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Muitos idosos japoneses preferem a prisão em vez da solidão e da insegurança do mundo exterior

A indigência, a falta de família, de amigos, de morada permanente e uma alienação social cada vez maior, são razões determinantes para que se cometam crimes menores.
Fotografia: PekePON (Wikimedia Commons)

De acordo com as últimas estatísticas 25% da população prisional japonesa tem mais de 60 anos. Ainda que o país tenha uma criminalidade baixa e as prisões estejam a 70% da sua capacidade, o investimento público para as instituições penitenciárias continua a subir. Muitos idosos japoneses preferem a prisão em vez da solidão e das insegurança do mundo exterior. O kodokushi, a morte solitária, ignorada pelos familiares e pelos vizinhos durante semanas, é um fenómeno frequente. A indigência, a falta de família, de amigos, de morada permanente e uma alienação social cada vez maior, são razões determinantes para que se cometam crimes menores. Uma série de entrevistas conduzidas pela polícia de Tóquio a cerca de 200 ladrões, com mais de 65 anos, mostrou que 24% falou sobre a "solidão" como a principal motivação. A segunda motivação, que constitui 8%, foi a apatia e a falta de interesse pela vida. Um dos criminosos contou que tinha apenas 21 ienes no bolso, cerca de 0,15€. Este fenómeno ocorre dentro de um cenário demográfico preocupante. Se a taxa de natalidade continuar a diminuir e o Japão a envelhecer, os actuais 120 milhões de japoneses, segundo estimativas da ONU, serão reduzidos para cerca de 100 em 2050. Sem imigrantes - dos quais o país precisaria mais de 17 milhões entre 2005 e 2050 para manter os seus níveis de população e de produtividade inalterados - a situação pode ficar ainda pior. Com uma esperança média de vida de 84,6 anos, o aumento da pobreza que afecta a população com mais de 55 anos - causada pela longa estagnação económica e a maior dívida pública do mundo, que ascende a quase duas vezes e meio o PIB - provoca que cada vez hajam mais pessoas em situação de pobreza. Uma proporção crescente de maiores de 65 anos recebe subsídios, e um relatório de 2012 do Ministério do Trabalho indica que o número absoluto de beneficiários com direito a assistência social é maior do que nunca. Já em 2010, o Ministério da Justiça investiu cerca de 100 milhões de dólares para modificar as distribuições pelos institutos penitenciários e receber prisioneiros cada vez mais idosos. Projectos piloto, como a distribuição de prisioneiros entre 60 e 89 anos na cidade de Onomichi, no sul do país, que tem as mesmas regras severas que nas outras prisões - proibição de conversa, trabalho forçado, entre outras -, prometem ser precursores de uma forte tendência nacional. Com relativa segurança, a prisão parece ser mais animadora do que o mundo exterior. A taxa de reincidência é de 43%, a segunda mais alta do mundo. Os serviços sociais do Japão exigem uma morada permanente para que a pensão seja atribuída. Enquanto isso, a liberdade condicional depende da possibilidade de atribuir ao condenado um guardião, geralmente um parente. Os ex-prisioneiros sem família ou agregado familiar não cumprem os requisitos e acabam por reincidir. Paradoxalmente, o código penal japonês prevê sanções mais graves e duradouras para os reincidentes, mesmo sendo crimes menores. Isto resulta em estadias mais longas na prisão. Ainda assim, nem sempre a reincidência criminal por parte das pessoas mais velhas é traduzida em crimes menores. Em 2006, um ex-prisioneiro de 74 anos ateou fogo à estação de comboios de Shimonoseki, causando danos no valor de 4 milhões de dólares. Ao falar das suas motivações, ele disse que só queria voltar para a prisão porque não tinha para onde ir. Este fenómeno tem fortes implicações sobre a economia e as obras públicas. O Estado gasta 3,2 milhões de ienes por ano - quase 24 000 euros - por cada preso, o dobro do que gastariam em subsídios por cada cidadão em liberdade. Os gastos sanitários para os presos subiu para 6 mil milhões de ienes - ou 45 milhões de euros - em 2015, o dobro dos níveis de 2003. O investimento, embora seja enorme, não parece ser suficiente. Um relatório apresentado à Dieta japonesa - o parlamento da nação - denunciou na semana passada uma forte escassez de médicos prisionais. Dos 327 médicos que este circuito precisa para funcionar de forma eficiente, apenas 252 são empregados pelo Estado. De acordo com o Ministério da Justiça, 34 das 158 prisões de todo o país não empregam qualquer médico. Jean-Marie Bouissou - historiador da Sciences Po Paris, agora em Tóquio - disse à VICE News que o "[rápido] envelhecimento da população, nas prisões e na sociedade em geral, é peculiar ao Japão", mas que "A baixa natalidade é predominante em economias desenvolvidas, como a Alemanha e a China." Bouissou explica que como consequência, os sectores da economia - tais como a robótica, que procuram soluções alternativas para os lares de terceira idade - vão continuar a crescer com uma projecção de 20 mil milhões de dólares nos próximos anos. O Japão tem uma das taxas de encarceramento mais baixas do mundo, com apenas 49 presos por cada 100 mil habitantes. A Espanha tem 141 e os EUA 698. Embora o crime e a população prisional sejam relativamente baixas, o Japão foi denunciado várias vezes pela Amnistia Internacional pelo tratamento que o sistema prisional dá aos deficientes mentais e aos condenados à morte, que são executados em segredo. Segue Donato Paolo Mancini no Twitter.

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Este artigo foi inicialmente publicado em VICE News.