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Música

A melhor compilação de techno que ouvi nos últimos três anos e tal

E não foi numa discoteca manhosa.

Em termos de génese e de percurso, o techno e o hip-hop não são assim tão distantes enquanto géneros. Aliás, existem até vários paralelos que unem os dois. Se o primeiro nasceu numa cidade de vida tão dura como é Detroit, o segundo deu os seus primeiros passos a partir dos mais inóspitos bairros de Nova Iorque. Ambos os géneros foram pensados por quem conhece bem os rigores da rua e terá sido também por isso que sempre souberam dar a volta, mesmo quando a situação estava mais agreste. A natureza do techno, tal como a do hip-hop, envolve uma boa dose de sabedoria de rua e de instintos de sobrevivência. Vivem muito daquilo a que os americanos chamam de

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.

Apesar de todas as vezes em que foi dado como morto, o hip-hop acabou por renascer e encontrar sangue novo nas mais diferentes linguagens. Hoje está num ponto mais incerto e disperso, mas ainda anda aí em

crews

como os Odd Future ou o Raider Klan. De igual modo, o techno evoluiu por via da mutação, e passou por fases ora mais frontais, ora mais complexas, períodos em que recorreu ao

glitch

e outros em que foi ao dub, sem esquecer todo o tempo em que passou a ser a sua própria fusão com a música

house

(nesse misto chamado

tech house

).

Todo o conjunto de música electrónica que nos faça pensar na proximidade entre o techno e o hip-hop merece outro nome que não

compilação

(palavra horrível, por acaso).

Kontra – Musik Mixe

s é muito mais do que um mero sampler ou uma compilação de remisturas: é um documento cheio de vigor, revelações várias e, lá está, muito techno decidido a seguir em frente às cavalitas do que tiver que ser. Editado em conjunto com a japonesa Music 4 Your Legs, num digipack elegante de tiragem limitada,

Kontra – Musik Mixes

é, ao mesmo tempo, uma excelente cartão-de-visita para o trabalho da Kontra (label sueca cada vez eminente) e um valioso apanhado das remisturas algo perdidas por 12 polegadas nem sempre muito fáceis de encontrar.

O que surpreende, em primeiro lugar, no conteúdo de

Kontra Musik Mixes

são duas malhas feitas à medida de chulos alemães, tão habituados às electrónicas de Berlim como à

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club music

constantemente exportada de Los Angeles:  “Kontrafunk”, um original de One remisturado por Scuba, e “Valvet”, dos Kondens nas mãos de Substance, são para ser dançadas com os braços a abanar pelo ar como se estivéssemos a ouvir o ouro dos primeiros Cypress Hill. A primeira tem qualquer coisa de bombástico, que recorda The Bug, enquanto que a segunda é uma espécie de

pimp-techno

de ritmo suspenso e capaz de nos fazer imaginar Missy Elliott e o Notorious B.I.G. a levitar dentro da mesma nave espacial. Substance é um produtor de estatuto quase mítico com um disco intitulado

Session Elements

(lançado na Chain Reaction), que hoje ninguém apanha a menos de dez contos. “Valvet” faz justiça a esse estatuto e é um trunfo de bolso para quem andar a passar discos por aí.

Mas

Musik Mixes

está carregadinho desses trunfos: com a excepção de “Ruddock Rave” (que é um nadinha aborrecida), tudo vale a pena para perceber que o techno dá-se bem com o hip-hop, com a mudança e com a melhor escola Basic Channel. A

Kontra

já há muito que vinha a merecer a devida atenção com a prata da casa garantida por Mokira ou Kondens , mas agora tem aqui o ponto certo para alguém começar. A nota pode ser um oito, um nove ou um dez, conforme o astral e o consumo de cada noite passada a curtir esta colectânea, que abafa muitos dos Fabrics não-sei-quantos que andam por aí. O meu amigo Bruno Silva costuma dançar muito com os ombros. Se pudesse, surpreendia os ombros dele com este disco como prenda de Natal.