Por que o preço do bitcoin não para de crescer?
Crédito: Jim Makos/Flickr

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Por que o preço do bitcoin não para de crescer?

Entre divisões e especulação, a moeda digital de Satoshi Nakamoto não para de subir em volume e valor. Só que agora ela não tá mais sozinha.

O mercado de bitcoin não é para ansiosos. Nos últimos meses, o valor da moeda fez movimentos para cima e para baixo que desafiam o estômago e a sanidade de qualquer investidor inexperiente. Tivemos, de agosto para cá, dois forks e uma terceira divisão da moeda cancelada poucos dias antes dela acontecer de fato (explicaremos melhor abaixo). Em meio a tudo isso, a moeda continuou a crescer e hoje está mais bolada do que nunca.

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Do início do ano até o momento em que este texto é produzido, a valorização da criptomoeda foi cerca de 970% — US$ 973 em janeiro e por volta de US$ 9500 agora. Mais da metade da alta aconteceu na segunda metade de 2017 e a expectativa é que continue a se valorizar. Com efeito, todo mundo acha que a salvação das próprias mazelas está nas moedas criptografadas. (Spoiler: não está.) Cursos e especialistas no assunto pipocam como vírus pela internet. Todos querem saber como ganhar fatias desse dinheirinho que mal entendem. A pergunta que fica é: por que, em meio a tanta gente querendo enriquecimento fácil, o preço da bitcoin não para de crescer?

Para Thiago César, ex-pesquisador do Institute of Economic Affairs (IEA) e CEO da Bit.one, o “crescimento surreal” da moeda neste ano se explica por alguns fatores. O principal deles é o próprio interesse vertiginoso: as pessoas começaram a querer saber de verdade o que é bitcoin, bem como as instituições financeiras.

No último mês de outubro, o anúncio que a Bolsa de Valores de Chicago iria incluir o bitcoin como uma das mercadorias negociadas no mercado de futuros teve papel bastante importante. Segundo apontou César, no Brasil a situação também segue o padrão. Recentemente a XP Investimentos, principal corretora de investimentos para pessoas físicas, registrou a marca “XP Bitcoin”, sinalizando que começaria a operar a criptomoeda.

Poucos dias depois, pela primeira vez, a corretora de criptomoedas Mercado Bitcoin ultrapassou a XP em número de acessos. “Acredito que o tema começou a cair cada vez mais no radar das grandes instituições e também do público em geral. Hoje a gente pode dizer que o mercado mais do que dobrou de maio para cá, como também aumentou o número de reportagens e a atenção geral sobre o tema”, observou o especialista.

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Para o CEO do Mercado Bitcoin, Rodrigo Batista, além dos aspectos de mercado, questões legais também ajudam a entender em que pé está a situação do bitcoin e para onde as coisas se encaminham. Ele aponta que entrada do governo japonês no processo de regulamentação e adoção de uma postura “pró-inovação” em meio fez com que a criptomoeda se equiparasse em importância a outras moedas estrangeiras. “A atitude dos orientais motivou a Austrália a indicar que regulará o ativo de forma semelhante. Obviamente que houve proibições temporárias como a da China, mas o impacto delas não foi tão forte quanto das notícias positivas.”

Apesar da importância da política e dos atores econômicos envolvidos, não foi apenas isso que ajudou a delimitar a quais os patamares que moeda atingiria. Para Rocelo Lopes, CEO da CoinBR, a terceira peça que ajuda a compor este quebra cabeça foram as divisões da moeda. Como ele apontou, houve uma experiência de fork bem sucedida e várias pessoas tiveram seus bitcoins dobrados em duas redes.

Fork, fork e mais fork (cash, gold, segwit2x)

Embora a linha nos gráficos que indique a valorização do bitcoin praticamente não tenha parado, ela não dá a dimensão de uma velha questão que existe dentro da comunidade que apoia a moeda: o problema da escalabilidade. De forma bastante resumida, isso se refere à quantidade de pagamentos que a rede consegue processar em um determinado intervalo de tempo.

Quanto mais pagamentos a rede conseguir realizar, melhor. A operadora de cartões de crédito Visa têm média de duas mil transações por segundo (tps) — e sua rede pode operar até 56 mil tps. A rede do bitcoin, por sua vez, possui capacidade de operar apenas 7 tps. “Costumo responder que não é pra processar o mesmo número de transações de uma Visa ou Mastercard, o blockchain ainda não completou dez anos e essas empresas estão no mercado há mais de 50 com uma estrutura extremamente custosa, parcerias bancárias ao redor do mundo todo. Ou seja, são estágios diferentes de desenvolvimento”, observou Thiago César.

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Há alguns anos são discutidas maneiras de se resolver o problema de escalabilidade no bitcoin. Nesse meio tempo surgiram propostas para aumentar o tamanho do bloco utilizado na transação das moedas digitais, que atualmente é de um megabyte. Como a comunidade não chegou a um consenso se a alteração seria boa ou não para a moeda, isso acabou levando um grupo a apoiar a criação de nova corrente, que por sua vez, fez com que a moeda se dividisse. Assim, em agosto, nasceu o Bitcoin Cash (BCH).

Não foi a primeira vez que o fantasma de um fork na corrente do bitcoin apareceu no horizonte. Em março deste ano tivemos um hardfork do Bitcoin Unlimited, antes disso ainda tivemos as divisões do Bitcoin XT e Bitcoin Classic. Nenhum dos três projetos chegou a ter apoio de fato do mercado e, no final das contas, o bitcoin continuou firme e forte como a corrente principal.

Tabela comparativa entre o bitcoin e as moedas resultantes de seus dois forks mais recentes. Crédito: bitcoingold.org

Além do BCH, ocorreu também a criação da corrente do Bitcoin Gold (BTG) em 25 de outubro. A proposta dessa vez ia para além da velocidade de transações. Os criadores da moeda também querem tornar a mineração mais acessível para os usuários que utilizam placa de vídeo para processar a moeda. Para isso, a nova moeda usa o algoritmo Equihash — o mesmo utilizado na mineração do Ether.

Hoje a mineração do bitcoin é feita majoritariamente utilizando ASICs, sigla em inglês para circuitos integrados de aplicação específica. São, em essência, máquinas cuja única função é processar um número assustadoramente alto de transações da criptomoeda a cada segundo. Como consequência, são, claro, também assustadoramente caras.

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Para Rodrigo Batista, do Mercado Bitcoin, apesar da ideia por trás da moeda ser interessante, é um projeto que possui pontos obscuros. O principal, diz, é como a questão da remuneração dos desenvolvedores traz um pouco de desconfiança do mercado em relação a ele. Ainda antes de seu lançamento oficial, os desenvolvedores foram acusados de estar tentando aplicar um golpe com a criação da moeda.

Apesar da desconfiança em relação às divisões do bitcoin, tanto no caso do BCH quanto do BTG, quem tinha a moeda na data do fork ganhou a mesma quantidade que tinha em bitcoin nelas. Ou seja: se no dia do fork do Bitcoin Gold você tivesse 23 BTC em sua carteira, você ganhou 23 BTG. Com mais um fork em vista, dessa vez por causa da implementação do SegWit2x (segregated witness 2.0), mais uma possibilidade de lucrar se desenhou no horizonte de quem tinha bitcoins e de quem queria adquirir a moeda.

“Essa foi uma estratégia que eu mesmo adotei, comecei a liquidar muita posição minha e ficar parado em bitcoin para receber essa moeda gratuita. Assim que o fork acontecesse iria vender essa moeda e voltar pro bitcoin, ia ganhar bitcoin gratuitamente. Muita gente pensou assim”, comentou Thiago César. A surpresa veio quando, no último dia oito deste mês de novembro, o fork foi cancelado por falta de apoio da comunidade.

O ataque do Bitcoin Cash

Quando a notícia de que o fork não aconteceria, o preço começou a despencar. No próprio dia do anúncio, o valor do bitcoin tinha alcançado o pico de US$ 7800. Em quatro dias depois atingiu seu valor mais baixo — US$ 5650. “Como não houve o fork, muita gente voltou para as criptomoedas que investia antes”, observou César. Mas essa não foi a única explicação para uma queda tão abrupta.

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No mesmo dia 12 de novembro, o Bitcoin Cash, que até então vinha custando algo por volta de US$ 600, atingiu a máxima de US$ 2400. “Além disso, tivemos o Roger Ver fazendo o Pump. Com isso, muitos mineradores foram minerar o BCH pois ele ficou mais rentável”, comentou Thiago César. Roger Ver é um dos grandes milionários do bitcoin e detentores de uma das maiores carteiras. No dia 12 ele chegou a declarar que o Bitcoin Cash era o verdadeiro bitcoin.

Conforme apontou o especialista em criptomoedas Fernando Ulrich em vídeo recente comentando o caso, não apenas ocorreu uma injeção de dinheiro no BCH como também a rede do bitcoin foi inundada de transações spam. A rede ficou bastante lenta e a taxa paga aos mineradores a cada transferência aumentou ao mesmo tempo que a recompensa pela mineração do Bitcoin Cash se tornou mais atrativa aos mineradores. “Estabeleceu-se uma guerra de mineração, para deixar o BCH mais lucrativo para minerar. E isso deu uma porrada no preço”, observou César.

Para Rodrigo Batista, do Mercado Bitcoin, apesar do ganho de força do BCH (que no momento em que esta matéria é escrita está por volta de US$ 1650), isso mostra uma necessidade dos desenvolvedores do bitcoin inovar para manter a moeda relevante a longo prazo. “Existe o risco dos core developers que cuidam do bitcoin perderem o passo e o ativo perder espaço ao longo do tempo, ou seja, eles precisam voltar a inovar.”

Para Thiago César, a nova moeda não se apresenta de fato como ameaça para o bitcoin. “Acho que qualquer projeto de criptomoeda é interessante, acho que o que pode existir são propósitos diferentes”, diz. “O bitcoin continua com aquela característica fundamental de não ter alguém que possa desligar tudo enquanto o BCH, por ser mais centralizado, talvez possa resolver problemas de escalabilidade e de outras naturezas de forma mais rápida.”

“O que eu acho legal é que, mesmo com tudo isso, o bitcoin têm se mostrado extremamente resiliente”, diz César. Ele apoia que, mesmo com as divisões e situações que seriam desfavoráveis à moeda, ela segue em alta. E completa: “continuo com o meu call, o Bitcoin bate em US$ 10 mil até o final do ano.”

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