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Música

Como as canções de trabalho dos escravos africanos moldaram a cultura norte-americana

O jazzista Jaimeo Brown fala sobre o infinito poder das cancões de trabalho do afro-americanos, que hoje permeia toda a música pop que conhecemos.

No processo de desenvolvimento do álbum Work Songs, tive muito tempo para refletir sobre como as canções de trabalho dos afro-americanos contribuíram para a cultura contemporânea. A jornada foi pessoalmente profunda porque dentro dessas músicas estavam segredos da minha herança, como homem e como músico. As canções de trabalho seminais não eram compostas para propósitos comerciais. Elas eram criadas para transcender e transformar. A música era usada como uma ferramenta para alcançar algo maior pelo bem da comunidade. Como afro-americano, tirei força e inspiração desses trabalhos e da incrível engenhosidade, perseverança e criatividade expressadas dentro deles. Essas músicas são a prova de que uma grande luz pode emergir dos momentos mais sombrios da vida.

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É impossível falar sobre essas músicas sem mencionar a influência africana. É evidente que os primeiros afro-americanos tinham um conhecimento profundo de como o ritmo se relaciona com o movimento. Eles adaptaram esse conhecimento ao seu novo ambiente, e as canções de trabalho foram um subproduto disso. Muitas das primeiras canções de trabalho foram compostas com o propósito específico de acompanhar ações como martelar, cortar e capinar, para tornar o trabalho deles mais suportável.

Como baterista, fica claro para mim que os ritmos que ouço nas primeiras canções afro-americanas têm ligação direta com grande parte da música contemporânea. Ritmo e dança da cultura da África Ocidental funcionaram como catalisadores para a construção da comunidade — produtores de hip hop como J Dilla, DJ Premier e Dr. Dre manipularam engenhosamente esses mesmos ritmos fundamentais, e descobriram novas maneiras de fazer as pessoas mexerem o corpo.

Chris Sholar (coautor e coprodutor de Work Songs) e eu discutimos os poderosos ganchos das primeiras canções de trabalho. Um gancho é um mantra repetitivo. Quando você repete algo muitas vezes, cria-se uma mensagem com que todo mundo consegue se conectar, assim como acontece com a maioria das músicas que ouvimos hoje. Uma criança consegue cantar uma frase com um idoso devido a essa simplicidade. Cantar junto se torna uma maneira da comunidade compartilhar e se identificar com as experiências dos outros.

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Sempre que saio de casa em Paterson, Nova Jersey, lar de Fetty Wap, a primeira coisa que geralmente escuto saindo do rádio do carro é trap. Mantras repetitivos são usados o tempo todo no trap. Música influente geralmente é composta por grupos vivendo em ambientes perigosos, porque música e mantras são usados historicamente como um jeito de atravessar o dia.

A cultura é fortemente impactada por frases e slogans que repetimos. Ativistas dos direitos civis entendem isso e maximizam o poder de uma música como catalisador para a mudança. A canção "We Shall Overcome", que teria sua origem nos trabalhadores negros das plantações de tabaco no meio do século 19, é um grande mantra repetitivo. As primeiras canções de trabalho e spirituals foram a base para o blues, que evoluiu para o jazz, o rock'n'roll, o gospel contemporâneo e agora o hip hop, além de muitos outros subgêneros. Em todos esses estilos você encontra traços dessas invenções seminais. Canções de trabalho nos lembram que a música tem o poder de guiar a cultura e a sociedade. Andrew Fletcher, um político escocês, escreveu uma vez: "Me deixe compor as músicas de uma nação, e não me importo com quem faz suas leis".

Como artista, absorver essas raízes me fez ver a música de uma perspectiva mais ampla. Quando ouço o trabalho de Jimi Hendrix, Beatles, Michael Jackson, Carlos Santana, Elvis Presley, Miles Davis, Prince, Kanye West, Kendrick Lamar, Drake ou Beyoncé, vejo ligações em tudo. Temos que continuar a nos inspirar nessa música preciosa do nosso passado e encontrar aplicações para ela no futuro. Eu gostaria de ver mais artistas contemporâneos entendendo o poder que têm como compositores, para impactar suas comunidades com os princípios das nossas canções de trabalho fundadoras.

A música e o som afetam dramaticamente como vemos a vida. No meio de dificuldades físicas e emocionais, certas músicas de trabalho se tornaram veículos que transportavam as pessoas do alto do desespero para avanços espirituais de liberdade. É minha missão pessoal fazer o meu melhor para ser um porta-voz dessas vozes tão importantes, e para destacar a criatividade e a beleza da história afro-americana. Temos que lembrar que canções de trabalho e spirituals são a base de muito da música que as pessoas ouvem hoje nos EUA e no mundo.

Work Songs de Jaimeo Brown tá lá no iTunes. E siga o cara no Twitter.

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