O documentário "Girl Power" mostra que o graffiti não é só uma cena de homens

FYI.

This story is over 5 years old.

cinema

O documentário "Girl Power" mostra que o graffiti não é só uma cena de homens

A graffiter checa Sany demorou oito anos a concretizar um filme sobre a ascensão das mulheres num universo tido como maioritariamente masculino.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma BROADLY.

Geralmente considera-se que o graffiti é um clube exclusivamente masculino, sobretudo devido à sua génese ilegal. A graffiter checa Sany sentiu na pele as dificuldades de tentar construir um nome neste Mundo. Foram anos de luta até finalmente conseguir conquistar o respeito dos graffiters homens e sentir que a levavam a sério.

De forma a lançar alguma luz sobre a realidade destas mulheres e para mostrar que também elas são capazes de fazer graffitis e de pintar e assinar carruagens de comboios, por exemplo, Sany decidiu filmar um documentário.

Publicidade

Quase oito anos, 15 países e 28 artistas depois, o filme está finalmente terminado. Chama-se Girl Power e foi sobre este projecto que falámos com ela.

Broadly: Olá Sany, actualmente estás em digressão a promover Girl Power. Como é que está a correr?

Sany: Acabámos de passar por Paris, pela Ucrânia, por Londres e Berlim, mas ainda nos faltam uns poucos países. Na República Checa, o documentário está a passar em salas de cinema e no dia da estreia tivemos mil e 200 espectadores. As pessoas do graffiti há muito que esperavam por este filme.

Tem sido bem recebido até agora?

Muito bem recebido. É claro que nem toda a gente pode sentir-se ligada ao graffiti e o nosso objectivo principal também não é mudar isso. Queremos, simplesmente, que os artistas sejam entendidos como pessoas absolutamente normais, que trabalham e estudam… e que também têm problemas, como toda a gente. Os graffiters acabam por levar uma vida dupla e isso pode ser bastante difícil. No filme pode ver-se como perco o meu emprego e tenho problemas com a polícia. As autoridades apresentaram provas contra mim e outras graffiters que aparecem no filme e que fazem graffiti de forma ilegal.

Como é que essas artistas se sentem agora que o filme está finalmente a ser mostrado?

Estão muito contentes. E além disso, tenho conhecido muitas graffiters nestas apresentações do filme, que me dizem com s lágrimas nos olhos que contamos aquela que é também a história delas, a história das mulheres no mundo do graffiti.

Publicidade

O que é que a ti te inspira pessoalmente? Porque é que fazes graffiti?

Quando de alguma forma te estabeleces na cena e viajas pelo Mundo, descobres lugares extraordinários e vives situações que jamais viverias na vida normal. Julgo que é isso que faz com que me dedique a esta actividade.

Na tua opinião, porque é que é tão difícil que as artistas femininas sejam levadas a sério?

Actualmente sou a única graffiter mulher na República Checa… E foi muito complicado chegar ao ponto em que me encontro agora. no meu país vivemos durante muito tempo sob um regime comunista que oprimia as mulheres, por isso, quando comecei a fazer graffitis, os rapazes pintavam sobre as minhas obras e escreviam coisas como "volta para a cozinha". Ninguém queria que fizesse parte do seu grupo, porque sou mulher, mas não atirei a toalha e, por fim, encontrei o meu próprio grupo, as Girl Power.

Agora levam-te a sério? Respeitam-te?

Sim. Já estou há 16 anos no activo e fiz mais do que 90 por cento dos homens checos nesta área. Fui obrigada a ser obstinada e a contribuir activamente para a cena. Julgo que os homens pensam várias vezes que não mereces ser reconhecida, porque és fisicamente mais fraca, mas também entendo que têm de respeitar o facto de que quiseste seguir este caminho e que estás a levar as coisas para a frente. Ainda há pouco tempo foi abordada por uns rapazes que me quiseram mostrar desenhos feitos pelas suas namoradas, que queriam começar a graffitar. É uma sensação muito gratificante.

Publicidade

Ao longo dos oito anos que estiveste a trabalhar no filme, tiveste momentos em que pensaste que já não aguentavas mais?

Claro que sim, sem dúvida. Algumas das artistas que acompanhamos pertenciam a uma cena muito underground e demorou muito tempo até conseguirmos contactar com elas. As pessoas conheciam-nos, mas primeiro tínhamos de provar-lhes que era uma coisa séria e que o documentário ia mesmo ser feito. Como já referi, fomos hostilizados pela polícia, perdi o meu emprego, abandonei a universidade… Foi bastante duro.

Teres realizado este filme mudou-te enquanto artista e pessoa?

Mudou-me, claro. Quando comecei tinha 22 anos e estava cheia de energia, mas não esperava que o processo fosse tão moroso. No início encontrámos logo um co-produtor que nos prometeu apoio, mas depois largou-nos e deixou-nos sem nada. No entanto, já tínhamos chegado demasiado longe para desistirmos. naquele momento aprendi que quando és graffiter não podes confiar em ninguém. Deixei tudo e todos e cai numa depressão. Não tinha relacionamento com ninguém fora da cena, porque ninguém me entendia, mas no final das contas acabou por valer a pena. Encontrei-me a mim própria. Agora tenho emprego e estou muito mais relaxada.

Que mensagem queres transmitir com Girl Power?

O documentário centra-se na tentativa de concretizares os teus próprios sonhos e não ligar ao que os outros te possam dizer sobre isso. Também queria mostrar que o graffiti é uma área feminina, ainda que muitos artistas não pensem o mesmo. Queria mostrar que podemos fazê-lo, que estamos aqui e que aqui vamos continuar. E, sim, fizemos um filme sobre mulheres, mas a coisa não tem de ser limitada a uma questão de género. Tens que acreditar em ti e estar pronta para dar muito a troco de concretizares os teus sonhos.

Publicidade