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Entretenimento

Tem ares de esquerda

O protesto está na moda e esta é a moda do protesto.

Mesmo quando puxas esse colete por cima das calças de camuflado e enfias uma sweater na mochila (nunca se sabe se haverá uma festa depois da manif), ou até quando desenhas um A com um círculo no braço ou tatuas “comer carne é matar” na tua barriguinha de vegan, os fantasmas do passado da moda progressiva estão a torcer por ti. Todas as gerações de demagogos acreditam ter inventado o seu estilo único e ter negociado a sua relação de vestimenta com o resto do mundo, mas os activistas passados, em cujo pioneirismo nos apoiamos com orgulho, também tiveram as suas formas especiais de partilhar simbolismo entre si. Sem pronunciarem uma única palavra, fizeram parte de um movimento maior. O assunto é demasiado vasto para resolver num pequeno artigo mas enquanto os bem vestidinhos por todo o mundo se preparam para levar em frente as tumultuosas mensagens de 2011 — desde o Occupy Wall Street às ruas do Médio Oriente e acções colectivas nas praças de Leicester, Tahrir, Red e Pearl — seria um bom exercício parar para examinar as roupas escolhidas pelos ilustres antepassados activistas dos últimos cem anos. Aqui segue uma vista de olhos altamente abreviada, resolutamente não exaustiva, profundamente pessoal e breve sobre um século de grandes momentos na nossa história comum de vestimenta revolucionária.

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MULHERES QUE LUTARAM PELO DIREITO AO VOTO

Estas valentes feministas do início do século XX, correctamente conhecidas como sufragistas (

suffragette

era o termo pejorativo utilizado pela imprensa de direita da altura), podem ter feito de tudo, desde greves de fome a desobediência civil violenta, na sua luta pelo franchise mas isso não significa que não tivessem o seu próprio código de moda.

Usavam longos vestidos brancos enfeitados a faixas com slogans e esquemas de cores específicos: roxo, branco e verde em Inglaterra ou roxo, branco e dourado nos EUA. Havia até acessórios a complementar estes padrões, já para não falar do famoso broche de Holloway — um simples alfinete de prata desenhado para se parecer com um portão de uma prisão, entregue pela União Social e Política de Mulheres Britânicas às sufragistas que tivessem cumprido pena na Prisão londrina de Holloway, devido à sua dissidência pública.

GERAÇÃO BEAT

“Dê entusiasmo à sua festa em Tuxedo Park… Alugue um Beatnik, totalmente equipado: barba, óculos de sol, um velho casaco do exército, Levi’s, camisas gastas, sapatilhas ou sandálias (opcional). Fazem-se descontos se preferir sem barba, banhos, sapatos ou cortes de cabelo. Também estão disponíveis Beatniks femininas com o traje habitual: tudo preto.” Acreditem ou não, em 1959, o fotógrafo Fred McDarrah publicitou mesmo este serviço de “Rent-a-Beatnik”, um empreendimento irónico que enviaria um cidadão boémio dissoluto a qualquer festa da classe média pseudo-intelectual, pelo preço de 40 euros por noite.

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E o que vestia este emissário? Se fosse um

swinger

daqueles que estalam os dedos e cospem poesia, talvez vestisse uma gola alta e uma boina; se para animar as coisas fosse enviada uma existencialista, ela talvez levasse um

body

e uma saia travada ou umas calças capri, jóias de prata de forma livre e umas sabrinas. (Vejam a Audrey Hepburn no

Cinderela em Paris

de 1957 caso precisem de prova de como uns collants pretos e umas sabrinas conseguem ficar maravilhosos.)

DIREITOS CIVIS

Por vezes a ligação entre estilos de moda e protestos sociais é oblíqua. Noutros casos monta um palanque único. No caso do movimento dos direitos civis, o slogan “Black is Beautiful” era uma refutação directa das ideias racistas sobre estilo e moda que a sociedade branca enfiou pela goela de toda a gente, incluindo a crença de que um cabelo bom era um cabelo liso.

Como tantos outros exemplos daquilo que os esquerdistas chamam de falsa consciência, esta noção foi levada ao extremo: no auge do movimento, no final dos anos 60, uma mulher tão linda como era a activista Angela Davis (que, por falar nela, ainda anda por aí hoje — a Professora Davis esteve na Occupy Wall Street de Nova Iorque em Outubro do ano passado) ficava resplandecente com calças à boca-de-sino de cinta subida, botas de cano alto, casaco de ganga e um belíssimo e lendariamente gigante afro. (Tão ameaçador era este penteado que achavam que a Davis escondia uma arma nos seus caracóis.)

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O MOVIMENTO PACIFISTA

Como é que se resumem as preferências de moda do movimento anti-guerra dos anos 60 em poucas frases? Foi uma década de mudanças profundas, uma era que começou com cabelo à capacete, cintas, ligas, sutiã cónico, chapéu tipo

pillbox

, e umas deprimentes luvas brancas para mulher (usadas até no pico do verão) e terminou com a Bernardine Dohrn de mini-saia a pavonear-se pela convenção dos Estudantes por uma Sociedade Democrática usando, como lembra o presidente da SDS Greg Calvert, “uma sweater laranja com uma saia roxa, e enquanto o crachá de toda a gente ali dizia ‘Parem com a Guerra’, o dela dizia ‘

cunnilingus

é fixe, felácio é divertido’.”

A década assistiu à ascendência de conceitos como as franjas e o

tie-dye

, quando os estudantes de pensamento livre se mandavam para as ruas experimentando não só os novos ideais políticos mas também novas combinações improváveis de vestuário — casacos do exército sobre vestidos de cetim vitorianos dignos das sufragistas,

dashikis

acompanhados de gangas ou homens com o tipo de cabelo comprido que já não estava na moda há mais de cem anos.

DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS

Lembrando a sua participação na Stonewall Rebellion de Junho de 1969, Maria Ritter, que na altura era conhecida na sua família como Steve, disse: “O meu maior medo era de ser presa. O meu segundo maior medo era aparecer num jornal ou na televisão a usar um vestido da minha mãe!”

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As audiências podem agora deixar-se levar pelo prazer envergonhado de assistir a

RuPaul’s Drag Race

, e o filho de Cher, tendo nascido mulher, poderá ser acarinhado à vontade pelos colados em

Dancing with the Stars

, mas não vai há muito tempo que o simples acto dos homens se vestirem de mulheres ou elas vestirem roupa de homem era visto como um crime. A loucura destas leis era exemplificada pelos estatutos de Nova Iorque, que exigia que os cidadãos vestissem pelo menos três artigos apropriados ao seu “sexo real” ou fossem presos. O travestismo era desobediência civil.

LIBERAÇÃO DAS MULHERES

Pelos vistos, o mito das feministas raivosas a queimarem os sutiãs não passou disso, uma fábula. (O conceito foi aparentemente imaginado por uma jornalista feminista para comparar o nascente movimento feminista às manifestações onde se queimavam cédulas militares.)

Embora não tenham queimado a roupa íntima, a 7 de Setembro de 1968, as defensoras dos direitos das mulheres manifestaram-se no passeio à porta do desfile da Miss America em Atlantic City, onde as participantes (muitas em t-shirts e umas quantas sem sutiã) foram encorajadas a atirar materiais que simbolizavam a opressão do seu género — cintas, saltos altos, rolos de cabelo, etc. — para dentro de um “caixote do lixo da liberdade”. A intenção inicial era imolar estes artigos ofensivos mas, infelizmente, as protestantes não tinham permissão para acender uma fogueira no passeio.

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PUNKS

“God save the queen/ She ain’t no human being/ And there’s no future/ In England’s dreaming” foi cantado por Johnny Rotten dos Sex Pistols em 1977. Embora ele insistisse que tanto a banda como as suas canções eram apolíticas (e tivesse dito “nem sequer sei o nome do primeiro ministro”), a história provou-nos o contrário.

Em 1976, Vivienne Westwood e o seu parceiro, o falecido Malcolm McLaren, abriram uma loja na King’s Road em Londres, chamada Seditionaries. O nome personificava a rebelião niilista dos seus jovens clientes, como Rotten, que tinha uma t-shirt dos Pink Floyd com os membros da banda sem olhos e o slogan “I Hate”, que por acaso era umas das preferidas de McLaren.

Claro que os miúdos dissolutos da rua não tinham dinheiro para gastar na Seditionaries ou nas suas filiais, mas qualquer pessoa com vontade de expressar os seus entusiasmos negros poderia certamente pagar por um alfinete para furar uma bochecha ou um pote de gel para levantar uma crista, ou uma faca para rasgar um par de calças e mostrar a carne em ferida.

OCCUPY WALL STREET

Voltar a olhar para o acampamento em Zuccotti Park, e para as manifestações idênticas por todo o mundo, é ver ao vivo e a cores todas as tendências da moda progressiva do século passado — afros e casacos do exército, boinas Beat e protuberâncias furadas, ganga e Doc Martens. E se os longos vestidos do sufrágio ainda estão para aparecer, há certamente o ocasional longo vestido florido, assim como montes de botões e crachás com slogans — o equivalente actual aos broches de Holloway.

Isto traz-nos até 2012, e à pergunta sobre que

looks

aparecerão nas convenções políticas potencialmente incendiárias deste Verão (a moda inspirada em Chicago de 1968?). Independentemente de como os jovens activistas se decidirem mascarar nestes ajuntamentos e o que as pessoas possam pensar disso, todos estamos em dívida para com os nossos antepassados travestis, barbudos, de vestidos brancos e sem sutiã. Eles pavimentaram o caminho não só com as suas roupas mas também com as suas vidas.

Ilustrações por Johnny Ryan