O Japão tem uma insana cultura de bikes tunadas
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Entrevista

O Japão tem uma insana cultura de bikes tunadas

A história do adolescente que mantém viva a cena das bicicletas dekochari.

TRADUÇÃO DO JAPONÊS POR RADESA GUNTUR BUDIPRAMONO

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Japão .

Houve uma época, lá nos dourados anos sessenta, quando ser motorista de caminhão era uma carreira popular no Japão. Era o meio do "milagre econômico" pós-guerra do país, um período de quase 30 anos quando o Japão quase superou os EUA como maior economia do mundo. O país construiu um enorme sistema rodoviário nacional para manter a economia em movimento, e com essas novas estradas vieram uma nova espécie de caminhões — grandes monstros quadrados que roncavam de costa a costa no país.

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Os caminhoneiros japoneses começaram então a customizar obsessivamente seus caminhões, transformando um veículo de trabalho pesado em obras-primas cromadas e cobertas de néon. Eles apelidaram esses caminhões customizados de " dekotora" — uma abreviatura de "decoration truck" — e os motoristas começaram a formar clubes para mostrar suas criações selvagens.

No meio dos anos 70, a empresa de filmes japonesa Toei pegou a tendência e lançou o grande sucesso Torakku Yarō. Depois lançou outro. E outro. E outro. No total, a Toei fez dez Torakku Yarō, transformando o dekotora num ícone nacional e os atores Bunta Sugawara e Aikawa Tetsuya em grandes astros.

Especialmente a criançada japonesa amava Torakku Yarō e o dekotora, porque, né, que criança não curte caminhões insanos que parecem saídos do Gundam? Essa garotada começou a customizar suas bicicletas mamachari, as decorando com as mesmas peças cromadas, luzes e pinturas que seus dekotora favoritos. E assim, o dekochari (decoração + mamachari) nasceu.

Nos anos 90, ofensivas das autoridades japonesas praticamente mataram a tendência dekotora. E o dekochari estava prestes a se extinguir também.

Agora aceleramos para 2017. Nosso escritório de Tóquio encontrou um menino que, indo contra a maré, está tentando preservar a cultura dekochari. Kōta Saguchi é um garoto de 14 anos da pequena cidade costeira de Hamamatsu e dono orgulhoso de uma dekochari chamada Tenryū-maru.

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A VICE Japão se encontrou com Kōta Saguchi para falar sobre dekochari, Torakku Yarō e como seria incrível ter um dekotora um dia.

VICE: Como sua fascinação com dekochari começou?
Kōta Saguchi: Meu pai é motorista de caminhão, e ele costumava me levar para reuniões de clubes de dekotora. Foi assim que fui apresentado à cultura. Leio uma revista chamada Camion desde que tinha dois anos, e sabia o que era dekochari, mas foi só numa visita à casa de um parente que vi uma dekochari de verdade: a Tenryū-maru. Era outra coisa.

Espera, você lia Camion desde que tinha dois anos?
Bom, na época eu só olhava as figuras, mas hoje sou assinante — eles geralmente me mandam a revista dois dias antes de sair para o público.

O que vocês fazem em reuniões de dekotora?
Nos encontramos, conversamos, tiramos fotos e assim por diante. Participei recentemente de um evento organizado pelo Utamaro-kai.

Falando em Utamaro-kai, eles cooperaram com as filmagens de Torakku Yarō, não? Você gosta de Torakku Yarō?
Claro. Assisti a série toda, os dez filmes. Até memorizei a história; o segundo e o terceiro filme deixaram uma impressão forte em mim. Gosto muito dessa música chamada "Torakku Ondo" ("Marcha dos Caminhoneiros") do terceiro filme.

Você se interessa por grupos pop como o AKB?
Nem um pouco.

OK, então, entre o Momojiro de Bunta Sugahara e o Jonathan de Kinya Aikawa, quem é seu personagem favorito?
Humm… o personagem de Bunta Sugahara, acho. Gosto muito do estilo retrô do dekotora de Momojiro, o Ichibanboshi-gō.

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Que tipo de atividades a All-Japan Dekochari Youth Association organiza?
Temos 17 membros do Japão inteiro, de Aomori a Kagoshima. Às vezes nos encontramos em clubes de dekotora ou trocamos métodos e truques de construção de dekochari no nosso grupo do LINE. Para se juntar você tem que construir pelo menos uma dekochari sua.

Vocês mostram suas dekochari uns pros outros ou andam de dekochari juntos?
Não. Para ser honesto, tem mais membros que não conheço pessoalmente do que membros que conheço.

Por quê?
O membro mais próximo de mim mora em Izy [a uns 370 quilômetros], então não é fácil nos encontrarmos. Além disso, dekochari não é uma coisa com que você consegue andar facilmente por aí. É mais uma coisa decorativa, a iluminação e tudo mais. Nunca tirei minha Tenryū-maru do terreno da minha casa. Acho que nossos vizinhos nem sabem que tenho uma coisa dessas na nossa garagem.

A Tenryū-maru tem muito respeito dos fãs de dekochari do país. Quem a construiu?
Ela foi feita por um parente que era líder da segunda geração da All-Japan Dekochari Youth Association. Ele se formou no colegial este ano, saiu da associação e me deu a Tenryū-maru. Agora estou fazendo melhorias na minha própria dekochari, a Saguchi Shōten.

Você pode me falar sobre o conceito de design por trás da Tenryū-maru?
O conceito geral é chamado de design Gundam style. O para-choque dianteiro, que se baseia num limpa-neve, o foguete octogonal e as duas torres de antena são as características mais definidoras.

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Ela parece mesmo como uns Gundam. E o bagageiro traseiro? Do que ele é feito?
Compensado e madeira. O retrato decorando o bagageiro – —você sabe de quem é?

Acho que já vi o rosto dela antes… Humm… você pode me ajudar?
A atriz Suzu Hirose. É comum você achar retratos de Aki Yashiro ou Shizuka Kudo na traseira de dekotoras, mas meu parente preferiu a Suzu Hirose.

E você usa uma bateria de carro para alimentar o veículo, né?
Sim, uso uma bateria de 12V para ligar as luzes, a câmera traseira e os alto-falantes.

Seus colegas de escola curtem dekochari?
Outros garotos se interessam por dekochari, mas ninguém na minha escola compartilha meu hobby.

Você é o membro mais jovem da sua associação de dekochari?
Não. Tem um garoto do segundo ano do ensino médio de Kagoshima. Ele faz dekochari com o irmão.

Entendi. Onde você acha as partes que precisa para construir uma dekochari?
Às vezes recebo partes usadas de motoristas de dekotora que moram por aqui. Eles também me ensinam como montar as partes. Também frequento uma loja de peças de caminhão aqui perto chamada Miyaji.

E a Miyaji é famosa por aqui?
Famosa? Eu diria que algo assim. Quanto à madeira, um conhecido do meu pai me deixa pegar na firma dele de graça.

O que você quer ser quando crescer?
Eu adoraria ser motorista de caminhão um dia. Meu pai não dirige mais, mas tem planos de comprar caminhões e começar uma transportadora. Então, quando me formar no colégio, planejo tirar carta para caminhões médios e ajudar meu pai.

Então você está tentando ser um bom filho. Você pensa em remodelar caminhões com seu pai?
Meu pai não mexe com iluminação decorativa, então vou fazer isso sozinho. Ele tem seus próprios gostos, provavelmente vou remodelar caminhões no meu próprio estilo.

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