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Mulheres

Mulheres árabes nos contaram o que já fizeram para evitar um casamento arranjado

“Ele disse que odiava cheiro de cigarro, então comecei a fumar.”
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Foto viaفليكر.

Em algumas famílias árabes, é visto como um direito e dever dos pais decidir com quem a filha deve casar. E se a filha não vê um futuro com o marido escolhido por eles, pode ser difícil fugir de um casamento arranjado — um processo baseado em tradição.

Falei com quatro mulheres árabes sobre o que elas tiveram que fazer para evitar se casar com um homem escolhido pelos pais. Elas falaram sobre criar perfis fake na internet, uma certidão de casamento falsa e começar a fumar de repente.

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Mary, 25 anos, Síria

Depois que meus pais se divorciaram, me mudei para a casa da minha tia com o marido dela e seus três filhos, que eram como irmãos para mim. Quando fiz 19 anos, minha tia decidiu do nada que era hora de me casar. Ela escolheu o filho do meio, que era um ano mais velho que eu e frequentava a mesma universidade. Claro que fui contra, porque era como casar com um irmão, mas minha tia não escutava. Enquanto isso, o filho dela, Amjad, não queria casar comigo também porque já tinha namorada, mas também achava difícil contar para a mãe.

Tentei convencer meus pais a intervir, mas eles não me escutavam. Eu estava sozinha. Senti que só tinha uma opção — falar pra minha tinha que o Amjad já tinha se casado secretamente com a namorada. A namorada topou participar porque o amava e não queria que ele casasse comigo. Juntas forjamos uma certidão de casamento, que não era muito convincente, mas a mãe dele acreditou. Aí ela insistiu em conhecer a namorada, que a impressionou interpretando a ideia da nossa cultura de como uma esposa perfeita deve ser. O Amjad não fazia ideia dessa história até minha tia ir falar com ele. Felizmente, ele entrou na deixa. Saí da casa da minha tia alguns meses depois para morar com a minha mãe, enquanto o Amjad e a namorada acabaram casando de verdade, em parte graças a mim.

Miral, 26 anos, Palestina

Quando soube que meus pais tinham encontrado um cara com quem queriam me casar, meu primeiro instinto foi fazer o ele me odiar e pular fora. Ele me disse que odiava cheiro de cigarro, então comecei a fumar cigarro e shisha. Ele disse que adorava cabelo comprido, então cortei o meu bem curto. Ele adorava falar de música clássica, então compilei várias playlists de música pop e obriguei ele a ouvir. Quando ele disse que queria ter uma família grande, eu disse que odiava crianças. Eu saía com ele para casamentos e encontros com roupas deliberadamente inapropriadas.

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Mas para minha frustração, apesar de tudo isso ele não terminava comigo e continuava dizendo que me amava por quem eu era. A atitude dele me deixou desconfiada; parecia uma armadilha. Como se ele aceitar fosse só fachada, que depois do casamento ele ia tentar mudar todas as coisas que não gostava em mim. Eu tinha que achar um jeito de terminar tudo imediatamente e de uma vez por todas. Então ativei uma conta antiga do Facebook com um nome diferente, e enchi de fotos de uma amiga romena que era modelo. Aí usei a conta para mandar mensagens xavecando ele. Meu noivo respondeu quase imediatamente, reclamando de mim e dizendo que estava esperando encontrar a garota dos seus sonhos.

Depois de juntar comentários suficientes, o confrontei dizendo que tinha achado as mensagens no celular dele. Continuei em contato com ele como Emma por um tempo depois que terminamos, mas meu alter ego desapareceu quando ele pediu para conversar por vídeo.

Asma'a, 35 anos, Jordânia

Nasci numa família grande e tradicional de duas meninas e quatro meninos. Eu tinha uma relação difícil com a minha mãe na adolescência — ela era rigorosa, mal-humorada e não aprovava nada do que eu fazia.

Quando finalmente pude sair de casa para fazer faculdade, aproveitei minha nova liberdade saindo bastante, me juntando a grupos políticos e arrumando um namorado mais novo. Quando meus pais descobriram meu relacionamento, eles decidiram que tinham que me casar. Um dia, minha mãe e minha irmã me levaram para jantar e para conhecer uma mulher que estava procurando uma esposa para o filho rico que morava nos EUA. Minha mãe ficou putíssima quando recusei a oferta — ela me acusou de não ser mais virgem, que essa era a única explicação para recusar uma oferta tão boa. Infelizmente, meu pai acreditou nela e eles me proibiram de voltar para a faculdade.

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Foi meu irmão que acabou me salvando. Ele disse pros meus pais que tinha conhecido o cara que queria casar comigo dois dias antes, e que ele era bêbado e abusivo. Era mentira, mas minha mãe caiu e desistiu da ideia de me casar com ele. Mas eles ainda não estavam felizes e não queriam me deixar voltar a estudar. Quando meu namorado da faculdade se formou, ele me pediu em casamento. Meus pais rejeitaram as propostas dele várias vezes, mas acabaram aceitando.

Dalia, 32 anos, Egito

Meu pai nunca ligou muito para minha vida amorosa, mas minha mãe estava sempre tentando me arranjar um marido. Eu sempre tinha uma razão para recusar — ele é careca, ele é muito velho, ele usa meia verde. Sempre que eu falava a verdade, que queria terminar os estudos e aproveitar minha juventude, ela falava da importância da tradição.

Achei que quando eu começasse a universidade, as coisas se acalmariam quando eles percebessem que eu era uma adulta capaz de pensar por mim mesma. Mas minha mãe me surpreendeu um dia dizendo que tinha achado um marido pra mim, e que a família dele viria me conhecer naquela noite. Fiquei furiosa e me senti humilhada, mas depois de brigar com ela por uma hora, minha mãe não queria mudar de ideia.

Acabei concordando em conhecer o cara e a família dele, mas estava determinada a dar uma lição na minha mãe. Quando o noivo chegou, entrei no meu quarto e perguntei a mim mesma o que uma heroína de uma comédia romântica tosca faria. Então abri meu guarda-roupa e escolhi as piores roupas que eu tinha. Uma blusa multicolorida, um jeans velho e chinelos de tomar banho. Fiz minha maquiagem como se tivesse cinco anos de idade. Fiquei ridícula.

Momentos depois, entrei na sala de estar, que agora estava cheia de parentes em potencial, trazendo uma bandeja com as xícaras de café mais nojentas da história do mundo. Meu pai ficou vermelho, tentando segurar a risada. Minha mãe começou a esfregar as mãos, nervosa, com um sorriso amarelo que eu conhecia muito bem. Minha irmã disse que precisava sair, mas assim que passou pela porta começou a gargalhar.

Depois de alguns minutos de silêncio, olhei para minha mãe e disse 'Com licença, vocês podem ficar aí discutindo assuntos de adulto'. Depois que o noivo e a família dele foram embora, fui direto procurar o meu pai, que riu e me abraçou quando pedi que ele me protegesse da minha mãe. Minha mãe ficou furiosa, mas meu pai disse para ela me deixar em paz para eu poder terminar os estudos. E esse foi o fim dessa conversa.

Matéria originalmente publicada pela VICE Arábia.

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