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Música

Essa Camiseta É um Resumo da Cultura do Abuso Sexual em Festivais

Por que devemos ficar putos com o cara que usou essa a camiseta "Comer Dormir Estuprar Repetir" no Coachella.

No último fim de semana, meu colega do THUMP Jemayel Khawaja tuítou uma foto de um cara no Coachella que usava uma camiseta que dizia "Eat Sleep Rape Repeat" [Comer Dormir Estuprar Repetir]. O cara tá com um puta sorriso no rosto, parecendo estar muito satisfeito consigo mesmo. Essa celebração nauseabunda de uma cultura de estupro combinada com sua complacência descarada levaram a uma chuva de comentários no Twitter, que acabou virando um tornado viral assim que a foto caiu nas graças de sites como Buzzfeed, Jezebel e outros.

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This guy wins the award for worst fashion/lifestyle choices at @coachella. I'm not easy to offend, but this is shitty pic.twitter.com/fyjod24nAx
— Jemayel Khawaja (@JemayelK) April 12, 2015

Alguns veículos especularam que a camisa fosse obra de Photoshop – não era.

Liguei para Jeymael e soube o contexto por trás daquela agora infame foto: "Eu estava indo buscar uma bebida na cervejaria ao ar livre do Sahara Tent quando vi o cara. Me liguei na hora que tinha que registrar aquilo de alguma forma. Ele pareceu bem empolgadão quando pedi pra tirar uma foto, daí o sorriso do paz".

"Acredite se quiser, uma garota o acompanhava. Ela parecia bem irritada com aquilo tudo e ele fez uma careta pra ela quando pedi para tirar a foto que sugeria que ele se sentia absolvido por estar usando aquilo", comentou Jeymael.

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Muita gente ficou ultrajada com a camisa. Um artigo do LA Weekly de 2013 prova que ela não é a única do tipo, mas já que aparentemente a camiseta não é mais vendida na internet ou em grandes lojas, suponho que esta tenha sido feita em casa. O slogan é uma zoeira com "Eat Sleep Rave Repeat", referência a uma faixa de 2013 de Fatboy Slim e Riva Starr onipresente em merchandising de festivais – algo como o símbolo da Nike do EDM, infinitamente familiar e sujeito a incontáveis variações. A "piada" é que ao se mudar uma única palavra, uma frase que todos conhecem fica estranha, desconfortável – "ousada".

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Aí que o bicho pega com piadas sobre estupro: a maioria delas não é engraçada. Claro que não deveria rolar um banimento sumário de piadas do tipo – otários em defesa da liberdade de expressão, calma aí – porque um dos propósitos essenciais da comédia é abordar as partes mais escrotas de nossas vidas, o que inclui estupro.

Porém, há hora e lugar para se tratar disso. Um festival cheio de gente completamente loka pirando num bass pulsante não se encaixa aí.

Mas, na real, esta camisa imbecil abre portas para que possamos confrontar um problema generalizado – um problema que muitas vezes é deixado de lado por matérias tidas como mais importantes, que surgem durante a temporada de festivais, como overdoses ou quem Madonna está pegando.

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Precisamos conversar sobre o abuso sexual em festivais de música.

Em um acaso completo de timing, a Mixmag publicou um artigo hoje sobre assédio sexual em casas noturnas. "Isto é algo que rola em toda a cultura noturna, de cima a baixo; de grandes casas a festas underground fracamente iluminadas. Acontece com tanta frequência que fazem com que as mulheres creiam que faça parte de uma noite normal; há essa noção de que reclamar é fútil, e todos deveríamos só recuar e aguentar", escreveu Chantelle Fiddy. O mesmo poderia ser dito sobre festivais musicais.

Há exemplos horríveis e mundanos do assédio que as mulheres enfrentam rotineiramente nestes eventos. Lembra das duas mortes ligadas a drogas que dominaram manchetes após o Electric Zoo 2013? Houve outro incidente sobre o qual não falaram tanto assim: uma garota de 16 anos que acordou debaixo de uma van do lado de fora do local do festival, com as calças arriadas e pernas cobertas de hematomas. Ela foi levada a um hospital da região, no qual médicos concluiriam que ela havia sido estuprada.

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Felizmente, ataques como estes são anomalias. Mas mulheres em festivais, muitas vezes, ainda se sentem desconfortáveis e violadas o tempo todo – seja um cara te apalpando enquanto passa pelo meio da galera, seja um cara fazendo comentários sobre seu corpo ou interpretando seu jeito de dançar como um convite à passada de mão sem consentimento.

Esta foto no Gothamist de Mysteryland do ano passado é um exemplo de quão normalizado tornou-se o abuso sexual na cultura dos festivais: quando uma mulher subiu em cima de um das caixas, tornou-se alvo de palmadas e apalpadas de completos estranhos.

(Foto por Tod Seelie / Gothamist)

O fotógrafo que registrou o momento relembra o ocorrido:

A reação dela foi simplesmente soltar um olhar de desgosto e descer pelo outro lado, oposto de onde estava o cara que a agarrou. Ela não falou nada. Se houveram outras reações, foram sutis demais para serem notadas. Vale mencionar que um pouco antes um cara havia lhe dado umas palmadas antes do outro meter a mão e ela não pareceu reagir/se importar com isso. Mas o cara ter lhe apalpado, pelo visto, foi demais.

O que me chama mais atenção nesse caso é um detalhe: "Ela não falou nada". É a mesma ambivalência por trás de uma pesquisa citada pela Mixmag que descobriu que "de 1.198 mulheres pesquisadas, entre 18-24 anos de idade, quase um terço havia sido apalpada ou teria recebido atenção física indesejada durante uma noitada com álcool. Infelizmente, apenas 19% destas mulheres ficaram surpresas com o que aconteceu".

Esta falta de surpresa é preocupante. A cultura do sexo e hedonismo que torna os festivais tão divertidos não deveria ser uma desculpa conveniente para abuso sexual ou a promoção da cultura do estupro. Como Fiddy escreveu, "se as mulheres não conseguem respeito nem mesmo na pista de dança, como a cultura das casas noturnas poderia mudar?".

O choque e ultraje que explodiu na rede depois da foto da camiseta "Eat Sleep Rape Repeat" nos faz lembrar que é assim, com indignação, que deveríamos reagir. Mas há uma razão pela qual aquele cara se sentia confortável o suficiente para usá-la em um festival – ele sabia que boa parte das pessoas ficariam "de boa" e poucas lhe confrontariam. Isso tem que mudar.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva