O Bananada 2016 foi o melhor Bananada

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Música

O Bananada 2016 foi o melhor Bananada

Organização na medida certa e muita manifestação política antigolpe foram alguns dos ingredientes da melhor edição do festival roqueiro do Cerrado.

Em sua 18ª edição, o festival goiano Bananada vem há tempos buscando transcender a esfera musical e proporcionar uma experiência completa ao público. Não estamos falando apenas de algumas bancas com comida — apesar do Circuito Gastronômico promovido pelo evento ter sido uma das experiências mais agradáveis do rolê —, mas sim de estúdios de tattoo, cabeleireiro, lojinhas das mais variadas bugingangas, merch dos artistas, tabacaria, espaço para as crianças (pode ser cedo demais para levar o bacuri a um show do Planet), campeonato de skate e até mesmo uma rinha de bartenders valendo prêmio para o melhor drink.

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O excesso de opções no espaço, claro, tornou necessário um certo planejamento envolvendo o que assistir e o que fazer durante o festival, mas nada que comprometesse seriamente a chapação envolvida em três dias principais o festival (que ao todo se desenrolou entre os dias 9 e 15 de maio) de encontros com os brothers e muita música foda no Centro Cultural Oscar Niemeyer, o CCON, em Goiânia.

Diferente de algumas outras edições do Bananada, a estrutura do festival proporcionou um atendimento bem ok até os 45 do segundo tempo, quando a cerveja acabou faltando 30 minutos para o fim do show do Planet Hemp, que fechou a última noite do Bananada, no último domingo, 15. Bebuns bravos à parte, o número abusivo de caixas distribuídos pelo evento deixou a grande chatice de comprar fichas menos chata.

Além dos três dias principais do festival, rolou durante a semana o Bananada nas Casas, com eventos em boates e points culturais da cidade misturando algumas atrações exclusivas, como Thiago Pethit, a queridinhos locais, como Neguim Beats e Overfuzz, num rolê mais intimista e sem tanto suor compartilhado.

O evento principal, por sua vez, se deu num Oscar Niemeyer completamente liberado (a Construtora, empresa responsável pela realização do evento, já enfrentou embargos envolvendo a não liberação ou liberação parcial do espaço) e lotado de intervenções artísticas que iam desde o Blackbook, uma iniciativa envolvendo nomes locais das artes visuais que encheram o CCON com lambes, stickers e paineis, até a já tradicional intervenção do coletivo Bicicleta Sem Freio.

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OS SHOWS

Supercordas.

Desde o primeiro minuto do festival, já se notava um tom político permeando a psicodelia presente em todas as apresentações. A noite nos palcos principais começou com a banda Bike, projeto do baixista do Macaco Bong, Julito Cavalcante, e teve sequência nas guitarras do Supercordas apresentando sons do novo disco, Terceira Terra . Após o término do show, o público foi surpreendido por uma gig descontraída em frente ao palco, encabeçada por Yonatan Gat e sua banda. Os solos fortes logo chamaram a atenção da galera, que se aglomerou em volta do micro-palco em que os três tocavam para conferir o som. Depois de um viajado início de festival, Frank Jorge, um dos fundadores d’Os Cascavelletes e ex-integrante do Graforréia Xilarmônica, subiu ao palco e apresentou diversos sucessos de sua carreira, botando o público outrora estático para dançar. Mais à frente, Juçara Marçal assumiu o microfone e hipnotizou os ouvintes durante os 40 minutos de sua apresentação. A voz forte e cativante da cantora, acompanhada por Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer, manteve o público vidrado em sua performance, que se encerrou com um desejo de força perante o golpe na democracia que o país sofreu.

Após o show profético de Juçara, o pernambucano Siba, que também se posicionou contra o golpe dizendo “Teve goipe sim, teve goipada”, colocou o povo todo pra dançar na ciranda mais indie que já se viu. De longe, o show mais frenético e plural da noite, no qual o público só sossegou após um repente de despedida entoado pelo cantor, que saiu do palco deixando todos com os corações aquecidos.

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Ava Rocha e Salma Jô, do Carne Doce.

Na sequência, Carne Doce, a banda que carece de novos adjetivos para ilustrar a relação afetuosa que mantém com seu fiel público, entrou em cena — com breve e muito bem-vinda participação da Ava Rocha — e deu vasão a diversos tipos de reações inusitadas à performance. Explico: num determinado momento, enquanto um fã declarava sua satisfação em ver uma banda local como headliner de um evento de grande porte na cidade e fazendo jus a posição, um de seus amigos se debatia no chão com a performance sedutora de Sal, vocalista da banda. Simultaneamente, um fã driblava a segurança do evento para dançar e escalar a estrutura do palco. Durante a loucura, Sal, vocalista da banda, continuou cantando a derradeira da noite em sinal de reverência à atitude inusitada de seu espectador, que posteriormente foi ovacionado pela plateia e pelos integrantes da banda.

Jorge Ben.

Pra fechar a primeira noite de shows, Jorge Ben cantou seus inúmeros clássicos para uma quantidade gigantesca de espectadores. Se apertando entre os melhores locais para assistir a apresentação, estava um público bastante heterogêneo, principalmente na faixa etária: não era difícil encontrar velinhos dançando grandes sucessos como “Jorge da Capadócia” e “Mas Que Nada”.

No sábado, 14, problemas com a chuva acabaram atrasando as performances no palco Casa do Mancha, inspirada na casa de show paulistana de mesmo nome e que recebeu nomes selecionados pelo próprio dono do espaço, o Leonel Mancha. Apesar dos contratempos, as atrações selecionadas conseguiram se apresentar apropriadamente, num rolê bem intimista com o Kastelijns, músico e artista plástico local, que encerrou as apresentações da casinha no Bananada. Nos palcos principais, a banda potiguar Mahmed abriu a noite com um baixo foda e uma porrada de solinhos legais. Destaque também para o chileno Matias Cena, que agradou geral com seus vocais agudos reconfortantes e uma distorção bem de leve.

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Riviera Gaz com Steve Shelley na batera.

Depois do chileno, mais uma atração bastante aguardada, o Riviera Gaz, formado por Gustavo Riviera e Paulo Kishimoto (ambos do Forgotten Boys) em conjunto com Steve Shelley (ex-batera do Sonic Youth), em uma apresentação que, apesar de simplona no quesito técnico, conquistou o público que já nutria altas expectativas em relação ao show. Mesmo com os holofotes da noite virados para Liniker e Silva (com todo merecimento), o paraense Felipe Cordeiro conseguiu roubar a cena durante sua apresentação. Com um som recheado de regionalismos e inesperadamente psicodélico, o cantor conseguiu juntar boa parte do público do festival num transe dançante do começo ao fim de seu show.

Silva.

Logo depois, o Silva chegou com um show conceitual e sedutor, passando boa parte da apresentação nos teclados, o que conferiu uma vibe bem agradável ao rolê. Mocadinho na lateral do palco, BNegão acompanhava o show tranquilamente.

Liniker.

Após a apresentação de Silva, foi a vez de Liniker subir ao palco para arrebatar o público numa apresentação, como ele mesmo chamou, “lacradora”. O show estava tão lotado que até na área de imprensa era difícil encontrar uma vaga. Além de encantar a todos com sua voz grave ecoando pelo CCON, Liniker também guardou um tempo do show para sua rotineira Benção do Lacre e também para se posicionar contra o golpe, bradando “Não vai ter golpe, vai ter lacre!”.

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Quando o show do Liniker acabou, me peguei questionando a ordem do lineup do festival. Não fazia sentido para mim ter qualquer outra apresentação depois da dele e, aparentemente, para o público também. Omulu, seu sucessor nas apresentações, manteve parte do público no rolê com um set recheado de traps, funks e misturas agradáveis das duas vertentes, mas o resto da galera já se encaminhava para as saídas do local.

Autoramas.

No domingo, 15, último dia de festival, geral que esteve presente nos outros dias parecia agora meia abatida pelo cansaço, mas o dia prometia muita bateção de cabeça. Durante os shows ocorria a final do Goiânia Crew Attack, o campeonato de skate que rolou no evento. O duo estadunidense The Helio Sequence largou um indie bem soft pra iniciar a noite, dando um up na moral de todos os ressaqueados. Logo depois, os (sempre) frenéticos Autoramas e sua trilha sonora do Tony Hawk BR que bateu perfeitamente com o Crew Attack acontecendo paralelo ao show, denotando uma certa eficiência no revezamento de palcos.

Hellbenders.

No palco ao lado dos Autoramas, os goianos do Hellbenders se organizavam para o que seria o show mais pesado do evento até então (e que só perderia o posto para a aglomeração massiva que o Planet causou no CCON). Com a singela placa “FUCK TEMER” posicionada de frente para a plateia, o Hellbenders deu um show de presença de palco e mostrou o por que são uma das atrações goianas mais aclamadas pelo público.

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Na sequência da noite, os paulistas do Aldo, The Band conduziram o antepenúltimo show do último dia de Bananada numa vibe bem dançante e animada, que só saiu um pouco do normal quando seu vocalista, André Faria, ficou meio puto com a galera que já se aglomerava na plateia gritando pelo início da apresentação do Planet Hemp.

Rodrigo Ogi.

Após uma longa pausa nos shows para que fossem anunciadas as equipes vencedoras do Crew Attack, o vovô-papai Rodrigo Ogi entrou no palco como penúltima atração do festival, em meio a gritos solicitando mais atrações do rap no Bananada. Ogi executou com maestria os sons do seu novo álbum RÁ! e alguns hits de seu primeiro trampo, como “Eu Me Perdi na Madrugada” e “A Vaga”. Rolaram também algumas faixas do grupo M.O.T.I.M., de seu parceiro e vocal de apoio, Tiago Red.

Planet Hemp.

Finalizando a noite e o evento, após uma boa hora de atraso ao som de hits de décadas passadas, o Planet Hemp entrou em cena e fez um show para o (provavelmente) maior e mais chapado público já registrado na história do Festival Bananada. BNegão guardava um tempo entre as músicas para falar sobre o cenário político atual, o que também podia se ver no enorme telão de LED que estava atrás da banda exibindo alguns rostos de políticos e umas imagens bem loucas feitas com o nome da banda. Bolsonaro e Temer, entre outros, receberam um acalorado ‘ vai tomar no cu’ em meio a discursos de Bernardo que se posicionava contra o golpe e fazendo críticas severas ao governo de Marconi Perillo, que atualmente é governador de Goiás. Além disso, teve cover do Ratos de Porão, inúmeras rodinhas de hardcore e muitos cigarros ilícitos, além de uma enxurrada de clássicos canábicos de uma das bandas mais controversas da música brasileira. Uma excelente maneira de encerrar o festival.

FINALMENTES

Em 18 anos de existência, talvez o festival tenha nos proporcionado sua versão mais acertada. Com uma estrutura inédita e muito bem planejada, grande parte dos perrengues de se ir a um evento deste porte passou em branco. Apesar da variedade de gêneros musicais presente na programação, ficou uma leve sensação de que faltou uma ou outra banda mais bombada no evento e — como a própria plateia disse durante o show do Ogi — faltou rap no Bananada.

Para muitos que residem em Goiânia, Brasília e região o Bananada funciona como a única forma de reencontrar alguns amigos, o que torna todo o rolê mais essencial a cada ano que passa. A tônica política também foi forte: praticamente todos os artistas que se apresentaram nos três dias do festival no CCON se posicionaram contra o golpe — e alguns até discursaram para o público. Considerando a situação cívica caótica que estamos vivendo nos últimos tempos, o Festival Bananada foi um pontinho reconfortante de esperança e descontração no meio do Cerrado.

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