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Opinião

Os sete pecados do Vieirismo

Conseguirá o presidente com maior longevidade no Benfica, sobreviver a tantas suspeitas? O tempo da justiça civil o dirá.
A história do Benfica, nomeadamente no futebol doméstico, tem sido grandiosa sob o comando de Luís Filipe Vieira. Esta época só resta lutar pelo campeonato. Imagem pelo autor

Quem gosta de futebol, em Portugal, dificilmente não apoia um dos “três grandes”. Por isso, quando em matéria judicial estão em causa os temas melindrosos do FC Porto, Sporting CP e SL Benfica, em alguma comunicação social a cegueira e a azia são enormes. Do lado da justiça desportiva, a isenção é praticamente inexistente ao ser, no mínimo, benevolente com o trio dominador do desporto-rei.

Como faltam “Joanas” competentes e imparciais, neste âmbito, o máximo que sucedeu foi a perda de pontos pouco significativos e a suspensão do máximo responsável por dois anos, no “Apito Dourado”(Porto); nada aconteceu após a pena suspensa de um dirigente que tentou incriminar um árbitro (Sporting); e a impunidade foi total após a prisão de um antigo presidente, devido a fraudes enquanto fazia parte da instituição (Benfica). Descidas de divisão, nada, “népia”, bola.

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Nos últimos dois anos, é o clube da Luz que está sob fogo. Uns diriam pela perseguição obsessiva feita pelos rivais, outros pelos caminhos sinuosos percorridos por Luís Filipe Vieira (LFV). Mostro a seguir os seus sete pecados, desde que assumiu a presidência. Só o tempo da justiça civil dirá se são, ou não, mortais.

1. O deslumbramento do poder

O estado de graça de Vieira navega em águas turvas. Imagem pelo autor

A política e o futebol são dois mundos que funcionam em separado, mas que têm demasiadas semelhanças na forma de actuar. Em ambas, há personalidades que se julgam intocáveis. Essencialmente, por terem um guarda-chuva larguíssimo que, em alguns casos, passou pelo alegado controlo do Ministério Público e em ter gente influente em sectores como os media e a banca.

Pela importância do cargo que ocupa, há sinais de que LFV (muitas vezes através de gente que trabalha ou colabora junto dele) se deixou contagiar pelo poder inerente. Como tem sido visível na informação recolhida no “Caso dos E-mails”, em que a justiça civil investiga o Benfica por corrupção activa e passiva, houve indivíduos, bem colocados na estrutura do futebol profissional, a passar informação que ultrapassa a razoabilidade da fronteira do que é eticamente aceitável. As demissões de Miguel Lucas Pires, do Tribunal Arbitral do Desporto, e de Horácio Piriquito, do Conselho Fiscal da FPF (Federação Portuguesa de Futebol), sem esquecer a troca privilegiada de correspondência com o ex-presidente da Assembleia Geral da Liga, Carlos Deus Pereira, transparecem essa promiscuidade.

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Piriquito e Deus Pereira estão implicados por enviarem material confidencial ao comentador Pedro Guerra (visto como um dos braços armados de Vieira); Lucas Pires por ter recebido cinco bilhetes para um jogo na Luz, quando tinha sido o juiz que avaliou o “Caso dos Vouchers”. De acordo com o semanário Expresso, numa das edições de Janeiro, o Benfica tinha um plano para dominar o futebol português. Para o conseguir, houve outras figuras que aparentemente são “small fish”, mas que, olhando de perto, parecem ter uma importância imensa (ver tópico 4).

Ao constatarmos estes diversos “pormenores”, começa a fazer sentido que, na entrevista concedida à SIC Notícias, o advogado do Benfica, João Correia, admita que possa existir “uma ou outra questão” considerada tráfico de influência. Numa altura em que a violação do segredo de justiça anda na ordem do dia (os detractores da Procuradora Joana Marques Vidal, que já abriu um inquérito sobre esse problema, esquecem-se que isso acontece, pelo menos, desde o “Processo da Casa Pia”), há notícias, neste último fim-de-semana, que apontam para uma alegada carta trocada entre elementos da Polícia Judiciária (PJ), a informar que os dirigentes do Benfica teriam acesso a “peças processuais sobre os “E-mails”. A ser verdade, esta infiltração desde o início da investigação é gravíssima.

2. Diz me com quem jogas, dir-te-ei que presidente és

José Veiga. Ajudou o Porto como empresário, foi dirigente do Benfica, agora é na justiça que joga o seu prestígio. Imagem pelo autor

Quando Vieira contratou Paulo Gonçalves (actual assessor jurídico da SAD benfiquista) e deu espaço de manobra a José Veiga, houve o sentimento de que estava a aproveitar peças que estiveram junto do êxito dos “dragões”. O primeiro fez parte da estrutura portista e viveu por dentro o “Apito Dourado”, quando desempenhava funções no Boavista. Actualmente, é um dos principais visados dos afamados “e-mails”, sendo mesmo o único arguido até ao momento (fonte oficial dos encarnados diz que é por ter estatuto de advogado). Sobre esta polémica, o próprio tem-se mantido em completo silêncio.

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Veiga chegou a ser o maior empresário de futebol no nosso país. Antes de ter sido essencial no campeonato vencido pelo técnico Trappattoni, como director-geral do SLB, teve uma amizade frutífera com Pinto da Costa (curiosamente, em tempos, Filipe Vieira era visita de casa do presidente nortenho). Hoje, José Veiga é um dos acusados da “Operação Atlântico” que deu origem à nova “Operação Lex”, em que Vieira é um dos arguidos (ver tópico 5).


Vê: "Futebol e homofobia"


O líder benfiquista também fez questão de ter os adversários internos por perto. Senão vejamos estes dois exemplos. Antes de chegar a director de conteúdos da BTV, Pedro Guerra noticiou no extinto Independente informação pouco abonatória sobre ele; Fernando Tavares, que tinha concorrido numa lista da oposição e andava de costas viradas desde 2008, é hoje vice-presidente para as modalidades (e outro implicado “Lex”).

Quem mereceu semelhante guarida foi o agente desportivo, Carlos Janela. As suas inflamadas “cartilhas” a favor do Benfica (e utilizadas por alguns comentadores televisivos afectos ao clube da Luz), serviram de discórdia em longos debates nos vários canais da Cabo. Num vídeo viral e em declarações ao Diário de Notícias, um dos fantásticos “magriços”, António Simões, afirma que algumas pessoas mencionadas nesta alínea “desprestigiam” a equipa de Cosme Damião. De certo modo, o seu ponto de vista é semelhante à opinião de uma franja de sócios que não se sente confortável com as inúmeras suspeitas e formas de actuar.

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3. Aos anónimos a cobrança é apertada, aos poderosos estica-se a corda até ao limite

Enquanto Filipe Vieira reestrutura a sua dívida de 400 milhões, os lesados do BES ainda sonham em recuperar o seu dinheiro. Foto cortesia AMC

Ser presidente de qualquer um dos clubes de maior prestígio, confunde-se com a vida pessoal de quem ocupa a liderança. Quer seja pelo lado positivo, ou pelo negativo (ver também o tópico 5). Deste modo, o que leva o Estado a punir um cidadão por não pagar os impostos e, por vezes, reter o salário e ficar com a casa do mesmo, mas deixa que outro reestruture a sua dívida de 400 milhões ao Novo Banco?

Este débito, que diz respeito a uma quantia relacionada com negócios no ramo imobiliário de Vieira, mostra a diferença de tratamento entre o anónimo e alguém com mediatismo ligado ao futebol. Pelo que se sabe, surpreendentemente (ou não), LFV ainda tem a casa, o carro e a vida continua como se nada tivesse feito e acontecido. Questão necessária. Será que os lesados do BES são todos do Benfica e nada desta “estranheza” lhes interessa?

Esta diferença de tratamento não acontece por acaso. O futebol tem tido benesses infindáveis no que parece ser um mundo à parte dentro do País. Além disso, é recorrente, como disse recentemente o jornalista José Gomes Ferreira (na edição da noite, da SIC Notícias, a 31 de Janeiro), um “comportamento por inibição” de quem fiscaliza. Afinal, e não servindo de todo como desculpa, é difícil pôr em causa quem está à frente do clube de que se gosta.

Quando temos políticos a convidarem os presidentes dos emblemas de maior relevo para jantares de confraternização no Parlamento, ou deputados a comentarem em fóruns televisivos defendendo as suas equipas favoritas, a porta da promiscuidade para qualquer área que possa ter conflitos de interesse com o futebol (como a justiça e a banca) está aberta. E, porque muitos assinam de cruz que “na vida troca-se tudo, menos de clube”, é natural que o caminho da permissividade seja factual. Até quando vai existir esta iniquidade?

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4. A alegada rede de contactos com “padres” e “meninos queridos”

Pedro Guerra a ser “bloqueado”, com faixas da EMEL, por José Pina, no programa Prolongamento da TVI

Cada vez se forma mais a ideia de que os actuais dirigentes do Benfica, ao verem a fragilidade dos portistas por causa do tumultuoso “Apito Dourado”, aproveitaram para cimentar o seu poder. Se for provado a intencionalidade do “Caso dos E-mails”, do “Caso dos Vouchers”, ou da viciação de jogos - a PJ resolveu, entretanto, juntar os três processos num só -, confirma-se uma rede de contactos e tráfico de influências que fizeram emergir indivíduos que o mais humilde adepto de todo desconhecia.

Desde o último Verão, estamos à espera de ver algum jornalista conseguir entrevistas exclusivas com Adão Mendes (ex-membro da Associação dos Árbitros, em Braga, e suposta peça central na montagem do esquema para condicionar árbitros nos campeonatos do tetra), Nuno Cabral (na altura, delegado da Liga) e Ferreira Nunes (responsável pela classificação dos árbitros). os três aparentemente trocaram e-mails sensíveis com Pedro Guerra e/ou Paulo Gonçalves. As expressões “meninos queridos”, “vamos ter os padres que escolhemos” e “agora apague tudo”, resultam da correspondência electrónica que se tem vindo a conhecer.

Das outras notícias que têm embaraçado a comunidade encarnada, o eventual conhecimento do código de segurança da residência de Fernando Gomes (presidente da Liga, agora à frente da Federação) é das mais preocupantes. Obviamente, a imaginação ainda é mais fértil ao sabermos que figuras ligadas ao Benfica detinham alegadamente as moradas e os telefones dos árbitros, bem como informação sobre as amantes de alguns deles.

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Por causa deste folhetim, que arrancou com os primeiras divulgações, em Junho passado, no Porto Canal, não se percebe a reacção tardia da Comissão de Instrutores da Liga. Como foi possível aceitar a inclusão de árbitros mencionados nos “E-mails”, para dirigir partidas no principal campeonato, sem averiguar junto dos mesmos a veracidade de tais suspeitas? Mais de seis meses após o escândalo estar na rua, é que tiveram o desplante de notificar vários árbitros para um inquérito. A coragem para enfrentar os “novos e velhos fantasmas” é inexistente na Liga, na FPF e conta com o apoio débil da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto. Depois espantam-se que a suspeição continue.

5. Do poder no clube aos benefícios pessoais, são alguns minutos de distância

Operação Lex. Vieira diz ter não ter praticado “qualquer ilícito”. Imagem pelo autor

Jorge Nuno Pinto da Costa e as propaladas comissões ganhas pelo seu filho, via transferências de jogadores, e as regalias que Bruno de Carvalho tem alegadamente dado à sua esposa dentro do organograma do Sporting (isto para não falar de um suposto ganho financeiro com um passe de um atleta japonês), revelam que o futebol é igual a tantas outras actividades de Norte a Sul.

Quando no passado mês de Dezembro se discutia o “Caso Raríssimas”, ficou nítido que a mentalidade “eu posso, quero e mando”, de quem lidera, ocorre em vários sectores da função pública e das empresas privadas. Se fora da esfera pública há uma margem de liberdade para esticar o poder (se bem que muito do privado tenha a comparticipação dos contribuintes), no Estado é simplesmente vergonhoso quando assim acontece.

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No futebol, é natural confundirem-se os feitos e as asneiras pessoais dos presidentes com as instituições que representam. A associação é inevitável. A ser verdade tudo aquilo que tem vindo a lume nos últimos oito meses, Filipe Vieira não tem sido simplesmente o comandante das “águias”. Por exemplo, apesar do arquivamento de um processo que podia implicar o ministro das Finanças, Mário Centeno, ainda não há resposta a quem deu o eventual “empurrão” para que um património imobiliário de um familiar de Vieira ficasse isento de IMI (dúvida retirada no “Caso dos E-mails”). A cunha existiu ou não? Foi através de algum funcionário da Câmara de Lisboa ou do governo? Espera-se que não haja mais uma culpa a morrer solteira…

Por outro lado, temos a “Operação Lex”. Segundo as notícias que têm vindo a público, o líder encarnado é arguido por ter pedido a Rui Rangel, juiz desembargador do Tribunal da Relação, para interceder junto de um colega solicitando um perdão fiscal do foro pessoal, com a promessa de lhe dar “tachos” no Benfica. Na passada sexta-feira, 2 de Fevereiro, Vieira disse em comunicado estar de “consciência totalmente tranquila” relativamente ao andamento desta investigação. Mas, ao contrário do vice Fernando Tavares (também arguido), que reagiu no instagram pessoal, o LFV-cidadão não foi capaz de fazer a separação do LFV-presidente, tendo utilizado o site oficial do clube para expressar que não praticou “qualquer ilícito” e garantir que nada teme.

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Esta não divisão de facetas é inquietante, quando se sabe que o advogado do Benfica (João Correia) é o mesmo na sua vida privada. Ninguém é culpado, muito menos condenado, por ser considerado arguido. Todavia, este processo é mais uma acha para a fogueira curricular de Filipe Vieira, pois já era (e continua a ser) arguido no “ Caso BPN” por burla.

6. Afinal havia GOA (e não é da Índia que vamos falar)

Os adeptos dos “grandes” querem ganhar sempre. Os da Luz não são excepção. Imagem pelo autor

Há a percepção pública que o maior clube nortenho e os dois rivais de Lisboa, estão reféns das suas claques. No caso do Benfica, a situação tomou contornos surreais quando Vieira atirou com a pérola de que “nunca soube que o Benfica tinha claques”, mas sim “sócios organizados” - teoria replicada por opinion makers, nos debates televisivos, como o “grupo de adeptos organizados” (GOA). A sério!?

Já em Abril do ano passado, não deixa de ser insensata a sua resposta, no dia seguinte, ao atropelamento mortal de um adepto italiano do Sporting, junto das instalações do clube. Após o sucedido e no rescaldo do encontro frente aos “leões”, Filipe Vieira parecia mais interessado em questionar o que fazia a vítima àquela hora, naquele local, do que acalmar as hostes e, porque não, endereçar as condolências à família do defunto. Seis meses depois, o fan do Benfica - pertencente ao GOA -, é acusado de homicídio qualificado pelo Ministério Público.

Perante a falta de legalidade das claques do SLB, mais uma vez os responsáveis pelo organismo do futebol luso (a começar pelo Instituto Português do Desporto e Juventude), assobiam para o lado. Incrivelmente, não se prevê uma data próxima para a resolução desta bizarria. Estão à espera de outra desgraça fatal?

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7. Desde que se ganhe, (quase) tudo os associados perdoam. Mas, quando se prepara mal a temporada…

Rúben Dias. Se assim o entender, Fernando Santos tem mais uma opção defensiva para o Mundial. Imagem pelo autor

Contra tudo o que estava previsto, a equipa principal só tem o campeonato para disputar até final da presente época. Depois da eliminação das taças e da péssima actuação na Europa (com zero pontos na fase de grupos e a goleada em Basileia), é natural que o balanço seja, até à data, negativo. No entanto, o penta ainda é uma possibilidade, apesar do FC Porto e do Sporting estarem mais fortes do que anos anteriores.

Lá para Maio far-se-á a contagem das espingardas. Se os encarnados conseguirem somente a Supertaça, tanto a direcção e a equipa técnica serão questionadas sobre a má preparação da temporada. Há quem defenda que houve presunção na hora de formar o plantel, ao julgar que a conquista recente de títulos bastaria para o sucesso; ou porque os principais rivais estariam em baixo, com os “dragões” a enfrentarem dificuldades financeiras para contratar e os “leões” pelos habituais conflitos internos (como se viu na birra autofágica do último sábado); e, por fim, há quem mencione os “e-mails” como factor de desestabilização.

Na verdade, não se colmataram as saídas de jogadores da estirpe de Ederson, Nélson Semedo, Lindelof e Mitroglou e as novas apostas foram quase todas frustrantes. Salva-se, para já, Krovinovic e da “prata da casa”, Rúben Dias - este último devia ser um dos atletas a integrar o lote das quinas para a Rússia. A aposta na “loja dos 300”, com jovens imaturos e os ingressos de Gabigol e Douglas, ou a trapalhada com os guarda-redes, tem os seus custos desportivos.

Mesmo que a época 2017/2018 não traga o título, Vieira tem um percurso no Benfica que fala por si. Em quase quinze anos de mandato (o mais longo de um presidente benfiquista), reabilitou a instituição no campo financeiro (com o auxílio precioso do administrador da SAD, Domingo Soares de Oliveira), conseguiu pôr no mapa internacional a academia do Seixal, fez vendas estrondosas de jogadores como nenhum dos seus antecessores, conquistou o histórico tetra e com ele foram conseguidas mais duas finais europeias.

Porém, os seus feitos e a sua verdade desportiva podem cair em saco roto, se no “Caso dos E-mails” for provado que houve tráfico de influências ou mais. Se isso vier a acontecer um dia, deve ser o adeus ao Vieirismo e a corrida para a presidência incluirá, provavelmente, personalidades como Rui Gomes da Silva e José Eduardo Moniz. Seja como for, os “seis milhões” esperam que tal não seja necessário, pois seria sinal de que tudo não passou de várias tempestades no enorme copo da “águia”.


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