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O que Charles Manson e a extrema-direita têm em comum

Além de temer os negros e o colapso da raça branca, Manson e a extrema-direita compartilhavam as mesmas fantasias sobre o futuro.
charles mansons extrama direita Charlottesville
Esquerda: Manson antes de sua sentença em 1971. Foto via Bettmann/Getty Imagens. Direita: ativistas de extrema-direita em Charlottesville em agosto. Foto por NurPhoto via Getty.

Quando o ex-cafetão, músico fracassado e líder de seita assassina Charles Manson morreu no domingo (19), aos 83 anos, ele deixou para trás uma marca enorme na cultura pop norte-americana. Afinal de contas, além de formar uma seita de adolescentes fugitivos doidos de ácido que mataram selvagemente nove pessoas e abasteceram o pânico nacional com a contracultura, ele também ajudou a inspirar Marilyn Manson e, antes dos assassinatos pelos quais se tornou notório, ele até deu a base para uma faixa dos Beach Boys.

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Mas seu status duradouro como ícone outsider tende a eclipsar o fato de que Manson era um racista virulento — e que os assassinatos que ele orquestrou eram alimentados pela ilusão de que os afro-americanos estavam planejando uma guerra racial para escravizar os brancos. Essa ilusão não está completamente ausente da política de hoje. A insistência de Manson de que os problemas sociais na comunidade negra eram uma ameaça para a segurança de seus seguidores ecoa na vida norte-americana contemporânea, onde falar sobre raça elegeu um presidente e rende hoje uma Casa Branca que abriga nacionalistas brancos que se orgulham de sua posição ideológica abertamente.

“Se Charles Manson fosse jovem hoje, ele estaria lendo o Breitbart”, disse Jeff Guinn, autor do best-seller definitivo sobre o assassino, Manson, a Biografia. “Como todo bom demagogo, ele sabia como usar o medo, pegar uma preocupação legítima das pessoas e a exagerar para criar pânico.”



Em vez de um tipo de inovador cultural, a estratégia do líder de seita é melhor compreendida como uma construção sobre a tradição nacional de convencer as pessoas que aqueles que parecem, falam ou rezam diferente de você são uma ameaça violenta.

“Esse tipo de paranoia racial é uma ferramenta eficiente para controlar e conter as pessoas”, disse Katrina Bell McDonald, professora-associada de sociologia da Universidade Johns Hopkins. “Vimos isso com os asiáticos durante a Segunda Guerra Mundial, com os afro-americanos durante Jim Crow, e estamos vendo com hispânicos e imigrantes hoje.”

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No final dos anos 60, não faltavam homens poderosos usando essa tática para gerar medo e ultraje contra a comunidade negra. Revoltas urbanas e o surgimento de grupos radicais negros armados dominavam os noticiários, abastecendo campanhas de “lei e ordem” e “segregação para sempre” de Richard Nixon e George Wallace, respectivamente. A Família Manson era parte de um estranho microcosmo dessa tensão racial nos EUA, guiada pelo medo e ódio pelos afro-americanos instilado em seu líder abusado e furioso.

“Manson tinha um ódio enraizado e caipira dos negros”, me disse Guinn. “Ele passou a conviver com negros primeiramente na prisão, onde ficou instantaneamente intimidado pela irmandade islâmica. Quando foi solto, ele foi para Berkeley, Califórnia, onde os Panteras Negras o assustaram demais. Então, quando ele consegue seus jovens seguidores — esses garotos brancos ingênuos usando muitas drogas — ele começa a falar sobre uma guerra de raça, negros contra brancos, como os negros vão massacrar os brancos. E quando a guerra começar, Charlie vai levar seus seguidores para o deserto e escondê-los.”

Além de alimentar essa paranoia racial, Manson usava isolamento, apropriação cultural, febre religiosa e muito LSD para moldar seus seguidores. Como todo mundo sabe, ele os convenceu de que o Álbum Branco dos Beatles foi escrito como uma mensagem contendo profecias da guerra de raças. Ele explicava como eles iam se esconder até a coisa toda passar — então emergir de novo e dominar o mundo.

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Como Guinn escreveu sobre Manson:

As mulheres em particular eram lembradas que se fossem leais, enquanto estivessem vivendo numa maravilhosa cidade subterrânea elas poderiam se transformar em qualquer criatura que quisessem. Várias queriam se tornar elfas aladas, e Charlie prometeu que, quando o momento estivesse próximo, elas começariam a sentir as asas crescendo em suas costas.”

Por mais louco que possa parecer, Manson forneceu detalhes meticulosos destacando a ligação entre ele, o Álbum Branco e o Apocalipse da Bíblia, ajudando a refutar os buracos de sua lógica obscena.

“Charles Manson não era louco — ele era calculista, e essa é a coisa mais assustadora nele”, disse Guinn.

Os assassinatos de Sharon Tate — que estava grávida de oito meses — e outros em 9 e 10 de agosto de 1969, representam a tentativa de Manson de incriminar militantes negros, gerar retaliação entre os brancos e desencadear a guerra de raças que ele batizou de “Helter Skelter”. Seus seguidores desenharam marcas de patas e as palavras “morte aos porcos” nas paredes das vítimas com sangue, aparentemente esperando que a mídia fizesse a ligação com grupos como os Panteras Negras.

Alerta de spoiler: a visão sobre guerra de raça de Manson, e a promessa de uma utopia subterrânea de elfos alados um dia retornando para dominar o mundo, nunca desaparece. Ele e vários de seus seguidores que realmente participaram dos assassinatos foram presos e condenados. Ainda assim, muitos de seus adeptos continuaram o apoiando e obedecendo durante e depois do julgamento — muito depois que suas velhas profecias desmoronaram e novas foram feitas. Uma das membros mais jovens da Família Manson, Lynette “Squeaky” Fromme, até tentou assassinar o presidente Gerald Ford em 1975 em busca da aprovação de Manson.

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Enquanto isso, o movimento conservador recentemente caiu num lamaçal de nacionalismo branco frequentemente violento, que inclui o surgimento de milícias armadas que esperam fervorosamente por um tipo de terra maravilhosa pós-apocalíptica.

“Há sempre a promessa de recompensa no final de tudo isso”, disse McDonald, acrescentando ainda: “Você tem que fixar as pessoas nesse ponto final onde elas ganharão alguma coisa, que os brancos vão ganhar uma vida melhor. E isso funciona, mesmo se a promessa nunca se materializar. Com Manson isso nunca se materializou, mas as pessoas se agarram a esse final do arco-íris”.

Guinn fez uma carreira estudando líderes de seitas perigosas, e mesmo não estando em luto pela morte de Charles Manson, ele espera que o interesse renovado nas táticas manipulativas desse homem levem a um entendimento maior de como demagogos agem — e como combatê-los.

“As coisas que aprendi escrevendo esse livro… me assustam demais na América de hoje”, ele me disse. “Sempre que você ouve pessoas dizendo 'temos que proteger nosso modo de vida tradicional' ou 'eles estão tomando coisas que pertencem a vocês e dando para pessoas que não merecem, mas estou aqui para proteger vocês, sou o único que pode resolver esse problema', isso deveria ser um sinal vermelho.”

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Matéria originalmente publicado na VICE US.

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