Por que millennials adoram 'Rick and Morty'

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Por que millennials adoram 'Rick and Morty'

Os dilemas de Rick e Morty são hilários e absurdos, mas o desespero dos personagens é real — e isso talvez explique seu apelo.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE News .

É difícil encontrar uma unanimidade cultural atualmente como "Rick and Morty", a série estranha, sombria e ligeiramente psicodélica sobre um cientista misantropo e seu neto menor de idade, com aventuras que tendem a um estranho niilismo. Mas é esse niilismo que torna a série um alívio de assistir.

"Rick and Morty" muitas vezes é horrivelmente violento, e as dinâmicas familiares são um oposto desagradável da clássica tensão romântica: torcemos para os personagens se divorciarem pelo bem dos filhos. Tematicamente, o suicídio sempre paira do ar.

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E ainda assim a série não é apenas um sucesso cult, mas um hit financeiro impressionante. Entre homens jovens, a série tinha a maior nota entre qualquer coisa sendo transmitida na TV na primeira temporada. Enquanto o canal começa o marketing para a temporada três, que deve ser lançada nos próximos meses, a série tem até uma van de merchandise na forma do corpo do Rick viajando pelos EUA, vendendo produtos que os fãs ficam horas na fila para comprar.

Há muitas respostas, nenhuma delas particularmente satisfatória, para a pergunta do que torna a série um sucesso, mas considerando quanta coisa no mundo dá rapidamente errado, muitas piadas que antes eram boas parecem ter perdido a validade, ou retêm só valor de nostalgia. Então "Rick and Morty", com sua mistura enigmática de brutalidade e gentileza, é algo novo.

A série é obra de Dam Harmon e Justin Roiland, que frequentemente usam antigos clichês de ficção científica em diferentes formas para efeitos bizarros e hipnóticos. O domínio casual de Harmon da fórmula das sitcons era uma razão convincente para assistir à série live-action infelizmente pouco comentada Community; Roiland é tipo um protégé e sócio em "Rick and Morty", tendo desenvolvido os personagens do título, também dublados por ele, na oficina de TV digital de Harmon, o Channel 101.

Em plena potência, a série destrói o mundo sem dó, apenas para ver ele se restaurar ao estado antigo e problemático de algum jeito perturbador, pulando para uma dimensão na qual os dopplegängers dos heróis acabaram de morrer em algum acidente estranho, ou com bichos de estimação oniscientes abandonando seus planos de escravizar a humanidade por medo de se tornarem muito parecidos conosco.

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Mas para uma série com alguns monstros alienígenas de testículos, os personagens em "Rick and Morty" respondem a tragédias cósmicas irreconhecíveis de maneiras reconhecíveis e até existenciais, às vezes com uma honestidade de partir o coração. "QUAL É MEU PROPÓSITO?", pergunta um robô que Rick inventou para passar a manteiga para ele. "Você passa a manteiga", responde Rick. O robô olha para as próprias mãos e finalmente as vê pelo que elas são: passadoras de manteiga. "AH MEU DEUS", ele responde. Os dilemas de Rick e Morty são hilários e absurdos, mas o desespero dos personagens é real, e isso talvez explique seu apelo entre uma demografia que quase não tem mais TVs.

A Goldman Sachs batizou os millennials como "geração de locatários" num relatório recente, observando que eles simplesmente não compram casas, carros ou bens duráveis como geladeiras e máquinas de lavar como seus pais faziam. Desde a recessão, o salário médio para todas as indústrias fora a de saúde, que vem crescendo com os baby boomers envelhecendo, está caindo para pessoas abaixo de 34 anos. Por isso é tão impressionante ver uma série num canal a cabo básico atrair millennials: poucos deles assinam qualquer serviço do tipo.

"A ganância destruiu a proposta de valor [da TV a cabo]", escreveu o analista da indústria Rich Greenfield numa pesquisa semana passada. A demografia alvo de "Rick and Morty" pensa duas vezes antes de comprar uma TV, quanto mais uma assinatura da Time Warner.

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Essa tendência financeira na verdade é visível dentro dos episódios de "Rick and Morty". Jovens evitam propagandas, então as empresas tentam alcançá-los com marketing indireto, e marcas que não conseguem vender para os jovens simplesmente os abandonam (tente achar uma propaganda de Lexus para pessoas com menos de 40 anos). Então o marketing indireto em "Rick and Morty" é uma boa para marcas que não ligam de vender para pobres: biscoito Wheat Thins, sorveteria Cold Stone, a cadeia de restaurantes Shoney's, McDonald's. Nada de eletrodomésticos, poucos serviços financeiros ou imobiliários. Coisas para pessoas que não têm medo de morar embaixo da ponte, e que não precisam de uma injeção de desespero na sua comédia da noite.

Quando Rick diz à filha que "falando emocionalmente, querida, o Shoney's é a minha casa" não estamos apenas rindo do Rick; também estamos rindo do Shoney's. Quem se sente em casa, emocionalmente falando, num restaurante para onde você vai se o Applebee's estiver fechado por causa de um pequeno incêndio? Muitos de nós, na verdade.

Algumas semanas atrás, o Adult Swin estreou um episódio da temporada 3 no 1º de abril que era meio que uma antipegadinha. A internet adora piadas sobre itens do cardápio do McDonald's que saíram de circulação (eba, sinergia de marca), mas a base do episódio era que Rick fazia a economia interestelar entrar em colapso hackeando os servidores centrais da Federação Galática, lembrando a crise financeira, que provavelmente significa mais empregos na indústria de alimentação num nível interestelar.

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Tragédia mais tempo igual comédia, mas se você não tem tempo, anos-luz fazem o serviço.

Rick é o guru onisciente da série, mas é Morty quem define melhor a coisa toda, quando tenta explicar para a irmã que ele e Rick destruíram o universo inteiro com uma poção do amor estragada e precisam se esconder na casa dela porque o Rick e Morty "dela" acabaram de morrer. A moral da história?

"Ninguém existe de propósito, ninguém pertence a lugar nenhum, todo mundo vai morrer", ele diz a ela. "Vem assistir TV."

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Tradução: Marina Schnoor

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