O bizarro e não resolvido caso do Serial Killer de Long Island
Suffolk County police crime tape during the period in 2010 when the authorities found several discarded bodies: the work of the Long Island Serial Killer. (Photo by Spencer Platt/Getty Images)

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O bizarro e não resolvido caso do Serial Killer de Long Island

Como uma série de assassinatos se tornou um dos mais famigerados crimes dos EUA, alimentando teorias conspiratórias malucas e muitos rumores.

Alguma coisa na casa de Joseph Brewer fez Shannan Gilbert achar que ia morrer. Talvez tenha sido uma imagem fugaz de algo horrível que ela não estava acostumada a ver na casa de um cliente, embora ela fosse uma profissional do sexo de 24 anos que trabalhava numa das esquinas mais sombrias da área metropolitana de Nova York. Fica-se imaginando o que será que ela viu.

Talvez tenha sido uma sugestão violenta sussurrada no ouvido dela. Ou talvez alguém na casa de Brewer contou a Gilbert uma história sobre uma acompanhante contratada, que saiu numa noite qualquer de Long Island e nunca mais foi vista viva.

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Para um número crescente de pessoas obcecadas pela história, e a comunidade de detetivesda internet devotados a resolver isso, o mistério cercando o assassino conhecido apenas como Serial Killer de Long Island faz pensar na atmosfera estranha do filme Estrada Perdida de David Lynch. É um conto repleto de rumores de orgias, tortura e policiais sádicos viciados em sexo. O desaparecimento repentino de Gilbert do bairro fechado costeiro Oak Beach, Nova York, na noite de 1º de maio de 2010, lançou uma nuvem negra de assassinato e conspiração que ainda parece pairar sobre o tranquilo subúrbio; quando os restos dela foram finalmente encontrados, 19 meses depois, numa poça de água salgada, isso pareceu confirmar o que era óbvio então para qualquer um prestando atenção: alguma coisa estava errada em Long Island.

A polícia e recrutas de Suffolk fazem uma busca na área da praia onde a polícia encontrou restos humanos no dia 5 de abril de 2011, Babylon, Nova York (Foto por Spencer Platt/Getty Images).

A busca por Gilbert levou à descoberta de vários corpos em Gilgo Beach, um parque costeiro pouco desenvolvido do condado de Suffolk, Nova York, e evoluiu para uma investigação que já dura mais de meia década, descobrindo os corpos de oito mulheres jovens. Tudo isso levou também à descoberta do corpo de uma mulher trans com os dentes arrancados do crânio, um bebê do sexo feminino usando brincos de argola e suspeitas não-confirmadas sobre sete outras vítimas, que nunca foram verificadas como parte da mesma matança. Todas as vítimas adultas foram identificadas como trabalhadoras sexuais. A maioria dos restos mortais foram encontrados em Ocean Parkway, um trecho desolado de estrada que leva ao fim de Jones Beach e até o mar. Dois torsos foram encontrados 64 quilômetros dali em Manorville, jogados na floresta como pedaços de carne.

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O Serial Killer de Long Beach emergiu em 1996, apesar de ninguém ter ficado sabendo disso na época. Richard Dormer, o ex-comissário de polícia de Suffolk, diz que um casal encontrou duas pernas de mulher decepadas enroladas em plástico naquele ano, enquanto passeavam por Davis Park, um trecho de praia em Fire Island. Quando os corpos foram descobertos num espinheiro ao longo da Ocean Parkway em 2010, um policial envolvido no caso em 1996 sugeriu que a polícia fizesse testes de DNA, que ligaram as pernas a uma das vítimas do Serial Killer de Long Island.

A mais recente possível vítima era uma mulher de 31 anos da Iugoslávia chamada Natasha Jugo, que tinha um histórico de paranoia. Em 2013, Jugo dirigiu seu Toyota Prius por 40 minutos do Queens até Ocean Parkway às quatro da manhã por razões desconhecidas, e, como Shannan Gilbert, desapareceu, deixando sua carteira e roupas para trás. Em junho daquele ano, três meses depois do desaparecimento dela, um grupo de visitantes da praia avistou o corpo de Jugo boiando no mar.

Em dezembro, tabloides locais anunciaram que o FBI tinha se juntado à busca pelo Serial Killer de Long Island. Dias depois, uma fonte anônima disse à imprensa que o ex-chefe da polícia de Suffolk James Burke tinha tentando impedir que o FBI participasse da investigação, abastecendo antigos rumores de que a polícia estava encobrindo o assassino. Enquanto isso, Burke foi indiciado pelos federais em 9 de dezembro por violar os direitos civis de um homem acusado de roubar propriedade dele, e de conspiração para obstruir uma investigação federal sobre o incidente. Se o FBI conseguir pegar o Serial Killer de Long Island — ou como alguns teóricos afirmam, assassinos — isso juntaria os fios do que se tornou o mistério de assassinato mais confuso da história recente dos EUA.

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O túmulo não marcado de Maureen Brainard-Barnes no cemitério de St Mary, New London, Connecticut. Foto por Laura McClintock.

Ninguém nunca saberia sobre o Serial Killer de Long Island se não fosse por Shannan Gilbert, que foi vista correndo pelo bairro fechado Oak Beach naquela manhã de maio, não muito longe de onde os restos das outras mulheres seriam encontrados.

Ela conseguiu ligar para o 911 e dizer "Eles estão tentando me matar". Uma gravação do telefonema dela existe, mas o promotor de Suffolk, Tom Spota, decidiu não revelar isso ao público. O escritório de Spota se recusou a comentar a história para a VICE. Aqueles que ouviram a fita divergem ao descrever o tom de Gilbert. O detetive Vincent Stephan do Departamento de Polícia de Suffolk escreveu um artigo para o Newsday, numa tentativa de desviar as críticas da família de Gilbert, dizendo que a voz dela estava calma. Dormer, no entanto, disse a VICE que Gilbert parecia "perturbada" na fita e que ela "parecia fora de si de medo".

O "eles" na ligação de Gilbert, como quase tudo na morte dela, permanece um enigma. Ninguém sabe quem ela acreditava que estava tentando matá-la, e muita gente acha que ninguém nunca vai saber. Michael Pak, motorista de Gilbert, a levou para o bairro fechado de 72 casas perto do mar sob a promessa de entreter apenas um homem: Joseph Brewer. A vida de Brewer em Oak Beach, segundo pessoas que o conheceram, era de um solteiro de meia idade ocioso com um apetite por sexo pago. Ninguém disse publicamente que o considerava perigoso. Ele chamou Pak por volta das 5 da manhã para escoltar Gilbert de volta a Jersey City, onde ela morava, mas por alguma razão, Gilbert ligou para a polícia e fugiu, tocando campainhas na escuridão, implorando por socorro. ("Tenho fé na polícia", Brewer disse por telefone quando questionado sobre Gilbert para esta matéria, desligando depois. Segundo Dormer, o ex-comissário, suspeitas sobre Brewer foram descartadas logo no começo das investigações).

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Dormer resume a madrugada em que Gilbert desapareceu da seguinte maneira: Depois que fugiu da casa de Brewer, ela apertou a campainha de um idoso chamado Gus Coletti, agora falecido, que também ligou para a polícia. Pak deu a volta em seu Ford Explorer preto na direção dela, e quando fez isso, Gilbert correu até uma janela iluminada por enfeites em forma de velas. Essas luzes, segundo os vizinhos, eram parte de uma vigília de quase uma década de uma mulher chamada Barbara Brennan, uma viúva que perdeu o marido nos ataques de 11 de Setembro. Brennan não abriu a porta para Shannan; em vez disso, fez duas ligações: uma para a polícia, às 5h22, e outra para um vizinho em que ela confiava, Tom Canning.

Canning, um paisagista aposentado alto de pele vermelha e cabelos brancos, diz ter chegado à casa de Brennan com seu cachorro, um Weimaraner.

"Não havia ninguém lá para salvar", relembra Canning, olhando para a varanda de sua casa em Oak Beach e depois para o Oceano Atlântico. "Eu queria ter tido a chance de ajudá-la."

Gilgo Beach, Long Island, Nova York. Os corpos de Maureen Brainard-Barnes, Megan Waterman, Melissa Barthelemy e Amber Lynn Costello foram descobertos de 11 a 13 de dezembro de 2010. Foto por Laura McClintock

Canning apontou depois para a esquerda de sua casa, onde um grosso carpete de junco alto se estendia até o horizonte.

"Ela correu para o pântano", ele disse, se referindo ao lugar onde o corpo de Gilbert foi encontrado.

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Outros relatos divergem do de Canning. Seu filho Justin, então com 20 anos, disse ao New York Post em 2010: "Vimos as pegadas dela na areia. Ela estava em pânico. Achei que ela tinha usado drogas". Canning negou ter visto pegadas na areia. Seu filho Justin não quis ser entrevistado para esta matéria.

Joe Scalise é um empregado septuagenário do parque estadual local, com olhos que combinam com o azul do oceano cercando Oak Beach, onde ele e sua família moram há mais de 40 anos. Ele lembra de uma interação que teve na garagem de Canning logo depois do Furacão Sandy, quase um ano depois que a polícia finalmente encontrou o corpo de Gilbert. A suposta conversa foi sobre outro morador de Oak Beach chamado Peter Hackett, ex-cirurgião do Departamento de Polícia de Suffolk e amigo de Canning.

"Canning me disse depois do Sandy que o Dr. Hackett tinha sedado Shannan Gilbert", disse Scalise. Mas Canning nega que Hackett tenha tido qualquer contato com Shannan Gilbert depois que ela tocou a campainha de Brennan. "Ele é louco", disse Canning sobre Scalise.

Independente de quem está dizendo a verdade, Hackett é um nome importante nessa saga. Entre os círculos de teoria da conspiração da internet, ele é uma figura maior e mais divisiva que Donald Trump: dependendo da opinião, Hackett é um assassino doentio ou um bode expiatório girardiano, um homem antissocial com um membro prostético e propensão ao exagero, o que fez dele a resposta mais fácil para os medos da comunidade.

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Levou meses para a polícia ligar a chamada de emergência de Gilbert aos relatos de uma mulher em pânico batendo nas portas de Oak Beach. A razão para esse atraso foi uma falha no processo: quando o atendente do 911 perguntou a Gilber onde ela estava, a resposta que ela deu, segundo Dormer, foi ago como "perto de Jones Beach". Jones Beach, um destino de férias popular para nova-iorquinos que sabem pouco sobre Long Island, teria sido o nome que Gilbert viu nas placas quando se dirigia para a casa de Brewer. E como o local é um parque estadual, a ligação daquela madrugada foi transferida para autoridades estaduais em vez de locais.

Para Gilbert, Ocean Parkway deve ter parecido um horizonte esquecido de escuridão, luz da lua e ondas do mar. Quando morreu, é bem possível que ela não tivesse a menor ideia de onde estava.

Mari Gilbert, esquerda, e seu advogado John Ray numa entrevista coletiva em Babylon, NY, 20 de dezembro de 2011. (AP Photo/Seth Wening)

Segundo a mãe de Shannan Gilbert, Hackett ligou para ela dois dias depois do desaparecimento da filha e disse as seguintes palavras:

"Eu comando um lar para meninas desobedientes."

Hackett negou ter ligado para a mãe de Gilbert até que registros telefônicos determinaram que ele realmente tinha feito a chamada — duas vezes. Hackett enviou duas cartas para o 48 Hours Mystery, um programa da CBS que cobria a saga do Serial Killer de Long Island em 2011, reconhecendo que tinha feito as ligações mas negando ter encontrado Shannan ou administrado drogas a ela.

A família de Gilbert não concorda com o lado dele da história.

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"O Dr. Hackett disse a Mari Gilbert que tinha um lar para meninas desobedientes e que Shannan estava sob seus cuidados", diz John Ray, advogado da família Gilbert. "Por que alguém faria algo assim?"

A família de Gilbert entrou com uma ação de morte por negligência contra Hackett em novembro de 2012, afirmando que ele levou Shannan para sua casa naquela madrugada e administrou drogas que facilitaram a morte dela. Ray, um homem simpático com um rabo de cavalo grisalho, conta sua versão da complexa história do Serial Killer de Long Island como um maestro. Ele diminui o ritmo para construir tensão, permitindo que o ouvinte curioso analise as muitas coincidências obscuras pelo caminho.

"Tenho um grande respeito pelos detetives de homicídio", ele insiste em seu escritório cheio de livros em Port Jefferson. "Mas depois de trabalhar 750 horas nesse caso, consigo ver que a polícia esteve deliberadamente encobrindo coisas."

Ray recolheu o depoimento da maioria dos principais envolvidos na história de Shannan Gilbert, incluindo Hackett e sua família. Ele afirma que muitas coisas que deveriam ser protocolo padrão numa investigação de homicídio não foram feitas, e que "muitas coisas que não deveriam ser feitas foram". A casa, o barco e o carro de Hackett, segundo Ray, foram vasculhados de maneira incompleta, e a polícia nunca verificou se o solo do local onde o corpo de Gilbert foi encontrado continha partículas de carne (para determinar se ela realmente se decompôs ali, ou se o corpo foi desovado). O Departamento de Polícia de Suffolk, quando abordado para comentários, não confirmou nem negou as alegações de Ray.

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Michael Baden, um investigador médico independente contratado por Ray para a família de Gilbert, disse que o osso hioide, uma parte curvada da garganta, estava deformado no corpo. Ele diz que isso poderia ter sido causado por um estrangulamento, mas sem acesso aos tecidos moles de Gilbert, que segundo as descobertas de Baden, foram fervidos logo depois da autópsia inicial, ele não pôde fazer a determinação definitiva da causa da morte. Embora frustrante, Baden aponta que ferver os tecidos moles após a autópsia é um processo bastante comum de identificação, e — apesar de sentir que isso era desnecessário nesse caso — não indica um esforço de obscurecer evidências por parte das autoridades.

Mas Baden suspeita que Gilbert foi assassinada por outras razões além da deformidade do osso hioide. Ele diz que o corpo de Gilbert foi encontrado de barriga para cima, o que é incomum em vítimas de afogamento, e que seus pertences estavam espalhados ao redor dela, sugerindo que o corpo foi carregado para o local onde foi achado.

Ray destaca que o telefonema de Hackett para Mari Gilbert combina com a tendência conhecida do Serial Killer de Long Island de escarnecer familiares das vítimas. Amanda Bathelemy, a irmã mais nova de Melissa Barthelemy — que desapareceu em 2009 e cujo corpo foi descoberto na busca por Gilbert, um esqueleto amarrado em estopa em Ocean Parkway em dezembro de 2010 — foi atormentada pelo assassino numa série de telefonemas violentos e sexualmente explícitos feitos de lugares ao redor de Midtown Manhattan. Ray também aponta que a segunda chamada feita por Hackett, cinco dias depois do desaparecimento de Gilbert, saiu de uma torre de celular de Nova Jersey, um lugar para onde Hackett negou ter viajado naquela semana.

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Quando depôs, Hackett teria dito que possuía uma licença do DEA marcada com um X, uma designação que permitia a ele prescrever certos opiáceos. Hackett também teria admitido a Ray que consumia regularmente um coquetel de opiáceos e outras drogas. Histórias de vício em opiáceos são comuns em Oak Beach, e Scalise e sua família dizem que Hackett usava seu acesso a essas drogas para viver como um traficante, depois de ter sido demitido do Departamento de Polícia.

Ainda assim, apesar do enorme aquivo de entrevistas de Ray, e com um conjunto de detetives amadores convencidos da culpa dele, perguntas permanecem sobre o envolvimento de Hackett: se a polícia estava mesmo tentando encobrir a identidade do Serial Killer de Long Island, como muitos acreditam, por que eles protegeriam esse homem? Hackett certamente não seria salvo da prisão pelas autoridades: Segundo Ray, ele disse sob juramento que foi demitido do Departamento de Polícia de Suffolk por usar mal seu celular de trabalho e dizer que estava trabalhando quando não estava. Depois da tragédia do Voo 800, quando um avião explodiu espalhando os restos de 230 passageiros por Suffolk em 1996, Hackett envergonhou o departamento ao aumentar seu papel na investigação para os jornais locais. Ele era, citando um oficial do Departamento de Polícia de Suffolk que prefere permanecer anônimo, "um esquilo" — um homem que seria fácil prender sem causar embaraços.

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Finalmente, a esposa, filho e filha de Hackett moravam com ele em Oak Beach na época do desaparecimento de Gilbert, e portanto teriam que ser cúmplices de sua vida dupla. Um segredo difícil para uma família guardar por tantos anos.

A persona pública de Hackett evoluiu nos cinco anos depois do desaparecimento de Gilbert de Oak Beach. O programa 48 Hours Mystery falou com Hackett em frente à sua casa, onde ele negou lembrar de ter ligado para a mãe de Gilbert. O jornalista Robert Kolker, autor de Lost Girls de 2013, um livro centrado nas circunstâncias difíceis que fizeram as vítimas do Serial Killer de Long Beach caírem na prostituição, foi convidado para a casa de Hackett em Oak Beach em dezembro de 2011, muitos meses depois da entrevista dele para o 48 Hours, e o médico negou seu envolvimento no desaparecimento de Gilbert.

Mas em algum lugar no meio do caminho, Hackett parou de falar. O Crime Watch Daily, uma série investigativa, seguiu Hackett até seu carro em dezembro daquele ano, depois de um depoimento para Ray: No vídeo, Hackett parece fingir uma ataque cardíaco depois de ser questionado se era ou não responsável pelas mortes das mulheres encontradas em Ocean Parkway. Logo depois de apertar o peito e cair no chão, o médico entra em seu carro, fecha a porta e faz o sinal da cruz.

Hackett, como outros tocados pelo desaparecimento de Gilbert naquela noite, incluindo Barbara Brennan e Joseph Brewer, se mudaram de Oak Beach, talvez tentando distanciar seus nomes da história que parece nunca esfriar. Entrei em contato com o advogado dele, mas minhas ligações não foram retornadas. Hoje Hackett supostamente vive em Fort Myers, Flórida, e numa viagem mês passado para um outro endereço em Point Lookout, Long Beach, pertencente a mulher de Hackett, Barbara, dei com uma mulher jovem na porta. Quando perguntei se Peter Hackett ou a esposa podiam ser contatados para comentar esta matéria, a mulher me olhou séria.

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"Eles não querem falar sobre isso", ela disse, e bateu a porta.

Gilgo Beach, Long Island. Foto por Laura McClintock

Richard Dormer queria esclarecer mais um detalhe importante.

"O FBI voltou", ele disse, balançando a cabeça sobre um copo de café preto. "Eles não vieram pela primeira vez — eles voltaram."

Há um certo charme brega no ex-comissário de polícia de Suffolk, principalmente em seu sotaque irlandês, remanescente do quando ele imigrou para os EUA em 1958. Dormer mantém a mesma teoria que tinha na época em que estava envolvido diretamente na investigação: Gilbert usou drogas, surtou, correu para o pântano e se afogou. Os corpos encontrados nos anos seguintes foram trabalho de um assassino. O fato de que Gilbert ser uma profissional do sexo e ter morrido perto de onde outras mulheres como ela foram enterradas é uma simples coincidência.

"Ela era um esqueleto", diz Dormer sobre as afirmações de que testes toxicológicos não encontraram traços de drogas no sistema de Gilbert. "Não sobrou muito para testar."

O ex-policial é cauteloso sobre a maneira como seu sucessor cuidou do caso, mas me garantiu que fez de tudo para resolver isso.

"Não vou falar sobre Burke", diz Dormer. "Mas tenho sérias preocupações de que essa investigação pare de repente."

O ex-chefe de polícia de Suffolk James Burke, que subiu na hierarquia na mesma época que Hackett trabalhava do departamento, está ficando sem defensores. Seu julgamento deve ter início em março, por um incidente onde ele teria invadido uma sala de interrogatório e batido num suspeito por roubar uma mochila de seu carro. Dentro da mochila, o ladrão disse ter encontrado brinquedos eróticos, charutos e pornografia hardcore. Burke teria ameaçado o ladrão dizendo que daria a ele um "hot shot", uma gíria para assassinar alguém injetando uma dose fatal de heroína contaminada. Burke também teve um caso com uma prostituta e traficante condenada chamada Lowrita Rickenbacker, que cometeu seus crimes na delegacia onde ele era supervisor.

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O passado violento de Burke alimenta rumores de que ele deliberadamente atrasou a investigação sobre o Serial Killer de Long Beach, depois de assumir o cargo de Dormer. O homem entrou para a polícia como testemunha de um dos casos mais infames de assassinato da história de Long Island: o julgamento de John Pius em 1979. Durante o julgamento, Burke, então com 14 anos, testemunhou contra seus amigos, que tinham sadisticamente matado um garoto de 13 anos enfiando pedras em sua garganta. Muitos observadores questionam o grau em que o jovem Burke poderia ser cúmplice desse crime horrível, dado que ele não interveio no que estava acontecendo. O jovem promotor do caso Pius era Spota, que agora atua como promotor geral de Suffolk County e que facilitou a chegada de Burke até o cargo policial mais poderoso do condado. Jornais locais descrevem o relacionamento de Spota e Burke como carinhosa, e o promotor ajudou Burke a se tornar chefe em 2012.

(O FBI se recusou a comentar se o caso de abuso de autoridade de Burke estava ligada à investigação do Serial Killer de Long Island. O escritório de Spota se recusou a comentar sobre o relacionamento do promotor com Burke. Burke, falando através de seu advogado, Joseph Conway, se recusou a comentar sobre a investigação do Seria Killer de Long Island ou as acusações que ele está enfrentando.)

Timothy Sini, o comissário recentemente apontado para o Departamento de Polícia de Suffolk, comanda a investigação sobre o Serial Killer de Long Island agora. Ele é a terceira pessoa a assumir o caso desde que os corpos foram encontrados em 2010. Numa entrevista por telefone, ele me disse que, além dos federais, dois detetives de homicídio trabalham em tempo integral no caso, e quase uma dezena de outros detetives também colaboram.

"Quaisquer deficiências das investigações passadas serão analisadas e continuaremos em frente", disse Sini, se referindo a Burke. "Não vou amenizar a situação."

Ele expressou otimismo de que o caso possa ser resolvido.

"Ainda recebemos dicas todo dia", ele disse. "Infelizmente, a maioria delas parece envolver mulheres que suspeitam que seus maridos sejam o assassino."

As palavras finais de Sini sobre mulheres suspeitando de seus maridos pode ser uma referência oblíqua a uma mulher de 40 e poucos anos, que me disse ter fornecido um relatório de 80 páginas ao FBI implicando seu marido numa grande conspiração de assassinatos em série, que também envolveria James Burke. Ela diz ter ligado os dois através de um site chamado Utopia Guide, onde homens classificam e discutem trabalhadoras sexuais. A mulher acredita que esses homens realizam festas de sexo sob o nome Carney Construction Crew, e que algumas das mulheres que eles contrataram foram desovadas depois ao longo de Ocean Parkway. Essa teoria sem provas mostra o buraco de minhoca que se formou pelas discussões na internet e em bares locais de toda Long Island.

Alguns acreditam que um famoso empresário de Suffolk, que se matou no aniversário da descoberta dos corpos, cometeu os crimes. Outros insistem que os assassinatos são obra de um culto satânico, ou de um homem que faz filmes snuff. Outros falam sobre festas de sexo aos estilo De Olhos Bem Fechados em barcos, onde homens influentes da política de Suffolk tinham um incentivo para encobrir suas escapadas. Alguns ligam os corpos de Ocean Parkway ao assassinato não-resolvido de quatro mulheres em Atlantic City em 2006. Há uma história impossível de verificar de uma trabalhadora sexual afro-americana que teria escapado de Oak Beach numa noite em 2010, correndo seminua pela estrada, gritando "Eles estão tentando me matar", da mesma maneira que Shannan Gilbert fez na madrugada em que desapareceu.

Tudo muito impressionante, mas nenhuma teoria se mostrou definitiva, ou clara.

Eventualmente, tudo volta para o começo: Shannan Gilbert pegou seu celular para ligar para o 911 da casa de Joe Brewer em Oak Beach, Long Island. Por razões que ninguém consegue explicar, ela sabia que estava prestes a morrer.

Michael Edison Hayden cresceu em Long Island. Seu trabalho já apareceu no New York Times, Foreign Policy, Los Angeles Times e National Geographic, entre outras publicações. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor