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'Rick and Morty' foi a lugares sombrios nesta temporada

Mas não do jeito que você acha.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Ficou claro logo no episódio de estreia que a terceira temporada de Rick and Morty seria a mais sombria até agora. Como com quase todas as outras coisas, Rick estava certo: essa foi a temporada mais pesada do sucesso de animação, mas não do jeito que muitos esperavam.

Aquele mesmo episódio, "The Rickshank Rickdemption", acaba com Beth e Jerry decidindo se divorciar, um contraste forte com as cenas anteriores da fuga louca de uma prisão alienígena. Na época pareceu que era só uma justaposição ousada para brincar com nossas expectativas, mas não, era verdade: Beth e Jerry iam se separar de vez. Os dois episódios seguintes foram dedicados ao rescaldo da separação: "Rickmancing the Stone" à la Mad Max: Estrada da Fúria e o exercício de gênero misto "Pickle Rick". O primeiro é um lembrete divertido e eficaz do novo status quo, enquanto o último é uma declaração de intenção.

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"Pickle Rick" começa com o Rick se transformando num picles para evitar fazer terapia com a família e termina com ele, ainda como picles, sendo psicologicamente desconstruído pela psicóloga num dos melhores diálogos numa série de TV desse lado de Mad Men. Rick, que acabou de fazer para si um corpo improvisado com membros de rato e barata para complementar sua psique de vegetal e usou esse corpo para derrubar uma organização terrorista, aparece na sessão de terapia e basicamente chama a coisa toda de inútil. A Dra. Wong, que estava discutindo alguns dos comportamentos erráticos de Summer e Morty como resultado do divórcio, responde que terapia só é inútil se você não está disposto a fazer o trabalho chato para consertar o que está errado. Rick preferiria morrer a começar pensar nisso, e no caminho para casa, ele e Beth discutem qualquer coisa menos o que acabou de acontecer, enquanto os garotos comentam que esperam voltar a ver a Dra. Wong.

"Pickle Rick" deixou claro que a série não só vai fazer Jerry e Beth se separarem, mas que esse não vai ser apenas um enredo passageiro. A separação e o efeito que isso tem na família não vai passar. Disfunção familiar sempre foi um tema da série, e agora que eventos fizeram as coisas atingirem um pico, o desenho não vai agir como se isso não fosse nada. Esses personagens estão passando por uma transição importante em suas vidas, e passamos a temporada assistindo os passos ansiosos e excruciantes enquanto essa família tenta entender quais são seus problemas e como pode começar a resolvê-los.

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Foto via Adult Swim.

Durante a temporada é possível ver uma variedade de influências, mas muita de sua abordagem pode ser comparada particularmente com Malcolm in the Middle e Simpsons, dois padrões do retrato da vida suburbana de uma família de classe média baixa. No auge, essas séries capturaram, com equilíbrio e tato notáveis, a vida caótica de um lar moderno. Os filhos bagunçam tudo enquanto tentam entender quem são, desgastando os pais cujo casamento está cada vez mais estagnado, o caos às vezes sendo tudo que os mantém juntos.

Ainda assim, apesar de quão bem essas séries recriaram esses microcosmos de caos familiar, elas sempre voltavam para os mesmos ideais de família nuclear. Não importa quanto as coisas fiquem difíceis para Homer e Marge, quanto sua relação pareça ter se tornado estéril, eles nunca vão se separar. Mesmo quando Hal e Lois admitem que amam um ao outro em níveis diferentes, eles continuaram juntos. Seus filhos sempre podiam contar com a casa da família e pais amorosos para dar apoio e conselhos. A angústia, embora palpável e sempre presente, não superava o consolo que essas famílias encontravam uns nos outros, não importa quão negativamente eles se afetam entre si.

Por mais nobre que seja essa aspiração, é uma fantasia injusta que brinca com as turbulências sem se comprometer com a realidade, em vez disso dependendo de finais felizes para ignorar a dificuldade real. Porque famílias disfuncionais muitas vezes não acham um jeito de continuar juntas. Às vezes elas fazem o oposto, com pequenos problemas se tornando grandes problemas, e grandes problemas se tornando grandes brigas e tudo desmoronando numa implosão que manda estilhaços emocionais pra todo lado. De repente, os filhos ficam agudamente conscientes de como os pais são imperfeitos — mesquinhos, banais, maus, egoístas — e continuam atolados no meio, tentando tirar um sentido de tudo isso enquanto constroem seus próprios ninhos de problemas, imaginando quais são herdados e quais são novos. Eles ficam imaginando se há esperança de construir uma família própria e ter um final diferente.

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Em vez de evitar tudo isso, Rick and Morty mergulha de cabeça. Primeiro com o divórcio em si, depois o rescaldo. Jerry colocava todo seu valor próprio no relacionamento com Beth, e a falta disso agora o deixou num ponto tão baixo que ele mal consegue manter um pequeno apartamento. Beth, por outro lado, tem uma fixação em agradar o pai e ganhar sua afeição, o que dificultou se relacionar de maneira significativa com os próprios filhos, mas também algo de que ela é intencionalmente inconsciente. Morty e Summer tem transtornos de personalidade crescentes, e o peso de terem que ser os adultos para os próprios pais não está ajudando. E Rick? Bom, Rick é parcialmente o núcleo narcisista e alcoólatra da premissa e o núcleo mesmo de muitos dos problemas da família.

Há consequências para as condições em que esses personagens são colocados, e essas consequências são levadas a sério. Rick and Morty não está interessado em nos deixar confortáveis. A série se envolve nas questões difíceis que pairam sobre suas escolhas temáticas, e imagina o que significa viver com as verdades. Jerry e Rick viajando de férias juntos, Beth aprendendo a se conectar com Summer como mãe, Beth confrontando Rick sobre ser um pai tosco, Summer e Morty apontando a total falta de coragem de Jerry – são posições estranhas em que ninguém quer estar, mas que precisam estar em qualquer progresso que seja feito. Mesmo que seja mais do que alguns participantes mereçam, e mesmo que o resultado não seja o que você quer ouvir. Pelo menos é um começo.

E se parece que as coisas estão um pouco diferentes, é porque estão, e porque precisam estar. As aventuras surreais perderiam o charme se fossem escritas em perpetuidade, mas agir como se tudo estivesse bem seria trair a inteligência da série, e a inteligência que ela espera de nós. Como qualquer situação envolvendo trauma, há alguns desvios ("The Ricklantis Mixup") e alguns mecanismos pouco saudáveis para lidar isso ("Morty's Mind-Blowers"), mas esses são efeitos colaterais inerentes de reconhecer eventos dolorosos. São um sinal, como o Dra. Wong coloca, de que alguém está fazendo o trabalho para começar a se consertar e se sustentar, porque o primeiro passo é admitir que há um problema. E fazendo isso, Rick and Morty já fez mais que a maioria das séries para resolver a si mesma.

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