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Não Teve Tiro, mas Rolou Porrada e Bomba no Escracho Pós-Marcha das Vadias

Acompanhei o escracho que rolou na Rua Augusta após a agressão de uma menina na 4ª Marcha das Vadias.

Pixo feito na hora do escracho. Todas as fotos são da autora

Com o tema “Quem Cala Não Consente”, a 4ª Marcha das Vadias de São Paulo rolou no sábado (24), reunindo por volta de duas mil pessoas que se concentraram no vão do MASP e partiram até a Praça Roosevelt.

Mas o bicho pegou mesmo após a chegada do pessoal na praça. Uma das participantes da manifestação catou o megafone e anunciou para os presentes que uma menina fora agredida por um homem que se escondeu em uma academia. Que a academia ocultou o agressor e isso não podia ficar barato. Por isso, chamava todos para fazer um escracho.

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Os ânimos já estavam bem exaltados por conta da expulsão de um fotógrafo da Marcha. Por mais que seja uma bosta quando vão para cobrir só bunda e peito, e não o ato em si, expulsar a imprensa da parada num ato público não é algo exatamente democrático. Não acompanhei a discussão que culminou na intimada ao cidadão, mas talvez pudesse ter sido possível algum diálogo. Se for assim, toda manifestação vai começar a escolher a cobertura midiática que quiser e vetar aquelas que não gostam – a Marcha da Família foi assim.

Convocação dada, 200 pessoas saíram da Praça Roosevelt e seguiram, ocupando uma faixa inteira da Rua Augusta até a altura do número 539, onde está localizada a academia Bio Company. A PM já estava de olho na movimentação, mas nem as quatro motos dos policiais estacionadas na frente da academia assustaram o pessoal, que berrava palavras de ordem para o funcionário da academia, que estava parado na frente da porta e ostentava um sorrisinho no rosto.

O agressor já tinha fugido antes de o escracho chegar. A merda bateu de vez no ventilador quando uma das manifestantes foi pixar “Ni Macho, Ni Facho” na parede e o funcionário saiu puto da vida para brigar. Logo em seguida, um bolo de gente se juntou e, segundo relatos (nessa hora não consegui ver direito), o funcionário agrediu diversas pessoas que estavam em volta. A PM entrou no meio do furdunço e acabou detendo um dos manifestantes que foi tentar defender uma menina. Ele foi contido por cinco ou seis policiais e levado para dentro da academia junto com mais três manifestantes. A porta de vidro foi fechada e a grade começou a descer. Ninguém podia mais entrar ou sair.

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As meninas, enfurecidas, começaram a segurar a grade e tretar com os PMs que estavam impedindo a passagem delas. Enquanto todo mundo batia boca e continuava segurando o portão da academia, um oficial da Força Tática se aproximou pelo lado debaixo da Augusta calmamente com uma bomba de efeito moral nas mãos. Ele retirou o pino de segurança e mostrou a bomba, esperando alguma reação. Como todas as atenções estavam voltadas para o portão, o policial resolveu deflagrar a bomba. Um fragmento atingiu a panturrilha direita do bailarino Luciomar, que estava apenas de passagem pela rua, e abriu-lhe um talho.

A bomba deu seu recado e logo muitas manifestantes começaram a correr rua acima. Uma mascarada com megafone advertia para que todas ficassem juntas para conter a Polícia. Aos poucos, a Tropa de Choque formou uma linha na esquina debaixo. E novamente, as meninas se reuniram e voltaram para a frente da academia.

Assim que a academia foi fechada, as meninas fizeram um cordão e mandaram um “tchau” para a Tropa de Choque, que ainda estava formada (em pequeno número) alguns metros abaixo. Após alguns bons minutos de tensão, as manifestantes que estavam dentro do pico foram para a rua e anunciaram que o funcionário da academia e o manifestante que foi detido pela polícia seriam encaminhados para a 78º DP.

Uma das meninas que estava dentro da academia saiu para rua e avisou: “Quem tem vídeos do dono agredindo alguém ou do agressor que bateu na menina na marcha, vá também até a DP para servir como testemunha”. Com isso, uma parte do escracho rumou a pé em direção à delegacia, localizada no Jardins.

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No dia seguinte, conversei com a manifestante que convocou o escracho para saber que fim deu a treta, e parece que todos saíram livres da DP. Não houve nenhum indiciamento contra o funcionário, nem contra o manifestante. A menina que foi agredida durante a marcha realizou um Boletim de Ocorrência e ficou por isso mesmo.

Segundo o relato de um aluno que estava dentro da academia, o agressor foi acolhido lá dentro porque todos temiam que ele fosse linchado na manifestação e que o local fosse destruído. Na hora do escracho, segundo o cliente, jogaram lixo no funcionário e começaram a afirmar que a academia era frequentada por nazistas, foi aí que o funcionário tentou tirar satisfação e a confusão começou de verdade.

Voltando para casa com as roupas úmidas e os pés cansados, comecei a olhar os rastros da Marcha nos vidros de bancos e nas paredes da Rua Augusta e pensei no que tinha visto desde as 13h30 da tarde. Nunca duvidei da validade e seriedade de muitas bandeiras levantadas na Marcha. Porém, vi também a mesma disputa de poder que vejo quase todos os dias na internet. O clássico do “eu sou mais feminista do que você”. Diálogo faz parte de uma democracia, e disputa de poder é natural em diferentes cenários, mas também é importante alguma dose de coesão na hora de ir para a rua.

De um lado, a organização da Marcha distribuía material informativo muito importante a respeito da questão do estupro, incluindo informações cruciais sobre como proceder no caso de ser molestada sexualmente. Do outro, alguém volta e meia puxava um grito reclamando que a marcha tinha homens, mas não parecia ter adesão das mulheres não militantes que apenas assistiam o cortejo passar.

Esse tipo de intimação nem sempre funciona e acaba afastando mais gente do diálogo – especialmente as mulheres que ainda não militam em prol do feminismo. Precisamos entender que temos diferentes histórias e que o processo de mudança respeita o tempo de cada pessoa. A 4ª Marcha das Vadias me mostrou o feminismo brasileiro também precisa comer mais feijão com arroz para ser levado muito mais a sério, como ele realmente merece, mas que muita gente está disposta a fazer isso acontecer.

Siga a Marie Declercq no Twitter: @marieisbored