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Música

'Lords of Chaos' é uma fan-fic carinhosa e conturbada sobre o black metal da Noruega

A VICE falou com o diretor Jonas Åkerlund sobre sua nova abordagem para essa história antiga.
Rory Culkin no filme Lords of Chaos de Jonas Åkerlund
Rory Culkin como Euronymous em Lords of Chaos. Foto via VICE Studios

Com Lords of Chaos, Jonas Åkerlund nunca quis fazer um filme para os seguidores mais trve do black metal. Uma década atrás, quando o veterano diretor de videoclipes e ex-baterista do Bathory pensou em transformar a infame história homicida e piromaníaca de origem do black metal norueguês num longa, ele sabia que um filme estritamente biográfico não daria certo. Afinal de contas, as histórias emaranhadas de Varg Vikernes do Burzum e do fundador do Mayhem Øystein “Euronymous” Aarseth já tinham sido obsessivamente romantizadas em documentários e livros, incluindo um que dá nome ao filme de Åkerlund. Ele queria fazer uma história com que um novo público se identificasse, mesmo quem não consegue diferenciar Fantoft e Filosofem.

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O Lord of Chaos resultante (um filme da VICE Studios) é uma fan-fic de homenagem carinhosa mas preocupada (e complicada) daquela cena, onde os fatos fundamentais continuam fixos, mas os detalhes e diálogos foram reimaginados. Propositalmente fanfarrão e um pouco sensacionalista, o Lords of Chaos de Åkerlund não se aprofunda no problema contínuo da política perniciosa da cena ou seu legado musical e, em vez disso, humaniza seus personagens criando uma série de triângulos amorosos que se conectam. O cosplayer medieval e fascista moderno Varg Vikernes, por exemplo, é um garoto impetuoso que transa com qualquer coisa que ande. Interpretado por Rory Culkin, Euronymous é um guru de marketing razoável que, no final do filme, parece um John feliz apaixonado pela Yoko.

Falamos com Åkerlund sobre a luta para equilibrar verdade e ficção enquanto ele tentava fazer um filme interessante, e os riscos de romantizar o fascismo no momento atual.

VICE: Você disse que queria que Lords of Chaos fosse uma história para além da comunidade do metal. Escrevendo o filme, como você tentou realizar isso?
Jonas Åkerlund: Eu era fascinado e intrigado com essa história. Como muitos outros, pensei: “Essa é minha história. Estou próximo disso. Sei melhor que qualquer um”. Mas em algum ponto, me desapeguei dessa ideia e comecei a pensar que eu precisava fazer um filme. Com isso veio um foco que eu não tinha antes. Pesquisar é divertido. Desenvolver personagens é divertido. Ouvir a música e assistir todos os documentários é divertido. Mas todo mundo viu esses documentários e eles são todos iguais — uma pequena chama e uma voz grossa contando a história sobre os assassinatos e os incêndios de igreja. Percebi que tinha que me focar no relacionamento entre esses três garotos, e focar em torná-los humanos e lembrar a todos que eles eram jovens. Isso aconteceu na Noruega, e eles não tinham uma desculpa pra isso. Eles não sofreram abuso e cresceram em circunstâncias decentes. Eles não eram monstros.

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Neste ponto, historicamente, alguém como Varg fez a transição para algo mais parecido com um monstro, depois de décadas promovendo o nacionalismo.
Você pode chamá-los de monstros, ou pode chamar de outra coisa. Não os transformei em mocinhos. Mas o foco do filme era em tentar entender o que aconteceu e o que os levou a isso, como essas pequenas decisões que você toma na vida acabam se desenrolando. Consigo me identificar com aqueles momentos na minha própria vida, quando olho para trás e lembro que amigos tomaram as decisões erradas. Tenho sorte de ter tomado algumas boas decisões. Mas isso é uma série de coincidências ou acidentes; poderia ter ido para o outro lado. Eu podia ter continuado na música, continuado nas drogas, conhecido as pessoas erradas. Todo mundo conhece esses momentos quando você para de pensar como um indivíduo e começa a pensar como um grupo, ou quando você fica impressionado e quer impressionar.

Por que essa história continua a atrair o interesse das pessoas depois de um quarto de século? Você acha que é por causa da estupidez juvenil e a crença absoluta no que você está fazendo?
Vimos essa história muitas vezes antes — nas favelas do Brasil, nos subúrbios da Inglaterra, nos guetos da Itália. Aposto que agora tem um moleque matando alguém ou fazendo algo idiota em algum lugar do mundo, e podemos nunca ficar sabendo. E isso me deixa confuso: não sei por que essa história me pegou e continuou comigo, ou por que há dez documentários e livros sobre ela. Muitas pessoas têm uma ligação emocional com essa história, mas não há realmente uma razão pra isso.

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Você era do Bathory, outra banda fundamental da cena de um país vizinho. E você dirigiu um clipe do Candlemass alguns anos depois que incluía o Dead, antes dele se mudar para a Noruega e se juntar ao Mayhem. Como suas primeiras experiências na cena na Suécia informaram as decisões que você tomou aqui?
O primeiro ato do filme, quando tudo é divertido — enquanto eles encontram seu som, tingem o cabelo, desenham o logo, ficam constrangidos com garotas, fazem festas no quintal — é muito parecido com quando eu participava de bandas. Também tínhamos letras sombrias a adorávamos filmes de terror, estávamos brincando com símbolos e queríamos parecer assustadores e descolados. Mas a grande diferença é que a gente conseguia separar realidade da fantasia, o que eles não fizeram na Noruega. Eu sentia que conhecia bem esses personagens, como se fosse próximo deles.

Desde que você começou a trabalhar no filme, temos visto uma ascensão do fascismo e nacionalismo internacionalmente. Especialmente com o paganismo de Varg Vikernes e o uso de suásticas, essas ideias aparecem no filme. O contexto atual impactou o jeito como você pensou esses personagens?
Tenho uma teoria — e pode não ser verdade — de que eles não tinham realmente uma agenda política naquela época. A agenda política que eles têm hoje é algo que foi crescendo com os anos. Quando isso aconteceu, eles só estavam brincando com símbolos. Vi fotos dos quartos deles — as bandeiras, as imagens, as cruzes de cabeça pra baixo. Parece algo muito jovem, parece ir para muitas direções diferentes, o que me fez pensar que não poderia haver uma agenda política propriamente dita. Claro, hoje, especialmente com Varg, ele é muito aberto sobre suas crenças políticas; na época, não acho que ele tinha essas convicções.

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Lords of Chaos

Foto de 'Lords of Chaos' via VICE Studios

Você tinha medo que o filme pudesse romantizar o fascismo ou nazismo, porque parece ter sido a faísca filosófica para um “gênio do mal” como Varg?
Não acho que fazemos isso. Acho que os documentários fazem isso muito melhor. Acho que estamos mostrando uma parte muito triste dessa história, a parte menos glamourosa. É algo muito real, então não me preocupo com isso. Se você assiste o filme mesmo, ele te prende de um jeito que você não esperava. Estive nas salas de cinema e nas exibições nos festivais, então pude sentir a energia. Não vi nenhum sinal disso.

Da mesma maneira, o livro Lords of Chaos

é problemático numa base factual e porque o escritor, Michael Moynihan, já apoiava o fascismo e o nacionalismo há décadas. Vocês acharam que seria problemático endossar tudo isso usando o nome?
Falamos sobre mudar o título e comprar direitos de outros livros. A história é de domínio público, mas era melhor para nós comprar os direitos. Lords of Chaos era o livro disponível para nós na época. Sei que o livro foi infectado e muita gente não gosta dele, mas nos apaixonamos pelo título. Tentamos mudar o nome algumas vezes, mas sempre voltávamos para Lords of Chaos. Nossa pesquisa para escrever o roteiro e fazer o filme foi muito, muito além do livro. O livro é só uma das muitas fontes de onde tiramos inspiração e aprendemos.

No começo do filme, um aviso diz “Baseado em fatos reais, mentiras e no que realmente aconteceu”. Você pode falar um pouco sobre essa distinção?
Meu primeiro roteiro dizia “Baseado em fatos reais”, e eu pensei “Espera — tem muito conversa fiada aqui também”, então ficou “Baseado em fatos reais e mentiras”. Em certo ponto, achei que não dava para acrescentar nada; eu tinha que fazer o filme mais realista possível. Mas meu parceiro de roteiro me lembrou que isso é um filme, que temos que ter liberdade para contar essas histórias para fazer um longa que entretenha. A parte real é muita pesquisa e as histórias, e percebo que muita dessa verdade é parte da verdade de outras pessoas. Pessoas têm perspectivas diferentes da verdade, então foi aí que acrescentei “E no que realmente aconteceu”, porque tem algumas coisas que não estão abertas para discussão — pessoas morreram, igrejas queimaram, muita gente ficou para trás.

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Uma coisa é basicamente inventada — Ann-Marit, fotógrafa e namorada de Euronymous, interpretada por Sky Ferreira. Quando ficou claro que ela deveria ser inserida na história?
Isso é parte da pesquisa que fizemos. Em muitas das fotos que vimos, tinha uma garota que sempre aparecia. Perguntei pra muita gente, mas ninguém sabia quem ela era. Aí conheci uma pessoa que morou com Euronymous por três semanas antes dele ser assassinado, e essa pessoa me disse que havia uma namorada na vida dele quando ele foi morto. Consegui material suficiente dessa fonte para escrever isso como uma razão para, no fim, Euronymous estar indo para outro lugar. Ele corta o cabelo. Ele escreve aquela carta para os fãs dizendo que vai começar de novo com o Mayhem e se livrar de Varg com um contrato. Ele tinha uma namorada. Eu tinha material suficiente para entender que ele planejava se mudar, e que ela tinha algo a ver com isso.

Ela o humaniza. Você acha que ele merece isso mais que seu assassino, Varg?
Novamente, eles eram jovens. Eles tinham a vida inteira pela frente, e fizeram essas coisas que você faz quando é jovem. Não estou dizendo que Euronymous era um santo. Ele fez muita merda também, e foi responsável por muitas das coisas que aconteceram. Mas eles eram jovens e humanos.

Em certo ponto, Varg está explicando toscamente suas crenças escrotas para um repórter quando o seu motorista interrompe, perguntando se alguém quer chá. É um momento honesto, bobo e hilário. O humor foi outro jeito de humanizar esses garotos?
Sim, e acho que algumas dessas coisas são simplesmente engraçadas. A seriedade da cena se torna engraçada quando você dá um passo atrás; Spinal Tap é meio assim porque você vê tudo como alguém de fora. Você não pode fazer um filme sobre garotos e rock'n'roll sem ter merdas loucas e engraçadas. Pedimos muita coisa do público nesse filme, então tem que ter um senso de sagacidade. Na edição, tentamos uma versão cortando todas as piadas — e o filme ficou muito sombrio e sem esperança. É o mesmo com a violência. Se você tira a violência, ele perde poder. Todos os altos e baixos emocionais são importantes.

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Uma das dinâmicas mostradas no filme é ideologia versus imagem. Euronymous adorava construir a marca, enquanto Varg estava comprometido com sua banda e uma ideologia em desenvolvimento por trás dela. O que é mais importante para a sobrevivência dessa saga?
Euronymous era conhecido por ser muito focado e bom em fazer seu trabalho ser conhecido por aí. Considere que, antes da internet, ele tornou a banda famosa. Agora o logo do Mayhem está pelo mundo todo. Você pode ir pra Disneylândia e ver alguém com a camiseta deles. Ele fez algo que os publicitários hoje só podem sonhar. Ele começou muito cedo, e provavelmente era muito melhor nisso do que como guitarrista ou compositor. Eu diria o oposto sobre Varg. Ele era um ótimo músico e muito focado em se tratando de compor. Mas essas coisas andam de mãos dadas, e acho que você não consegue enganar seu público para gostar de algo que não é bom.

Você disse que, apesar de conhecer os discos, ouvir Mayhem e seus colegas do black metal nunca foi uma grande paixão. O que você gosta no black metal agora?
É quase como ouvir música clássica ou ópera; no começo é quase doloroso e meio chato, mas quando você dá uma chance e passa tempo suficiente com a música, ela se torna uma coisa fantástica. Foi um gênero tão específico o que eles inventaram. O som é muito específico. Muita gente tentou soar exatamente como eles, mas o Mayhem ainda é a melhor banda de black metal que já existiu. Outras bandas são ótimas, mas ainda não chegam perto do original.

O que Euronymous acharia das bandas que levaram seu som para tantas direções diferentes?
Ele era sério. Ele queria divulgar sua música. Todo artista quer isso, seja lá o que diga. Esse é o ponto — fazer as pessoas gostarem da sua arte. Euronymous teria gostado desse filme e de onde o black metal chegou, tenho certeza.

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Matéria originalmente publicada pela VICE US.

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