​Um astrolinguista explica como falar com extraterrestres
Fomos perceber o que é ciência e o que é ficção no enredo do filme "Arrival". Imagem por Riziki Nielsen/Flickr

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​Um astrolinguista explica como falar com extraterrestres

Para muitos investigadores da forma como a humanidade pode comunicar com seres de outros planetas, o filme "Arrival - O Primeiro Encontro" é mais parecido com um documentário, do que com um drama de ficção científica.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Arrival - O Primeiro Encontro, estreou a 10 de Novembro em Portugal e é por muitos considerado o filme de ficção científica do ano, algo que ninguém —nem mesmo o autor do conto que inspirou o filme— poderia ter previsto.

A obra retrata os esforços da linguista Louise Banks (interpretada por Amy Adams) e do físico teórico Ian Donnelly (interpretado por Jeremy Renner) para comunicarem com extraterrestres que aterraram no Estado de Montana, nos EUA. Para a maioria de nós, é apenas mais um filme divertido sobre aliens. No entanto, para alguns investigadores da Busca por Inteligência Extraterrestre (SETI, na sigla original), instituição voltada para estudos relacionados com comunicação com extraterrestres, o filme parece-se mais com um documentário do que com um drama.

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"Fiquei com inveja de Louise Banks, porque ela consegue encontrar-se pessoalmente com o extraterrestre", diz Douglas Vakoch, presidente do projecto de Comunicação com Inteligência Extraterrestre (METI, na sigla original), à Motherboard. "Mas, segundo as estimativas dos cientistas do SETI e do METI, isso não será possível. Na melhor das hipóteses, uma troca de mensagens com extraterrestres demoraria uma década. Isto se a estrela mais próxima for povoada".

Antes de se tornar presidente do recém-fundado METI Internacional, cujo foco é o estudo da comunicação interestelar, Vakoch foi director de Composição de Mensagens Interestelares, do Instituto SETI da Califórnia. O cientista passou boa parte da carreira a tentar descobrir como entrar em contacto com espécies alienígenas das quais nada sabemos, através de mensagens que demoram décadas para chegarem ao seu destino.

Embora a personagem de Amy Adams supere esse desafio com facilidade, a verdadeira arte de falar com alienígenas - conhecida como astrolinguística ou METI - é muito mais complexa. Envolve uma mistura de linguística, matemática, física e imaginação.

A determinado ponto de Arrival, a personagem de Jeremy Renner dá uma alfinetada na abordagem de Adams à comunicação interespécies, ao dizer que ela estuda a linguística "como um matemático". Embora o comentário seja feito em tom de brincadeira, na vida real tem um fundo de verdade. Como é dito por Valkoch, a personagem de Adams é agraciada com a vantagem de se comunicar em tempo real com os alienígenas. Para os investigadores do METI, porém, a expectativa é de que, entre mensagem e resposta, décadas - talvez séculos - passarão, o que altera a forma com que eles estruturam as suas mensagens.

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Em primeiro lugar, isto significa que qualquer mensagem enviada para o espaço deve ser abrangente e completamente auto-referencial. Ao contrário do que acontece em Arrival, a lenta comunicação impede que os humanos troquem informações com os seus destinatários. Por isso, os investigadores do METI devem enviar não só o conteúdo da mensagem, mas também instruções para que ela seja lida. Essas instruções, por sua vez, devem ser inteligíveis para os alienígenas.

"O facto de estarmos a comunicar com alienígenas através da linguagem matemática ou científica, não significa que estejamos a falar da mesma ciência ou matemática".

Isso significa que, em vez de tentarem descobrir como a estrutura linguística afecta a visão de mundo dos alienígenas (tese apresentada em Arrival e conhecida como relativismo linguístico) e escreverem uma mensagem que siga essa estrutura, os investigadores do METI seguem, precisamente, na direcção oposta. "Estamos a tentar criar uma Pedra de Roseta cósmica", sublinha Vakoch. E acrescenta: "Mas a questão é: o que é que nós e os extraterrestres temos em comum?".

Como seria de esperar, a pergunta leva a maioria dos investigadores do METI a estudarem linguagens baseadas na matemática e na física, ciências provavelmente familiares a qualquer civilização capaz de dominar a tecnologia necessária para receber as nossas mensagens.

Quando o matemático holandês Hans Freudenthal criou a LINCOS, a primeira linguagem criada com o objectivo de entrar em contacto com alienígenas, usou princípios matemáticos para abordar temas como a natureza do tempo e o significado do amor. Em 2013, Alexander Ollongren, um astrónomo e matemático holandês, criou uma segunda versão da LINCOS, desta vez transmitindo ideias semelhantes, com base na linguagem da lógica simbólica e do cálculo lambda. Ambas as linguagens são auto-referenciais e têm como base princípios supostamente universais (a matemática e a lógica). Mas isso não garante que elas serão compreendidas por um alienígena.

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"Mesmo que extraterrestres e humanos conheçam a matemática e a ciência, isso não quer dizer que elas sejam intercambiáveis", diz Vakoch. "Talvez a ciência tenha começado noutro ponto, dependendo da biologia ou das necessidades específicas desse organismo. Arrival diz uma grande verdade: a forma como construímos e falamos sobre o Mundo pode ser um reflexo de algo particular à nossa espécie".

Para ilustrar o seu argumento, Vakoch cita o surgimento da geometria não-euclidiana no século XIX. Durante dois milénios, a ideia euclidiana de um universo plano (em particular o seu quinto postulado, que afirma que duas linhas paralelas nunca podem cruzar-se) teve um reinado supremo. Mas, quando no século XIX um grupo de geómetras europeus inverteu o axioma euclidiano, afirmando que duas linhas paralelas podemcruzar-se, toda a nossa ideia de realidade foi alterada.

O ponto em questão é que ambas as geometrias são internamente consistentes e possibilitaram inúmeras descobertas científicas e matemáticas. Logo, o facto de estarmos a comunicar com alienígenas através da linguagem matemática ou científica, não significa que estejamos a falar da mesma ciência ou matemática.

Com isso em mente, Vakoch defende o estudo de várias formas de comunicação interespécies. Ele acredita que a ideia de criar uma mensagem auto-suficiente é produto do desejo humano de travar um diálogo imediato com extraterrestres. Se abandonarmos essa ideia e aceitarmos que a comunicação interestelar irá, muito provavelmente, acontecer ao longo de séculos ou milénios, poderemos criar novas formas de estabelecer um diálogo com outras espécies.

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Durante o meio século que separa a primeira e a segunda versão da LINCOS, surgiram uma infinidade de novas tentativas de comunicação. Algumas usavam componentes visuais, como a sonda Voyager, que continha sons e imagens gravadas num disco. Da mesma forma, a primeira transmissão de rádio destinada a alienígenas, conhecida como mensagem de Arecibo, continha uma imagem que retratava humanos pixelizados e o telescópio de Arecibo. Infelizmente, esse tipo de mensagem depende da certeza de que extraterrestres possuem sistemas visuais como o nosso - tendo em conta que a visão surgiu na Terra sob dezenas de circunstâncias diferentes, essa ideia pode não ser tão absurda quanto parece.

Outras ideias populares têm como base o envio de bancos de dados, ou de programas de computador que possam ser eventualmente controlados pelos alienígenas. Esta ideia deu origem ao CosmicOS, um programa de computador que usaria um jogo de RPG para ensinar os rudimentos da vida humana aos alienígenas; e também àquela vez em que todos os dados da Craigslist foram enviados para o espaço (algo que, claro está, foi mais uma campanha publicitária do que uma experiência científica). Outras estratégias deram prioridade a outros campos científicos. Entre elas está a RuBisCo Stars, que enviou uma sequência de DNA da proteína responsável pela fotossíntese vegetal.

Não sabemos se essas mensagens chegarão um dia aos nossos interlocutores, ou mesmo se eles irão compreendê-las e é por isso que Vakoch e os seus colegas do METI Internacional estão a explorar vários tipos de comunicação. Eles esperam começar a transmitir essas mensagens no final de 2018. Por enquanto, porém, o mais importante é ter a mente aberta e uma imaginação fértil, o que, para Vakoch, são as grandes qualidades de Arrival.

"O que mais gostei emArrivalé que o filme capta essa abertura a uma nova forma de compreender a realidade, algo extremamente necessário para entender outra civilização", diz Vakoch. E conclui: "Esse é o objectivo do SETI e do METI: que, daqui a décadas ou séculos, possamos compreender como outras civilizações pensam e falam sobre os seus mundos".