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Tecnologia

Papai Noel, Eu Sou um Acumulador Digital

Eu dou like, dou play, baixo, curto, favorito, adiciono e sigo a ponto de ter tantos itens armazenados digitalmente que, reconheço: sou um acumulador digital. E não posso continuar assim.
​Não, não é esse tipo de lixo digital. Crédito: ​Paulo Fehlauer/VICE

​Não que eu tenha passado por lá, mas dizem as prateleiras de auto-ajuda que o primeiro passo para eliminar um problema é reconhecê-lo. Pois bem, Papai Noel, eu reconheço. Eu reconheço. Eu reconheço, como aquele Pedro, três vezes.

Eu sou um acumulador: eu guardo quase tudo o que vejo e escuto.

Um monte disso fica pairando em pequenas seções de tela diante de meus olhos horas a fio (ou wireless) do meu dia. Um outro tanto abarrota tudo quanto fora espaço vazio em pequenos reservatórios. Tudo repousa silencioso, numa opressão velada. Estão ali, como quem não quer nada, mas sedentos pela minha atenção. Eles me perseguem do trabalho pra casa pro trabalho pra casa. Às vezes até no ônibus. Basta ter 3G. E não deixo de pensar que mais cedo ou mais tarde eles me serão úteis. E esse outro também, e aquele lá e aquele ali.

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Eu sou um acumulador digital, caso não tenha ficado claro.

Tudo começou nos tempos do KazAa. Perdi a conta de quantas horas eu esperei a barrinha de status de download se preencher por completa para que eu pudesse escutar uma faixa do Rage Against the Machine ou ver aquele vídeo do Rodney Mullen. Durante muito tempo me orgulhei de saber que um ou outro desses arquivos ainda repousa no meu computador com aquela impressionante marca da primeira década do milênio na área de "Data de Modificação", a ponto de me indagar se deixaria que meus futuros netos garimpassem algo no meu acervo de MP3s.

Ledo engano. Foi coisa de dez anos para que o streaming ganhasse relevância no consumo de música online, apontando um caminho mais promissor pra indústria. Com o tempo, abandonei a setinha pra baixo pela setinha pro lado. Em vez de baixar, passei a dar o play. Milhões de artistas acessíveis ao bel prazer de uma busca que me dá resultados tão rápido quanto sou capaz de esquecê-los. A solução para que eles não sumam? Criar uma playlist, curtir, adicionar como favorito. Todos eufemismos para o maior sintoma do meu problema: o like.

Nesse meio tempo de uma década, Papai Noel, rolou a ascensão o Facebook. Essa foi a primeira empresa que enxergou como minha dependência poderia render uma grana. O esquema é simples: se eu gosto de alguma coisa, aperto um botão de jóia na página desse item e espero que seu conteúdo me seja entregue; essas chances aumentam se alguém pagar por essa encomenda — notadamente, o proprietário da página. É complicado. Hoje tenho menos posse do que tivera quando na ditadura do download, mas isso aumentou muito meu estoque.

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No Facebook eu coleciono quase 2,5 mil páginas que, em tese, definem minha personalidade. Quem disse? Uma amiga que me sorteou no amigo secreto tentou descobrir um presente fazendo um garimpo no meu perfil. Pobre dela, acabou mais confusa na saída que na entrada. O caminho continua por onde passo na rede. Faixas de algum moleque australiano que produz músicas em seu quarto ficam no SoundCloud, um blog sobre utopias de ficção científica repousa no Feedly, tuítes recebem uma estrelinha porque me fizeram rir.

Não sei o que essa minha amiga diria se visse minha barra de links favoritos — o mais evidente sintoma do meu problema. Mais de mil links separados em 15 pastas que, em alguns casos, se dividem em sub-pastas e sub-sub-pastas. Será que um dia vou assistir uma discussão entre Sartre e Camus gravada pela BBC e disponível no YouTube? Será que vou dar uma volta naquelas "nove cidades europeias que você precisa conhecer"? Será que vou dar uma olhada naqueles "50 melhores portfólios online de 2013"?

Papai Noel, pergunto tanto porque, como disse, reconheci o problema. Além dessa certeza, sei que não há limite para os arquivos digitais. Se baixados, ocupam uma baita quantidade de bytes que aumentam conforme a chegada de novos HDs. Se online, ocupam algum lugar distante na nuvem — outro eufemismo para maquiar toneladas e quilômetros de base de dados espalhadas pelo mundo. Me espanta que tudo seja asséptico e limpo. Isso me afasta do acumulador de reality show, mas não reduz minha preocupação. Tampouco a quantidade de links.

Eu poderia colocar a culpa no tempo. Recorrer à história de geração Y, dizer que vivemos um novo momento na história da humanidade, afirmar a nossa ingenuidade e perguntar quem lê tanta notícia. Faria um texto no meu blog para justificar isso, mas, veja só, é o mesmo o blog que eu criei como desculpa esfarrapada para guardar mais e mais conteúdo. No fim, acredito que estaria me esquivando do problema mais uma vez. As abas continuariam a aumentar como cabeça de hidras que, quando cortadas, brotam como hiperlinks da Wikipédia.

Papai Noel, vou me esforçar para colecionar menos links no ano que vem. Vou pensar três vezes antes de adicionar algo à barra de favoritos, antes de apertar o coraçãozinho em alguma faixa no Rdio, antes de me inscrever em uma nova newsletter, antes de abrir mais de dez abas no Chrome. E não termino esse ano com emails não lidos na caixa de entrada — o menor dos problemas. Só peço uma forcinha nessa desintoxicação e, como recorrer a isso na internet faria menos sentido que navegar no Internet Explorer, resolvi voltar às vias bíblicas das cartas pra fazer valer o desejo.

Então, Papai Noel, nesse Natal faça como manda a tradição dos Reis Magos. Traga presentes, mas não traga links.