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esportes de verão

Este time mexicano está lutando contra a homofobia no futebol

Criado em 2013, o Zorros Club de Futbol Gay é um ato de bravura num país onde insultos homofóbicos são tradição.
Foto cortesia do Zorros Club de Futbol Gay

Se você já assistiu a algum jogo da seleção do México, seja no estádio ou pela televisão, já deve ter ouvido o triste grito. Sempre que o goleiro adversário coloca a bola na grama para bater seu tiro de meta, as arquibancadas vibram e o grito se intensifica.

Ooooooooooooh…

O goleiro corre e chuta a bola para o outro lado do campo.

Putoooo!

Puto é um termo extremamente ofensivo. Em espanhol, a palavra, um diminutivo da palavra "prostituto", é ainda mais pejorativa do que o clássico "bicha", como muitos brasileiros resolveram adaptar a ofensa. Embora não exista nenhuma justificativa para o uso dessa palavra, ela é parte viva da cultura futebolística do México. E esse problema, todos os fãs de esporte sabem, não se limita ao país: para ser justo, termos semelhantes podem ser ouvidos em estádios de todo Ocidente.

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A ofensa — e seu uso constante — motivaram a criação do Zorros Club de Futbol Gay. Em um país onde a homofobia ainda tem um grande espaço na sociedade, um time de futebol gay não é apenas um lugar onde homossexuais podem jogar em segurança, tampouco um sistema de suporte pessoal. Frente às adversidades, torna-se algo diferente e maior: uma afirmação política, um contraponto moderno e público a um preconceito histórico.

Leia também: Por que o futebol brasileiro ainda está trancado no armário?

"Esse é um problema muito sério", diz Nicolas Pineda, um dos fundadores dos Zorros. "Estamos numa situação muito ruim. Por exemplo, a FIFA multou a Federação Mexicana de Futebol por causa dos gritos homofóbicos em eventos esportivos e, em resposta, os funcionários da Federação disseram que isso é 'algo normal' no México. É claro que isso não é verdade. Se eles não aceitarem que há um problema, nós nunca vamos conseguir acabar com esse comportamento."

Os gritos de puto vêm sendo defendidos há anos com base em argumentos injustificáveis — e por pessoas que, em teoria, deveriam ser mais conscientes. Assim como ocorre com outros termos pejorativos, muitos usam a justificativa histórica para considerá-lo inofensivo — como se uma palavra ofensiva perdesse seu peso só porque todos a usam.

Em meio a esse clima de intolerância, em 2013 nasceram os Zorros, um braço de uma antiga equipe conhecida como Tri Gay. O Tri Gay era uma espécie de seleção mexicana gay — o time nacional é conhecido como "El Tri"— que participou do Campeonato Mundial da Associação Internacional de Futebol Gay e Lésbico, ocorrido na Cidade do México.

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Hoje, os Zorros são formados por três equipes que praticam uma versão diferente e mais rápida do futebol, jogada com times de sete pessoas em campos de grama sintética espalhados pela Cidade do México. Para evitar a homofobia das torcidas dos clubes tradicionais, os times participam de um campeonato formado apenas por equipes gays da capital e das redondezas.De 26 de maio ao dia 4 de junho, os Zorros fizeram sua estreia internacional, aventurando-se ao norte da fronteira em tempos de tensões políticas para competir no World OutGames 2017, em Miami, nos EUA.

O Zorros Club de Futbol Gay foi criado em 2013. Foto cortesia da equipe

Como muitos de seus jogadores são universitários sem grana, os Zorros fizeram uma vaquinha para pagar sua ida ao campeonato. Em pouco tempo eles alcançaram sua meta de US$1.000 — quantia necessária para cobrir as despesas de um dos jogadores. No entanto, os vistos de muitos jogadores foram negados — provavelmente devido à renda insuficiente, suspeitam os jogadores, o que os tornaria mais propensos a ficar no país ilegalmente —, o que obrigou o time a ir em busca de quatro jogadores substitutos para completar sua equipe.

A origem de grande parte das doações também foi um banho de realidade. "É importante registrar que a maior parte das doações veio de fora do México", diz Pineda. "Isso machuca um pouco."

Grande parte das doações veio dos EUA. Além disso, um time da Flórida ofereceu água e equipamentos. Embora emocionantes, os dois gestos de solidariedade mostram que os Zorros tem um longo caminho a percorrer até que seu país natal vire símbolo de tolerância.

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Embora os Zorros não tenham sofrido muitos incidentes durante seus jogos no México, eles se esforçam ativamente para evitá-los. "Tivemos alguns problemas dois anos atrás quando a outra equipe — formada por héteros, claro — nos insultou", diz Pineda. "É culpa do machismo. Outros mexicanos já xingaram a gente nas redes sociais. O machismo aqui no México é um problema presente em todos os esportes, não apenas no futebol."

Agora que os Zorros estão recebendo mais atenção da mídia mexicana, as seções de comentários dos portais locais e as redes sociais do time se tornaram plano de fundo para um campeonato de ódio.

Os Zorros torcendo pela medalha da World OutGames, em Miami. Foto cortesia da equipe

Em uma pesquisa respondida por membros do time, poucos jogadores relataram ter sofrido discriminação em campo por causa de sua sexualidade, apesar de muitos deles já terem sido alvo de xingamentos homofóbicos vindos das arquibancadas. Mesmo assim, o time não acredita que entrar em um campeonato regular seria uma decisão segura. "Eu não concordo com a auto-segregação", diz Rod, um atacante de 28 anos. "Mas para muitos essa é a única opção. Se a homofobia desaparecesse isso não aconteceria".

Os Zorros questionam estereótipos profundamente arraigados na cultura mexicana. "Alguns atletas acreditam que esportes são só para héteros e veem pessoas LGBT como inferiores, incapazes de chegar ao nível de um atleta", diz Alfonso, 26, zagueiro.

"Uma vez um treinador gritou para mim que 'futebol é coisa de homem'", acrescenta Freddy, um atacante de 38 anos.

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Em meio a tanta intolerância, o time também exerce o papel de rede de apoio. "Nosso princípio é a amizade", diz Pineda. "Mais do que um time, tentamos ser uma família, um grupo com valores." Os membros do time, com idades que vão dos 17 aos 38 anos, estão em diferentes pontos de uma mesma jornada de aceitação. Qualquer um pode jogar, e todos são delegados a um dos três times com base em suas habilidades. Além disso, ter saído do armário não é um requisito obrigatório: caso entrar para um time gay seja arriscado demais para alguém que ainda não está fora do armário, os jogadores tem a opção de, a fim de proteger sua privacidade, retirar seus nomes das listas de convocações e suas fotos das redes sociais.

"Nosso objetivo não é apenas tornar a sociedade mexicana mais tolerante, mas também ajudar os jogadores gays que não conseguem se aceitar", diz Pineda, que saiu do armário quando foi estudar na Cidade do México, aos 21 anos. "Nós criamos um espaço de amizade e confiança. Aqui eles não são obrigados a dizer se são gays, e todos se sentem confortáveis. Isso dá a força que eles precisam para sair do armário."

O objetivo principal é fazer com que os jogadores se sintam seguros, confortáveis e amados. No clube, esses jogadores podem jogar futebol sem se preocupar com o que outros pensam. "Eu adoro jogar futebol, e jogar com pessoas iguais a mim me pareceu uma ideia melhor", diz Marck Palacios, um atacante de 29 anos.

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Mas além de todo esse amor há também muita competição. Os Zorros são ambiciosos: ganhar a medalha do World OutGames é apenas o começo de uma longa jornada. Depois da competição, eles planejam participar do Gay Games 2018, em Paris, e do EuroGames 2019, em Roma.

Para eles, ganhar essas competições é extremamente importante. O objetivo é alcançar o maior êxito possível no cenário internacional, porque o sucesso — mesmo em um segmento de nicho como uma variação de um esporte popular — significa conscientização. E a conscientização, por sua vez, pode ajudar a normalizar a homossexualidade em um país onde gritos e cantos homofóbicos são a norma. A normalização leva à tolerância. "Isso vai ser muito bom para a comunidade", diz Pineda.

O México está se transformando lentamente em um país mais tolerante quando o assunto é orientação sexual. Eventualmente, caberá aos homofóbicos se adaptarem a esse novo país. "Acho que essa barreira está desaparecendo e que o mundo já está mais tolerante", diz Alfonso. "O machismo vai ter que mudar para se adaptar à nossa sociedade atual".

"Isso vai ser difícil, mas acho que é uma coisa generacional", diz Palacios. "Em algum momento isso vai acabar e aí vamos coexistir e nos aceitar melhor".

Para ajudar a acelerar esse processo, os Zorros querem desconstruir estereótipos, um deles sendo o de que gays não são atléticos. "Da nossa parte, queremos mostrar que estamos no nível de qualquer outro time, e que raça ou orientação não importam, porque todos podemos competir como iguais," diz Sixto Mitre, um meia de 26 anos. "Nosso objetivo é mostrar para a comunidade gay que futebol e outros esportes são para todos."

"Isso mostra que a homossexualidade não é uma incapacidade ou uma punição divina, somos pessoas normais e podemos competir contra qualquer um", diz Ivan, 20, um atacante do time.

Os Zorros não estão aqui só para ganhar. Eles estão aqui para convencer seu país de que qualquer um pode ganhar.

"Para mim, o time é importante porque não jogamos apenas para vencer, jogamos para os jovens que querem mudar a sociedade, começando por eles mesmos", diz Neth Saucedo, um meia de 29 anos. "A visibilidade é o caminho para a conscientização."