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Música

Discos: Ratking

E assim a vida passa em NYC, Mana-ha-ttan.

So It Goes

XL Recordings

Get up / Wake up / Open your eyes / Take up

”. No encerrar da primeira década do século XXI, a cena hip-hop norte-americana voltou a observar o ressurgimento dos colectivos de rappers. C

rews

 que se destacam pelo um estilo

thug

 ou

ego trip

, pregando sobre

money, drugs and bitches

 debaixo de

beats synth.

. Como exemplos mais visíveis há a A$AP Mob — A$AP Ferg, Rocky, Nast —, de Harlem, Nova Iorque; e os alternativos Odd Future — Earl Sweatshirt, Frank Ocean, Tyler, the Creator —, de Los Angeles, Califórnia. É uma fórmula que capta o ouvido das massas e que conquista pelo descomprometimento com que escrevem, optando, muitas vezes, por se distanciarem de uma esfera introspecta (embora esta surja por entre a penumbra).

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Foi por isso que recebi com grande entusiasmo

So It Goes

, o mais recente álbum da

crew

 de Nova Iorque Ratking, formada por Wiki e Hak, nas rimas, e Sporting Life, na produção, editado pela XL Recordings. Trata-se de um disco que rejeita essa abordagem mais abstracta para, por seu turno, contar um conjunto de

short stories

 sobre sonhos perdidos e mudanças na sociedade da mais vívida das cidades dos EUA.

O nome do álbum não é inocente neste traçado de contos de Manhattan.

So It Goes

 evoca a obra-prima da literatura contemporânea

Slaughterhouse-Five

, de Kurt Vonnegut, que se refere às continuadas mortes relatadas no livro, e as quais o autor enfrenta como inevitáveis. Ora, Ratking conta a morte de Nova Iorque enquanto cidade outrora liberta das paranóias como o constante medo do inimigo exterior ou o facto de se ter tornado numa sociedade preguiçosa, sucumbindo ao consumismo fácil e às irracionais exigências para a integração social.

Graduated, whats next? / Everybody's asking // What college you going to? / What you had planned?

” Assim arranca Wiki em “*”, som introdutório com um

beat

 que se prende na memória e um sample persistente que enche as rimas. A primeira frase até define bem o que virá álbum fora, mesmo que tenha um duplo significado: sublinhar os problemas de uma juventude presa numa crise de valores sociais; e concretizar a evolução de Ratking, que se desdobra numa sólida produção sonora que marca uma diferença estilística, tal como o Nas e Beastie Boys na sua época. Aliás, Ratking até são muito comparados aos Beastie devido à versatilidade musical.

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Wiki e Hak também se distinguem pelas rimas curtas, debitadas em pares, parecendo mais uma descrição rápida de eventos do que uma história com princípio, meio e fim. Daí que nem me refiro às suas letras como 16 barras, pois há aqui toda uma inversão métrica, um certo caos, à imagem do que descrevem sobre as suas vidas, sobre a Nova Iorque que se faz ouvir no disco por via de

ding-dongs

 de portas de metro e movimentações humanas.

“Canal” é, de longe, das músicas mais poderosas do álbum. Para além do abafado

beat

 e do arrastado

noise

 perfurante, a postura sempre gritada de Wiki e a aparição mais ponderada de Hak conferem sentimento biplar à música. “So Sick Stories” é de tom mais baixo, mas não menos enganchante, até mesmo pela incrível participação de King Krule no

hook

.

Em “Snow Beach” e “Remove Ya”, Ratking protestam contra os abusos dos “

dudes in uniforms of blue

”. “Eat” e “Protein” são o declarado manifesto de Ratking: continuar a rimar para viver e incentivar à luta por uma vida longe das ovelhas do sistema, apelando a proteína lírica necessária para esse combate (“

I need what I eat so i keep eating 'til I'm full / Mean what I speak so I keep speaking til I'm through

”).

So It Goes

 será a emancipação de Ratking e a demonstração do ressurgimento de um movimento rapper inspirado pelo nevoeiro e vivências de Nova Iorque. Não são Nas, não são os Beastie Boys, são Ratking. É com essa independência — a mesma que apregoam — que os trato, pois são um trio que está fora dos esquemas habituais aos colectivos de hip-hop do presente. Numa viagem-relâmpago a Londres não resisti em apoiar o ponto de vista e o álbum está agora na minha estante de melhores do ano.

Don't wear your honor like armour / That shit'll weigh you down / Don't let what life taught you taunt you / Embrace it now / Whether it's drawing, recording, whatever makes you proud

”.