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Entrevista

"Deixem meu trabalho falar por si próprio": conheça 1ª diretora de fotografia indicada ao Oscar

“Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi” tornou Rachel Morrison a primeira mulher a concorrer a estatueta de Melhor Fotografia nos 90 anos da premiação.

Matéria originalmente publicada no Broadly .

Quando Rachel Morrison descobriu que era a primeira mulher indicada ao prêmio de Melhor Fotografia na história em 90 anos do Oscar, ela estava no aeroporto com a esposa, carregando o filho de dois anos. A sua esposa recebeu uma dica de alguém da Academia de que as indicações tinham sido anunciadas — e o nome de Morrison estava na lista. Ela rapidamente planejou uma surpresa: Morrison viajaria naquele dia para trabalhar como jurada do Festival de Cinema de Sundance. Seus amigos estariam esperando no aeroporto para surpreendê-la com a notícia.

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“Eu devia ter suspeitado de alguma coisa porque nunca chegamos cedo no aeroporto, e minha esposa estava com muita pressa para chegar lá — eu não tinha ideia de que eles tinham feito o anúncio”, me diz Morrison horas depois por telefone. Chegando lá, seus amigos correram para abraçá-la, e foi uma loucura. “Bom, a loucura que você pode ter sem acordar meu filho”.

Desde 1929, 595 filmes foram indicados por Melhor Fotografia no Oscar, mas nenhum deles tinha uma diretora de fotografia mulher — até semana passada. “Acho que ainda não caiu a ficha. Num nível subconsciente, eu sabia que nenhuma mulher tinha sido indicada antes, mas pensar nisso considerando a longa história do Oscar é ridículo — já era hora”, ela me diz.

Todos sabemos que a indústria do cinema é dominada por homens, e a direção de fotografia é especialmente pouco diversa: um estudo de 2016 descobriu que apenas 5% dos diretores de fotografia dos filmes de maior bilheteria são mulheres. “Isso é algo que realmente não entendo”, diz Morrison. Quando pedi que ela elaborasse mais sobre a divisão de gênero chocante da indústria, Morrison diz que notou que homens têm mais oportunidades de trabalho em projetos de médio e grande orçamento que mulheres. “Acho que fiz onze ou doze filmes indie”, ela lembra sobre o começo de sua carreira. “A maioria deles teve sucesso em algum nível, vários receberam prêmios, e ainda assim não estou recebendo telefonemas para filmes de US$30 milhões quando parece que meus colegas homens estão.”

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“Seria legal se as pessoas parassem de falar sobre mim como uma diretora de fotografia mulher, e deixassem meu trabalho falar por si próprio” — Rachel Morrison

Diretoras de fotografia como Morrison estão se infiltrando nos níveis mais altos, mas o progresso continua lento. “Cerca de 96% dos homens dirigem os filmes de grande orçamento de Hollywood, e eles tendem a recrutar pessoas que parecem com eles”, explica Francine Raveney do European Cinema Support Fund, uma especialista na indústria. “Eles geralmente se identificam com diretores de fotografia que são homens, com quem tradicionalmente se sentem mais confortáveis para trabalhar.”

Desde que teve um filho, Morrison me disse que sua forma de trabalho mudou radicalmente. “Agora, quando aceito um projeto, isso obviamente significa passar menos tempo com a minha família. Então, primeiro, é melhor ser um bom projeto; e segundo, é melhor colocar tudo de mim nele.” Ser mãe na indústria cinematográfica — onde muitas horas e meses no set são a norma — é notoriamente difícil: outro estudo de 2016 descobriu que mulheres têm uma chance e meia a mais de relatar que cuidar de uma criança ou outra responsabilidade do gênero teve um impacto negativo em suas carreiras, comparando com os homens. “Alguns diretores de fotografia homens ficam longe da família por até seis meses”, explica Morrison. “Não acho que vou fazer isso.”

Considerando as revelações sobre Harvey Weinstein, Morrison diz que não tinha percebido a extensão da desigualdade em Hollywood. Agora ela espera ver mais mulheres tomando posições de poder e atraindo salário igual. “Coisas assim, elas estão tão abaixo da superfície que eu nunca soube que estava recebendo menos que meus colegas — e talvez não estivesse — mas agora entramos numa época onde haverá atenção para esse tipo de coisa.”

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O filme pelo qual Morrison foi indicada, o drama de época de Dee Rees Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi, tem os fortes temas de justiça social que são marca registrada de sua carreira. Acompanhando duas famílias no Sul segregado dos EUA depois da Segunda Guerra Mundial, a fotografia de Morrison fornece um equilíbrio rústico belo para o racismo retratado no filme. Os prédios são iluminados pela luz pálida da lua; florestas densas e horizontes infinitos se estendem na distância. Quando pergunto de onde ela tira inspiração, Morrison me disse que experimentou muita tragédia quando era jovem, mas agora tenta achar beleza em todos os momentos. “A humanidade é tanto frágil quanto mágica”, ela diz.

Apesar de receber mais propostas para comédias românticas, ela prefere aceitar projetos para filmes com uma mensagem social mais clara. “Quando assinei para fazer Cake: Uma Razão para Viver”, ela me conta, “se eu tivesse que seguir Jennifer Aniston com uma luz bonita, essa não seria a sensação certa para o filme — e eu não ia fingir”. Morrison busca fazer filmes que eduquem, além de entreter. “Opto pela autenticidade”, ela diz. “Drama pesado, sombrio, climático.”

Morrison trabalhando em 'Mudbound'. Foto cortesia de Rachel Morisson.

Já entrevistei Morrison antes, e como agora, ela é educada e simpática — ainda que distante. Tenho a sensação de que ser rotulada como diretora de fotografia mulher, em vez de apenas diretora de fotografia, a cansa. “Seria legal se as pessoas parassem de falar sobre mim como uma diretora de fotografia mulher, e deixassem meu trabalho falar por si próprio”, ela acrescenta.

Mas por enquanto, a atenção da impressa vai continuar sendo uma parte da vida de Morrison até a festa do Oscar em 8 de março — por pior que seja isso. “Como diretor de fotografia, ficamos mais confortáveis atrás das câmeras, fora dos holofotes”, ela diz, apesar de estar determinada a usar sua exposição para ajudar a melhorar as condições para as mulheres na indústria. “Sinto que tenho uma voz”, ela conclui. “Então é melhor usá-la.”

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