O documentarista Braulio Jatar fala sobre mortes e violência na Venezuela
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O documentarista Braulio Jatar fala sobre mortes e violência na Venezuela

Em entrevista exclusiva para a VICE, o venezuelano aborda a rotina de cobertura dos protestos que contabilizam 120 mortos e 498 presos políticos.

Cobrir manifestação de rua na Venezuela não tem sido tarefa simples. Nos últimos quatro meses de protestos contra o presidente Nicolás Maduro, 120 pessoas morreram, segundo o Ministério Público, e existem 498 presos políticos no país, de acordo com a ONG Foro Penal. Nascido em Caracas, capital do país e também polo das manifestações, o documentarista freelancer Braulio Jatar, 27, estava estudando nos EUA quando a população tomou as ruas de sua cidade natal, em abril. "Voltei para a Venezuela porque senti que era um momento muito importante na história do meu país, e, como documentarista, era essencial que eu estivesse aqui", contou por e-mail para a VICE. Hoje, ele só sai de casa para trabalhar com colete à prova de balas.

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O ofício, pode-se dizer, vem de família, já que o pai, cujo nome também é Braulio Jatar, é um conhecido jornalista chileno que, após críticas ao governo chavista de Maduro, passou meses detido e hoje cumpre prisão domiciliar.

Foto: Braulio Jatar

Fotos e vídeos brutais feitos por Jatar (filho) são diariamente publicados em sua conta no Instagram, mostrando que o clima no país latino-americano é mais austero do que vivenciamos em terras brasileiras nos últimos tempos. Maduro chegou até mesmo a proibir as manifestações de rua. No último domingo (30), parte da população boicotou a votação para a nova Assembleia Constituinte do governo chavista, abrindo espaço para mais interrogações acerca do futuro político do país.

Numa conversa por e-mail, Braulio Jatar falou sobre violência policial, a escassez de comida e medicamentos para a população, mortes – "Precisamos levar em consideração que a maioria dos assassinados são jovens entre 15 e 18 anos" – e também sobre a saída, ou não, de Maduro do poder.

Foto: Braulio Jatar

VICE: Quando você começou a filmar e fotografar?
Braulio Jatar: Comecei a trabalhar principalmente com vídeo em 2014, quando se deram as manifestações estudantis na Venezuela.

Você estava nos EUA quando os protestos eclodiram este ano. Por que voltou para sua terra natal?
Estava estudando documentário. Voltei para a Venezuela porque senti que era um momento muito importante na história do meu país, e, como documentarista, era essencial que eu estivesse aqui.

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Onde suas fotos são publicadas?
Felizmente, meu trabalho tem tido uma boa recepção nas redes sociais, onde publico essas imagens, e, dali, podem ser compartilhadas em outros meios. Mas digamos que as redes sociais são meu principal meio de divulgação.

Foto: Braulio Jatar

Vamos falar de fotografia. Como você se prepara para sair de casa? Quais equipamentos de segurança utiliza?
Lamentavelmente é necessário levar colete à prova de balas, máscara anti-gás e capacete. A identificação de imprensa também é essencial.

Qual equipamento você usa?
Tenho uma Nikon D7100, mas ultimamente tenho trabalhado com uma Sony A7sii e uma Nikon D750.

No seu ponto de vista, por que estão rolando esses protestos?
Os protestos se dão por uma série de condições que vêm afetando o povo venezuelano há anos. A falta de comida, de remédios, a insegurança, a crise política. Tudo isso, além de uma série de eventos recentes em que o governo de Nicolás Maduro tentou tomar o poder, fez com que o povo fosse às ruas.

Foto: Braulio Jatar

O que querem os manifestantes?
As reivindicações são de todos os tipos, porque a Venezuela está em crise em vários sentidos. Desde a fome que muitos passam por falta de comida ou pela impossibilidade de comprá-la por causa da inflação, até as queixas e gritos de quem perdeu seus familiares ou um ser querido nas mãos da delinquência, que mantém o país em toque de recolher. São muitas as razões, mas o que sei é que todas apontam para a mesma resposta: a saída de Maduro do poder. Como a polícia tem atuado com os manifestantes?
Não gosto de generalizar, nunca, mas tem havido casos atrozes de agentes de segurança agredindo, roubando e até matando manifestantes pelas ruas.

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Suas fotos mostram que você tem estado muito perto do conflito. Você tem medo?
Honestamente, nem dá tempo. Estou muito concentrado no que faço. Medo dá quando quero sair a noite pra tomar uma cerveja e as possibilidades de que me assaltem ou me sequestrem são incrivelmente altas.

Foto: Braulio Jatar

A maioria dos protestos tem acontecido em Caracas, certo? Estão rolando também em outras cidades?
Os protestos acontecem em várias cidades, o que acontece é que Caracas é a janela da Venezuela para o mundo, por isso tem tanta exposição. Mas, no interior do país, há cidades onde as manifestações têm sido muito mais violentas.

Você passou por alguma situação muito tensa com a polícia ou com algum manifestante?
A violência tem sido crescente em ambos os lados e, quando alguém está no meio desse conflito, certamente é mais perigoso. No entanto, tenho notado e vivenciado a agressão dos agentes de segurança, mas nunca dos manifestantes.

Tem rolado violência policial contra os fotógrafos? Qual tem sido sua experiência e dos seus colegas de profissão?
Sim, tem havido casos de violência contra jornalistas. Às vezes, são só empurrões ou palavras, e, em outras situações mais graves, quebram seu equipamento ou até te roubam. Tem havido também um caso ou outro em que trabalhadores da imprensa acabam presos.

Foto: Braulio Jatar

Qual é a melhor e a pior parte de cobrir essas manifestações?
Pra mim, a melhor parte tem sido conhecer um grupo de pessoas muito talentosas. A pior, sem dúvida, é ver tanta violência, sangue e gritos dos meus irmãos venezuelanos.

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Como tem rolado a cobertura fotográfica? Existem coletivos?
Acredito que trabalhamos de maneiras distintas, mas o que temos em comum é que em grupo somos mais fortes e ficamos mais seguros. Então, não precisamos nem nos conhecer pra saber que devemos ficar juntos sempre.

Como a população venezuelana reagiu às mortes que aconteceram durante os protestos?
Com muita indignação, frustração e aborrecimento. Precisamos levar em consideração que a maioria dos assassinados são jovens entre 15 e 18 anos. Quem não fica triste em saber que os jovens que enfrentam policiais e a Guarda Nacional, que são adultos e têm armas, estão morrendo por simplesmente exigir um país melhor?

Foto: Braulio Jatar

Você pode falar um pouco sobre a falta de alimentos e a atual realidade dos venezuelanos?
Há anos estamos vivendo uma escassez impressionante de comida, medicamentos, produtos de higiene pessoal. O que mais se escuta na Venezuela é "não tem". E, se tem, o produto é vendido a um preço exorbitante. Tudo isso fez com que muita gente terminasse comendo lixo pelas ruas, que morressem por falta de insumos em hospitais, coisas básicas, que todo governo deveria prover para seus habitantes.

Na sua opinião, qual será o futuro da Venezuela?
Honestamente, não sei ao certo. Desde que os protestos começaram, não tenho um panorama claro. O que sei é que o venezuelano é uma pessoa terrivelmente apaixonada, humilde, um trabalhador aguerrido. Por isso, não tenho dúvidas de que cedo ou tarde teremos o país que merecemos.

Saque mais fotos e vídeos do Braulio Jatar no Instagram.

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