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O Ataque ao Shopping Westgate no Quênia Mostrou o Desespero do Al-Shabaab

O descontrole do grupo que conseguiu realizar um ataque espetacular e trágico no coração de uma das maiores cidades africanas.

Todas as fotos por Alex Chitty.

As coisas andam extremamente difíceis para os habitantes de Nairóbi, no Quênia. No dia 21 de setembro, 10 ou 15 terroristas armados – muito provavelmente do grupo islâmico somali al-Shabaad – tomaram o controle do Westgate, o maior shopping center da cidade. Durante um cerco caótico de três dias, com boa parte da mídia mundial acampada do lado de fora, os terroristas mataram pelo menos 61 reféns civis e seis membros das forças de segurança queniana.

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Finalmente, depois de muitos tiroteios esporádicos e confusão frenética, o presidente queniano Uhuru Kenyatta anunciou o fim do cerco. Três andares do shopping foram reduzidos a escombros (aparentemente, graças às técnicas de “resgate” usadas pelas Forças Especiais Quenianas) e o maior medo dos especialistas que alertavam sobre esse tipo de ataque se concretizou: o al-Shabaab, um grupo anteriormente limitado à sua área local na Somália, conseguiu realizar um ataque espetacular e trágico no coração de uma das maiores cidades africanas.

Quando cheguei ao shopping no dia 27 de setembro, durante uma rápida viagem a Nairóbi, boa parte da ação já tinha acabado. Só os restos das equipes de notícia estavam na área de imprensa improvisada, analisando os eventos dos dias anteriores a cada meia hora. O clima geral entre a imprensa era de desapontamento; um repórter holandês me disse: “A pior coisa é que o prédio parou de soltar fumaça, então não há mais nada para filmar – é um saco".

Os locais, no entanto, continuam chocados com os eventos; um deles me disse que já esperava um ataque do al-Shabaab na cidade, mas nunca imaginou nada como um cerco sangrento de três dias. O principal necrotério da cidade estava lotado e uma série de cortejos fúnebres complicou ainda mais o trânsito pesado de Nairóbi. Os policiais do lado de fora do shopping estavam nervosos, um deles gritou para que eu fosse embora quando me aproximei (apesar de outros estarem ansiosos para posarem para fotos). Nem preciso dizer que minhas negociações para entrar no prédio não funcionaram.

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O incidente pontuou o que parece ser um grande fracasso da inteligência queniana nos últimos anos. Assim como o homem com quem conversei do lado de fora do shopping, especialistas já se preocupavam com um ataque a Nairóbi há meses e esse cerco sugeriu uma ambição internacional crescente do al-Shabaab. Até recentemente, acreditava-se que o grupo estava em declínio terminal, perdendo territórios na Somália em 2012 e centenas de seus estimados 5 mil combatentes para operações de paz da União Africana no País Mais Perigoso do Mundo.

Mas enquanto o al-Shabaab perde poder e influência na Somália, o grupo parece estar mudando de tática. O número de ataques terroristas (em oposição a manobras militares mais convencionais) em Mogadíscio, a capital, parece estar crescendo e o ataque ao Westgate foi o mais mortal deles, apesar de ter acontecido fora de seu território. Não contentes em apedrejar mulheres adúlteras, recrutar soldados-mirins e tomar meninas como “esposas”, eles também querem estabelecer um califado por toda a África, unindo-se a seus irmãos muçulmanos no Oriente.

Ironicamente, o grupo mais afetado pelo ataque talvez tenha sido a enorme população somali no Quênia, que, em geral, odeia o al-Shabaab mais do que tudo. Desde o começo da guerra civil que consumiu a Somália em 1991, mais de um milhão de somalis fizeram do Quênia sua casa – muitos como refugiados no maior campo de refugiados do mundo e muitos em Eastleigh, um subúrbio de Nairóbi (e um gueto somali batizado em homenagem a uma cidadezinha arborizada de Hampshire, Inglaterra).

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Os somalis de Eastleigh e outras partes já sentiram o abalo secundário dos ataques. Meu amigo Mohamed, um somali que divide seu tempo entre Nairóbi e Mogadíscio, foi barrado no aeroporto da cidade enquanto tentava deixar o país. Graças a seu visto da ONU, ele conseguiu seguir viagem. Mas muitos de seus amigos foram xingados no aeroporto e impedidos de embarcar nos (caros) voos de volta a Mogadíscio. Outros tiveram problemas para tirar vistos de saída, o que significa atrasos e mais voos cancelados.

Mohamed disse que os residentes de Eastleigh estão preocupados com represálias. Outros relataram abusos em público, um crescimento na abordagem e revista de somalis em toda Nairóbi, e um aumento no número de policiais patrulhando Eastleigh. Eles se preocupam, segundo Mohamed, que esse tipo de coisa só aumente com o tempo – ataques do al-Shabaab em menor escala em anos recentes já vinham resultando em violência e intimidação contra a comunidade somali.

Segundo um especialista, o ataque pode ter sido planejado exatamente para inciar um conflito entre somalis e quenianos em Nairóbi. Até agora, segundo a lógica, o al-Shabaab tinha evitado atacar os quenianos para prevenir hostilidade contra os somalis que vivem no país, porque isso poderia causar uma banho de sangue entre os terroristas e seus compatriotas.

Agora, com o al-Shabaab desorganizado e em pânico, eles estão prontos para atacar, independente das consequências. O al-Shabaab pode querer jogar quenianos contra somalis, promovendo o conflito entre eles e se retratando como a única coisa capaz de proteger os somalis da violência dos não crentes em Eastleigh e em todo o Quênia. Para impedir isso, os quenianos precisam controlar a retórica contra os somalis e o racismo.

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O próximo estágio aqui é uma prolongada discussão sobre se o al-Shabaab “representa uma ameaça ao Ocidente”. É provável que não. Westgate foi um golpe organizacional para o al-Shabaab (parece que eles conseguiram alugar um espaço no shopping para preparar o ataque), mas o local fica a apenas alguns quilômetros da fronteira porosa entre os dois países.

Os peritos internacionais não têm realmente com o se preocupar. Fora o trabalho dos pacificadores na Somália, o maior problema do al-Shabaab é a boa vontade do povo somali, que, em sua maioria, quer voltar para casa em paz e viver sem a interferência de cultos lunáticos. E o número desses somalis cresce constantemente, enquanto o al-Shabaab parece cada vez mais fragmentado e assustado. O grupo ainda é extremamente perigoso na Somália e além, mas seus dias estão definitivamente contados.

Siga o Alex no Twitter: @alexchitty

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