personalizada. A gente já chegou a fazer música de meia hora xingando alguém. Quando as pessoas pararam de encomendar isso, elas já estavam custando uns R$ 40. Hoje, por R$ 20, você pode ter o doutor te chamando.

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Por R$ 40, você ganha um desenho personalizado, camiseta. O máximo é o crédito de produtor executivo no longa, um dos cocôs originais que saem da boca do ator no curta e tudo que vai acumulando nas recompensas.

Tem as sacolinhas de vômito personalizadas também. Devo estreá-las numa sessão que vai ter do filme.

Eu, que faço parte daquele grupo de pessoas irritantes, pedantes e prepotentes que se consideram "amantes da sétima arte", percebi que você colocou muitas referências bem claras a filmes maravilhosos como o Possession, do Andrzej Zulawski. Isso foi uma coisa proposital?
Foi totalmente proposital. O Marcel também ama esse filme, a gente reviu essa cena de novo dele vomitando. Tem um outro filme japonês [de] que tirei referências que também, acredito eu, recriou a cena do Possession com uma menina no metrô do Japão. Tem vários enquadramentos que a gente usou como referência: tem uma cena [em] que o Marcel tá de joelhos e todo cagado. É a referência da cena da Isabelle Adjani de joelhos expelindo coisas do corpo. Tem também ela estourando uma sacola nas paredes. Levamos uma sacola com leite. No filme, ele acha a sacola e bate com ela na parede. A performance do Marcel é muito foda. A gente chegou até a ficar preocupado com ele porque o cenário era tudo de concreto durão. Foi filmado na parte debaixo da ponte de Florianópolis.

A gente parava de filmar, olhava pra ele e perguntava se estava tudo bem. E ele só falava que sim e que estava realizando um sonho. E a gente continuava. Ele não se sentiu infeliz de estar se jogando no chão. Esse vômito que tinha leite podre estava bem ruim.

Ele chegou a golfar de verdade?
Não, mas ele ficou mal por causa do leite podre. No dia seguinte da filmagem da ponte, ele teve de ir pro hospital. Ficou malzão. Baixou a imunidade feio, teve de tomar soro. Nesse dia [em] que ele foi pro hospital, foi bacana, porque ele voltou a filmar praticamente algumas horas depois que ele tomou soro.

A filmagem durou quantos dias no total?
Ela durou mais ou menos uns 10 dias: nesse tempo, a gente filmou o longa inteiro.

Obrigada, Gurcius.

Se você quer ser um fera e colaborar com sua cena local, faça a doação para o projeto do Gurcius aqui.

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