Como Nomear uma Doença
Crédito: Quinn Dombrowski/ Flickr

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Como Nomear uma Doença

A falta de diretrizes para batizar uma doença já causou uma série de problemas sociais. Agora parece que a coisa mudará.

O que há num nome? O Ebola, se fosse chamado de outra forma, soaria tão aterrorizante quanto de fato é?

Por gerações, não existiu um modelo muito bem definido de como nomear novas doenças, o que causou algumas controvérsias ao longo dos anos. Na semana passada, a Organização Mundial de Saúde decidiu acabar com essa história e publicou um guia de melhores práticas para nomenclatura de novas doenças em humanos. O material encoraja pesquisadores, cientistas e médicos (ou qualquer um que ganhe a tarefa de batizar uma nova moléstia) a evitarem localizações geográficas, nomes próprios, espécies de animais e termos que "incitem medo exagerado", tais como "desconhecido" e "morte".

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Em vez disso, a OMS sugere que as novas doenças sejam nomeadas de acordo com termos descritivos, como "respiratório" ou "pulmonar".

A OMS criou as diretrizes para nos afastar de nomes que soam equivocados demais ou que estigmatizem determinada região ou grupo de pessoas. Tomemos como exemplo o surto de uma nova cepa do vírus H1N1 em 2009. O vírus ficou conhecido como gripe suína mesmo não sendo disseminado por porcos, de acordo com Kazuaki Miyagishima, diretor de Segurança Alimentar, Zoonoses e Doenças de Origem Alimentar da OMS e integrante da equipe que ajudou na criação das novas recomendações.

"Por causa do nome, muita gente ficou temerosa de comer carne de porco e o consumo caiu no mundo todo", me disse Miyagishima ao telefone. O Egito até mesmo tomou a precipitada decisão de abater toda a sua população suína de modo a evitar que a doença se espalhasse. "Foi algo completamente inútil e desnecessário", afirmou Miyagishima.

Batizar uma doença com o nome de uma pessoa, local ou ocupação gera uma série diferente de perigos. Você gostaria de dar um mergulho no rio Ebola ou compraria uma casa em Lyme, Connecticut? Será que você precisa evitar contato com veteranos de guerra se não quer contrair a doença dos legionários?

No passado, o ato de nomear doenças era mais poético, mas tão impreciso quanto nos dias de hoje. A malária, batizada por volta de 1890, vem do italiano para "ar ruim", apesar de que agora entendemos que o vírus não é transmitido pelo ar. Raiva [Rabies], uma antiga doença citada por nome no Séc. XVI vem do latim para "loucura" ou "fúria". Por mais que estágios avançados de raiva possam fazer com que as pessoas tenham comportamento anormal e delirante, o nome não explica muito sobre a causa ou como o vírus se espalha.

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O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus tem a palavra final na hora de se classificar uma nova doença, mas muitas vezes um nome coloquial se espalha tão rápido que restam poucas opções ao comitê, como no caso da gripe suína.

Miyagishima disse ainda que a OMS levou em consideração algumas outras ideias para as diretrizes, como atribuir a cada nova doença uma letra e número ou dar nomes baseados em personagens mitológicos. No final das contas, decidiram que as diretrizes presentes eram as que permitiam maior flexibilidade para a comunidade médica.

Claro, por se tratar de melhores práticas, nada garantirá que as pessoas as seguirão. Para Ian Lipkin, epidemiologista da Universidade de Columbia, os nomes de novas doenças têm que ser, antes de tudo, informativos.

"Virologistas, com raras exceções, tentam identificar o agente em si e a área em que ele foi encontrado porque isso é informativo", disse Lipkin. "Mas se você batiza uma doença de acordo com uma região, isso gera implicações para turismo e comércio. O nome tem que ser informativo e não pejorativo. São duas coisas que temos que equilibrar."

Lipkin disse concordar com as diretrizes, mas declarou que ainda haverá momentos em que a necessidade de um nome que dê mais informações superará a preocupação de que pessoas em determinada região não gostarão de ser associadas a uma nova doença. Ele citou o caso da MERS, sigla em inglês para Síndrome Respiratória do Oriente Médio, que algumas autoridades hesitaram em usar por conta da associação geográfica.

"Tratava-se de algo que em grande parte se limitava ao Oriente Médio, então o termo MERS faz sentido", afirmou Lipkin.

Ainda assim, Lipkin declarou que medida pode ajudar a contornar nomes desastrosos como o primeiro nome para AIDS: o preconceituoso "imunodeficiência relacionada à gays".

Foram-se os dias de nomes de doenças elegantes como "vapores", mas pelo menos se seguirem as novas diretrizes, não teremos que ficar preocupados com um surto súbito do vírus [SEU PRIMEIRO NOME].

Tradução: Thiago "Índio" Silva