O homem por trás das mais icônicas fotos do rock
Michael Jackson. Foto por Neal Preston.

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Viagem

O homem por trás das mais icônicas fotos do rock

Neal Preston resgistrou gente como Led Zeppelin, Bob Marley, Whitney Houston e Michael Jackson — tudo sem nenhuma aula de fotografia.

De Michael Jackson a Whitney Houston, de Bruce Springsteen ao Queen, poucos capturaram tantos músicos lendários como o fotógrafo e fotojornalista Neal Preston. Em seus 48 anos de carreira, o fotógrafo autodidata de Nova York testemunhou a ascensão do rock 'n' roll e as mudanças globais que vieram com ele. Ele fotografou o Led Zeppelin como o único fotógrafo de turnê da banda, calendários com Elvira e foi escalado pelo próprio Bob Geldof para fotografar seu espetacular “Live Aid” de 1985 — e fez tudo isso sem nunca ter assistido uma aula de fotografia.

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Como fotógrafo freelance aqui em Nova York, o trabalho de Preston me inspira todos os dias. Seu nível de habilidade e versatilidade iluminam o que você pode conseguir através da paixão e dedicação à arte. Quando soube que ele estava lançando um novo livro, Neal Preston: Exhilarated and Exhausted , com prefácio de Cameron Crowe, aproveitei a chance para entrevistá-lo. Preston foi generoso e me ofereceu insights de seu trabalho, além de falar sobre vários tópicos como seu legado, o destino da indústria da música e a mentalidade que o levou de um hobby de escola para se tornar uma lenda viva.

VICE: Para quem não sabe, quem é você e o que você faz?
Neal Preston: Sou um cara que acredita em sorte, e cai num trabalho que nunca imaginei que poderia ser minha carreira. Não fiz faculdade porque estava começando minha carreira na época. Então sou um cara que descobriu o rock 'n' roll no dia em que os Beatles apareceram no Ed Sullivan, e tinha ganhado uma câmera quando fiz 11 anos. Essas duas coisas eram meus hobbies, e as duas coisas se metamorfosearam no meu super hobby.

Quando ganhou sua primeira câmera, você sabia alguma coisa sobre filme?
Ganhei uma câmera de um dos meus cunhados. Era uma Ansco Speedex 4.5. Tinha uma lente com um monte de números, e outro disco, que era a velocidade do obturador — eu não fazia a menor ideia do que isso queria dizer. Aí eu percebi que tinha essa coisa que, se eu mexesse no obturador, a coisa ficava de tal jeito. Então pelo menos entendi como tirar uma foto. Mas tudo que eu sabia sobre fotografia, fora o que todo mundo sabe, era: pegue a câmera, tenha o sol sempre sobre o seu ombro…

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Meu pai foi gerente de palco na Broadway em vários musicais grandes. Ele era considerado um cara importante, sabe, da era de ouro do teatro musical. Ele trabalhou em My Fair Lady, Camelot, Violinista no Telhado, esses show bem grandes, e a coisa que eu mais gostava era visitá-lo na matinê de sábado. Nessa época eu já tinha idade suficiente para pegar o metrô sozinho, e uma vez tirei uma foto escondida de Harry Goz. Foi a primeira foto de apresentação que tirei e mandei revelar. Meu pai deu a foto ao Harry, e acho que o Harry gostava muito de fotografia porque ele tinha vários livros sobre o assunto. Ele deu alguns desses livros para o meu pai dar para mim, e acho que li tudo em uma hora. Fora isso, descobri tudo sozinho. Até hoje, nunca pisei numa aula de fotografia.

Michael Jackson e Freddie Mercury. Foto por Neal Preston.

Você se inspirou em algum fotógrafo?
Eu não sabia os nomes, mas agora que já estou há um tempo no negócio, sei quem eles são: Philippe Halsman, Allan Grant, cuja viúva é uma grande amiga minha… Esses caras podiam fotografar qualquer coisa. Eu não sabia nada sobre editores ou departamentos editoriais, então era isso que me atraía. Meus fotógrafos de moda favoritos na época eram [Richard] Avedon e Normam Parkinson, que mais tarde na vida percebi que era o gênio dos gênios. Eu conhecia [Henri] Cartier-Bressons e Ansel Adamses, mas eles não me atraíam tanto. Eu conhecia mais os caras que fotografavam música e fundaram a fotografia de música.

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Você acha que versatilidade é importante para quem é fotógrafo?
Como fotojornalista, sem dúvida. Geralmente, fotógrafos tendem a investir numa área — propaganda, moda, editorial, o que inclui fotojornalismo, corporativa, todas as fatias da torta. Para mim, mesmo gravitando em torno da música, eu sabia que podia fotografar várias coisas, temas e estilos diferentes. Mesmo se o estilo não fosse meu estilo. Por exemplo: para o filme A História de Um Recorde dirigido por Billy Crystal, sobre um home run entre Mickey Mantle e Roger Maris em 1961, passei dois dias recriando cartões de basebol com os atores no lugar de Mantle e Maris. Posso ver uma foto e saber exatamente como ela foi iluminada — quer dizer, da melhor maneira possível, usando o equipamento que eu sabia que existia — na época e agora. Então posso recriar qualquer coisa. De algum jeito, fiquei conhecido na indústria como alguém que pode fazer isso muito bem.

Led Zeppelin. Foto por Neal Preston.

Dá pra lembrar quais os momentos foram mais memoráveis das suas turnês?
Não tantos momentos, mais vinhetas. Estar na Muralha da China com o Wham! e George Michael. Ir para a Rússia com Billy Joel por duas semanas. Cresci no auge da Guerra Fria e da crise dos mísseis em Cuba, e ir para a Rússia foi surreal, como ir para Urano ou Plutão. Além disso, África do Sul com Whitney Houston. Passar pelo posto de controle Charlie no Muro de Berlim com Bryan Adams. Fotografei seis Olimpíadas, então Torino, Itália, e Iugoslávia… esse tipo de coisa.

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Mas se eu tivesse que escolher um momento memorável, tem que ser Sly Stone fumando crack no meu carro enquanto eu dirigia na rodovia. Sly Stone pegando uma caixa de anvil, vestindo roupa militar. Era 1979 — e outro dia conto a história inteira dessa sessão, é fantástica — ele abrindo a caixa e tirando uma tocha de butano, um cachimbo que eu não conseguia ver, e naquela hora eu estava num filme do Cheech e Chong, com fumaça saindo pela janela do carro. Esse momento foi memorável. Não dá pra superar.

"Qualquer fotógrafo que diga, depois de dez minutos fotografando, 'tenho uma foto icônica', não sabe o que está fazendo, e não tem uma foto icônica porra nenhuma."

O que você faz nos dias de folga?
Bom, dias livres são ótimos porque raramento tenho um dia livre. O que eu faço? Considerando que é um dia livre mesmo, sem edição envolvida — não se esqueça que fotografo com máquina analógica —, um verdadeiro dia de folga, além de tentar colocar o sono em dia, eu saio para me divertir. Fazer as coisas que as pessoas fazem o tempo todo em turnês de rock, e que eu não faço geralmente. É uma questão de recuperar o fôlego e cuidar das minhas responsabilidades, enquanto também tento dormir. Você não consegue dormir muito na estrada — não importa se você está na turnê do Captain & Tennille.

No trailer do seu novo livro, você diz “Não sou a história. O que eu faço é a história”.
Acredito mesmo nisso. Todo mundo conhece fotógrafos que dizem “É sobre mim”. Não vou dar os nomes, mas isso vem de como percebo meu trabalho. Todo mundo tem um ego para satisfazer, o meu é menos sobre “Você sabe quem eu sou?” e mais “Você viu essa foto?” E essa é a história, e por isso escrevi esse livro. O jeito como abordo esse trabalho, os furos, o stress, os prazos, as viagens constantes, um pouco de gerenciamento de personalidade, todas essas coisas que as pessoas não pensam quando veem uma foto do Jimmy Page bebendo Jack Daniel's, essas são as coisas interessantes. Tem um monte de livros tipo “Aqui está uma foto do Bruce Springsteen. Comemos um cheeseburger depois da sessão e ele é um cara bacana”. Isso já foi feito milhões de vezes — tenho uma pilha de livro assim. Esse livro não é assim.

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Peter Frampton. Foto por Neal Preston.

Qual a sua mentalidade quando você fotografa shows?
Bom, estou lá para fazer um trabalho. No minuto em que você sobe no palco de qualquer show de rock, você não está mais nos Estados Unidos da América. Não importa se o show é em Topeka, Kansas, Manhattan, LA, tanto faz. Você está na nação dos roadies. E assim, eles estão no comando mesmo se a banda está no palco, e tem esse protocolo de que você deve estar muito consciente. Você aprende com bom senso, mantendo olhos e ouvidos abertos — e a boca fechada. Não pise em nada, não toque em nada, não respire nos instrumentos, isso é óbvio. Deixe seus movimentos sempre previsíveis, porque você está sendo rastreado por 12 pares de olhos dos roadies. E mais importante, não estrague tudo. Se você fode alguma coisa, você vai ser derrubado como uma aeronave inimiga entrando em espaço aéreo russo. Você não quer atrapalhar o trabalho dos roadies, porque eles vão levar bronca. Se eu tropeço num cabo e ele se desliga, o que graças a Deus nunca aconteceu comigo — cheguei perto — seria o fim! É o domínio deles.

E como eu gosto de dizer durante o descarregamento, tenha muito, muito cuidado. Não vale a pena ser empalado por um pedestal de microfone para impressionar uma mina de Memphis que você nunca mais vai ver. Saia do caminho!

Bruce Springsteen em 1985. Foto por Neal Preston.

Tem alguma coisa que você gostaria que um jovem fotógrafo tirasse do meu livro?
Bom, meu livro não é um “como fazer”. É mais um “como fiz” ou “como faço?” Tanta coisa mudou nesse negócio e no mundo desde que comecei. Cresci antes da internet, dos celulares, antes de recusar orçamento de fotos… Muitos garotos me perguntam: “Como me destaco nesse negócio?” Tenho boas e más notícias. A boa notícia é que tem um monte de meios pelos quais as pessoas podem ver seu trabalho, considerando a internet. A má notícia é que tem muito pouco dinheiro nisso, o que acho um insulto. O melhor conselho que posso dar para os fotógrafos surgindo agora: se junte com aquela banda que você ama. Monte esse pônei. Se eles ficarem famosos, você é o cara deles. Eles vão dizer para as pessoas “Essas são as fotos que vocês devem usar”. É assim que você fica conhecido pelas pessoas da indústria — o melhor jeito de se estabelecer, falando no geral. Você não vai muito longe ligando para a Rolling Stone e mandando 18 portfólios pra eles.

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Bob Marley. Foto por Neal Preston

Algo bem visível nas suas fotos é o alto contraste, o preto profundo, e os destaques intensificados das fotos em preto e branco. Você chamaria isso de “seu estilo”?
É um estilo que gosto. Se chama “high-key”. Se alguém tem um estilo, meu estilo quando fotografo shows ao vivo é indígena para mim. Eu não diria isso sobre qualquer outra coisa que faço, mas quando se trata de coisas no palco, eu sei o que estou fazendo. Gosto de inky black, que é um termo que Woody Allen usava quando filmou Manhattan. Gosto de fundos limpos — quanto menos merda de fundo melhor. Se livre do microfone se puder. Em se tratando de coisas high-key, acho tem mais drama nisso, e faço isso desde que estava no colégio. Aqui, no enquadramento original do Bob Marley, tinha um backing vocal no fundo que estragou o enquadramento. Quando entreguei a foto para o meu cara da revelação, eu disse “Queime essa parte”, assim consegui a foto. Conheço uma imagem forte, mas quase nunca digo isso. Não gosto de soltar coisas se não for absolutamente necessário.

Freddie Mercury no Estádio Wembley. Foto por Neal Preston.

O que estava acontecendo nessa foto famosa do Freddie Mercury?
Era o começo do show. Era a primeira música. Percebi que era o terceiro enquadramento que fiz. Dito isso, estou no meu modo de trabalho. Não estou pensando "ah, tenho uma foto icônica”, só estou fotografando, e vou ver o filme no dia seguinte. Qualquer fotógrafo que diga, depois de dez minutos fotografando, “tenho uma foto icônica”, não sabe o que está fazendo, e não tem uma foto icônica porra nenhuma — você precisa do benefício do tempo e de uma visão do passado.

Pelo que você gostaria de ser lembrado?
Quero ser conhecido como um profissional. Aprendi muito com Ken Regan, dono da agência Camera 5 — um fotojornalista muito famoso — só de ver e ouvir. Ele era como um irmão mais velho para mim, e um profissional consolidado. Então quero ser um profissional consolidado que entrega o serviço. Seu corpo de trabalho no final da sua vida fala por si. Tratar as pessoas de maneira justa e não fazer as coisas serem sobre mim. Meu ego não precisa disso. Quero conseguir as fotos e apreciar os mestres que vieram antes de mim.

Compre o livro Neal Preston: Exhilarated and Exhausted aqui.

Entrevista publicada originalmente na VICE USA.

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