Será o fim do Beco do Valadão?
O skatista Tobias Schumi manobrando no beco. Foto: Anna Mascarenhas/VICE

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Será o fim do Beco do Valadão?

Tradicional pico ocupado pelos skatistas de São Paulo foi interditado pela Prefeitura Regional de Pinheiros e teve seus obstáculos destruídos.

O Beco do Valadão era um conceituado pico dos skatistas streeteiros em São Paulo até o último dia 18, quarta, quando logo pela manhã os praticantes testemunharam a equipe enviada pela Prefeitura Regional de Pinheiros destruindo os obstáculos. Tais mobiliários haviam sido construídos entre 2013 e 2017, pelos próprios skatistas locais. Acontece que em 2012 aquele trecho da Avenida Faria Lima, na altura do número 1216, passou por uma reforma. O que era uma curta travessa sem saída que não cruza a avenida, a Rua Matias Valadão, teve sua via de acesso fechada pela emenda das calçadas e todo o asfalto recebeu a mesma cobertura niveladora de cimento liso. A equação é simples: chão liso = ímã de skatistas.

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Abaixo, uma captura de tela mostra a Rua Matias Valadão antes da reforma:

Google Street View

Aqui, imagens do beco após a reforma, quando sediou até um campeonato:

Alan Morais/Coletivo Belo do Valadão

E, finalmente, funcionários da prefeitura destruindo os obstáculos:

Esta não foi a primeira vez que os skatistas tiveram que se mobilizar para manter a sua ocupação autônoma do espaço. Em 2014, como a VICE reportou, tentou-se tirá-los dali transformando o beco numa praça de Food Trucks. Logo, o Coletivo Beco do Valadão, representado pelo skatista Gabriel Campello, contatou cada um dos food truckers para estabelecer um uso de comum acordo do local. No ano seguinte, porém, as administrações dos prédios de ambos os lados prestaram reclamação de barulho. Um termo de cooperação, segundo Gabriel, foi assinado entre as partes, por iniciativa do coletivo de skatistas, determinando os pontos que ele compartilhou com VICE Sports por email:

"Após diversas reuniões, chegamos no acordo de que: 1) Alertaríamos os skatistas para utilizarem fora do horário comercial, com avisos nas paredes do local, mas salientamos aos condôminos que existem crianças e adolescentes que andam ali após o colégio e seria difícil controlar uma grande massa dessas; 2) Nos comprometemos a limpar o local junto com os Food Trucks; 3) Qualquer conflito com skatistas, eles poderiam entrar em contato comigo; 4) A prefeitura se comprometeu a fazer uma pista de skate no Largo da Batata para diminuir o fluxo de gente no Beco do Valadão."

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A pista do Largo da Batata continua no papel, mas, segundo nos informou o prefeito regional de Pinheiros Paulo Mathias, o projeto está para ser colocado em prática em breve. Gabriel Campello relata que no final de 2016 a prefeitura chegou a fixar um aviso no beco dizendo que os obstáculos seriam demolidos. "Após muita insistência, consegui entrar em contato com os responsáveis da prefeitura. Ficou subentendido que se fizéssemos uma manifestação impedindo a demolição, eles não poderiam fazer nada, pois já estavam encerrando os trabalhos da gestão para dar início à nova", afirma ele.

A manifestação foi realizada e, com isso, os skatistas conseguiram adiar a interdição do Beco do Valadão até este mês. Gabriel protesta que a atual gestão tenha removido os obstáculos e fechado a rua com tablados sem aviso prévio ou qualquer abertura de diálogo. Da parte do prefeito, o diálogo não aconteceu por "falta de uma representatividade". Já o porta-voz do coletivo, ao lado de outro integrante, o skatista Drum, bate na tecla de que foi à Prefeitura Regional de Pinheiros pedir para ver o alvará e tentar entender a situação. "Chegando lá", conta ele, "solicitamos aos recepcionistas que nos colocassem em contanto com o responsável pela ação de demolição feita na Rua Matias Valadão, que nos direcionaram para o setor de fiscalização. Chegando no setor de fiscalização, nos direcionaram para o setor de logradouros públicos, que por sua vez, não tinha nenhum funcionário presente. O segurança pediu para retornarmos à recepção, que ela entraria em contato via telefone."

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E acrescenta: "Uma recepcionista me passou o telefone e conversei com uma funcionária chamada Marli, se é que aquilo pode ser chamado de conversa, que alegou não saber de nada e que não poderia nos receber sem um agendamento prévio… Quase sem reação, solicitei uma folha de papel em branco para protocolar uma reclamação."

Na tarde desta quinta, dia 25, o membros do Coletivo Beco do Valadão tiveram uma reunião para tratar do assunto. A esperança é de que consigam sensibilizar a regional de Pinheiros sobre a questão. Em paralelo, os integrantes correm para criar uma associação, de modo a reclamar a representatividade legítima. "Já temos a minuta pronta pra registrar em cartório", revelou Gabriel, que, além de atuar no beco, faz parte do coletivo Ruativa, que vende camisetas para justamente construir obstáculos sem fins lucrativos pela cidade. "Daí estamos pensando em fazer novos becos pela cidade. Fizemos um ali na Ponte Laguna, e estamos querendo ampliar essas ideias."

Procurado pelo VICE Sports, o prefeito Paulo Mathias topou falar por telefone a respeito. Ele foi enfático em afirmar que a Rua Matias Valadão é inapropriada para a prática do skate e que pretende transformar o local num bicicletário. Até lá, o endereço deve permanecer interditado.

VICE Sports: Como você tem lidado com a questão do Beco do Valadão desde que assumiu o cargo na Prefeitura Regional de Pinheiros?
Paulo Mathias: No início do ano eu recebi várias reclamações de três prédios ali do entorno, que devem ter, cada um, cerca de dois mil trabalhadores, pelo menos, sobre a questão do Beco do Valadão. Era uma viela, e alguns skatistas andavam ali. Até aí tudo bem, a via é pública. Nós tentamos um diálogo prévio com esse grupo, mas infelizmente é um grupo não muito organizado politicamente, vamos dizer assim. Você não tem representatividade. Você fala uma coisa com uma pessoa, aí os outros discordam, é muito difícil conseguir fechar a questão em alguma coisa com eles. Numa segunda etapa, começaram os Food Trucks a reclamar que não estavam tendo acesso à via, porque eles fechavam a via e não davam acesso aos carrinhos de comida, prejudicando, obviamente, quem tem termo de permissão de uso do solo dado por esta prefeitura regional. Não posso dar um termo e a pessoa não poder entrar na rua. Isso não existe, né. Finalizou a questão na terceira etapa, recentemente, que aí teve realmente uma postura muito forte da nossa regional, visto o que foi feito: a construção, por parte deles, das pistas. Na realidade não são nem pistas o que eles construíram ali, né, os obstáculos. Aí virou a insustentabilidade do local. As pessoas não conseguiam mais trabalhar ali.

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Você não considera a prática do skate algo saudável ali naquela região?
Quero deixar registrado, Eduardo, que não tenho nada contra os skatistas, adoro o esporte, um esporte olímpico, tem tudo pra crescer no Brasil, mas as coisas na cidade precisam ter regras, limites, não dá pra estabelecer isso. De fato, construíram. Aí eu coloquei minha equipe lá pra demolir tudo o que eles fizeram e abrir a rua.

Quais são os planos para aquele espaço? Vai virar um lugar de convívio dos funcionários dos prédios?
Em paralelo a isso tudo eu fui montando um projeto de reocupação daquela área. Visto uma demanda grande que a gente tem ali de bikes na região de Pinheiros, a nossa intenção é fazer um bicicletário naquele local. Então não tem nada a ver com espaço recreativo pra funcionários dos prédios. A ideia é que a gente coloque mais bicicletas à disposição das pessoas. E, ainda não posso revelar qual empresa é, mas estou quase fechando isso, que vai ser a construção de uma pista de skate no Largo da Batata. Não vou deixá-los abandonados, sem nenhuma estrutura. Haverá estrutura, mas não lá. Lá você tem um IPTU altíssimo, que é o imposto da Avenida Faria Lima, e as pessoas não conseguiam trabalhar. Eu visitei o prédio. Fui lá verificar como era o barulho. É insustentável. E não é barulho de madrugada, é duas horas da tarde. As empresas não conseguiam receber os seus clientes sem barulho.

Houve problemas mais graves além do barulho?
Era barulho 24 horas por dia praticamente, música, muito consumo de drogas ilícitas, enfim, ficou muito ruim aquele lugar. E em via pública, como diz o nome, ela é pública. Não vou sair na rua e construir o que eu quiser. De maneira nenhuma, não fizeram nenhuma autorização aqui na prefeitura regional pra conseguir isso.

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Além disso, fizeram um gato pra usar a energia do prédio, da via pública, pra carregar celular e tal. Uma série de irregularidades feitas ali que eu infelizmente tive que agir. Eles reclamam que não houve diálogo, mas entenda o seguinte: houve uma tentativa de diálogo. Agora, quando não há uma representação… Quem fala por eles? Ah, é o fulano, ciclano, ou beltrano. Nenhum fala por nenhum, a prefeitura tem que tomar as atitudes cabíveis. Não podemos nos omitir nesse caso. Nada contra eles, quero que eles consigam aproveitar cada vez mais o esporte, mas ali naquele local não vai ser possível.

Por que exatamente não vai ser possível?
Ali é totalmente inadequada a construção de obstáculos. Ainda mais sem autorização da prefeitura. O que é isso? Eu chego na porta da sua casa e construo um obstáculo de skate? O que você vai fazer? Isso não existe. Não que eu tenha ficado feliz em fazer isso, porque eu sei o quanto eles gostavam daquele local, mas infelizmente eu sou uma autoridade pública e não posso me omitir das situações irregulares. Existe lei, a cidade não é assim: faz o que quiser a hora que quiser. Tem uma regra pra ser cumprida. Se não, eu vou construir qualquer coisa na Faria Lima e quem vai me impedir?

Mas a pista do Largo da Batata vai sair mesmo do papel?
O projeto da pista já está totalmente pronto. Nós já conseguimos o aporte privado e agora faltam alguns detalhes pra gente anunciar e colocar em execução.

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