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Games

Zoe Quinn contou como é ser alvo de todos os trolls da internet

Recentemente, a desenvolvedora de jogos foi vítima de ataques misóginos no Twitter acusando-a de dormir com jornalistas em troca de boas resenhas.
zoe quinn

Passei alguns dias tentando agendar uma conversa com Zoe Quinn, a desenvolvedora de videogames que teve a vida pessoal transformada num gatilho para milhões de discussões sobre misoginia na indústria dos games. Contatá-la não foi fácil. Mesmo depois que ela me disse que podíamos conversar por telefone, eu sabia que estava ligando para um número que tinha sido vazado na internet, então atrasos seriam compreensíveis. Eu também seria cuidadosa se fosse ela. Para piorar ainda mais, algumas semanas antes eu tinha escrito um artigo sobre o ex-namorado dela, um cara que eu pensava ser apenas um nerd jovem e ingênuo, mas que foi capaz de fazer algo escroto como escrever uma postagem do tamanho de um romance xingando Quinn em seu blog.

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Quando finalmente conseguimos nos falar por telefone, ela parecia apreensiva. “Ainda estou ficando na casa de várias pessoas, porque as ameaças continuam chegando. Amigos e familiares estão sendo alvos também”, ela informou. Quando perguntei se estava trabalhando, ela avisou que estava começando – e que isso era “um enorme alívio”.

Se você não ouviu falar no #Gamergate, não te culpo. Agosto foi um mês péssimo para videogames e gamers. Se alguma parte desse lixo chegou até seu feed de notícias, mesmo que você não ligue muito para o mundo dos videogames, foi porque gamers homens estavam se juntando contra gamers feministas por alguma razão. Esse é o tipo de história que a maioria das pessoas evita, algo que combina o aspecto “vergonha de ser humano” de um escândalo de estupro numa faculdade com o “não tenho nenhuma referência sobre isso” de uma disputa dentro da indústria de gestão de resíduos.

Mas a notícia tem se desenvolvido rapidamente e estremeceu a internet, considerando que surgiu do ódio online de um bando de moleques cagados. As ondas de choque estão começando a ser sentidas, e o significado disso está no cerne da indústria dos videogames. Quinn disse que o escândalo “se metamorfoseou em outra coisa. Isso atraiu pessoas bem intencionadas, que se preocupam com ética e transparência, para o meio de uma turba cheia de ódio que já existia. E agora não tenho certeza do que isso se tornou”.

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As sementes do #Gamergate foram plantadas no começo do ano passado, quando um jogo indie chamado Depression Quest recebeu boas críticas apesar da falta de metralhadoras e da ênfase em sentimentos em vez de alienígenas tentando te destroçar. Os gamers já franziram a testa para coisas assim antes, e houve uma reação negativa limitada ao Depression Quest. Alguns deles até partiram para a agressão verbal, mas isso não mereceu manchetes no mainstream. Mas, meses depois, quando um blog criticou Quinn como uma figura de “corrupção”, que transou com várias pessoas para ganhar críticas positivas para seu jogo, o mundo dos videogames teve seu “momento Benghazi”.

O ódio que surgiu quando Zoe Quinn foi – provavelmente de maneira falsa, não que isso importe – acusada de transar com jornalistas especializados para conseguir boa publicidade (uma série de eventos conhecidos online como “Quinnspiracy”) transformou #Gamergate na senha que fez os gamers misóginos de sofá liberarem sua raiva adolescente das mulheres, defendendo a pureza do jornalismo especializado em videogames.

E as reações às alegações contra Quinn foram destemperadas, para dizer o mínimo. Todo fórum online de discussão de videogames voltou seu foco temporariamente para o escândalo, se é que podemos chamar assim. Os maiores e mais imaturos crianções do mundo dos gamers antes direcionavam sua raiva misógina para Anita Sarkeesia, uma feminista que apresenta uma série sobre videogames. Ameaças e abusos contra Sarkeesian e outros guerreiros da justiça social (GJS) têm sido um constrangimento de que todo jogador são tenta se distanciar. Quando a Quinnspiracy estourou, o ódio contra as mulheres tinha de repente um componente moral. Todo o movimento GJS era uma fraude, e ela era a prova viva disso.

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A horda de adolescentes revoltados se expressou como sempre, com piadas sobre estupro no Twitter, postagens em fóruns a chamando de vadia e mansplanations épicas no YouTube. A vastidão do movimento para desacreditá-la era imensa. “Eles usaram técnicas de astroturfing para fazer várias contas no Facebook, todas tuitando entre si, angariando essa falsa sensação de movimento de base, para fazer algo parecer maior do que é. E isso te atinge como um maremoto”, ela lamentou.

Isso provocou certa cobertura da mídia, incluindo, algumas semanas depois, a minha. Apesar de tentar dar ao ex dela o benefício da dúvida no artigo, eu mesma experimentei um pouco do que começou a ser chamado de “brigada do avatar de anime” no meu próprio Twitter. A pequena infestação de trolls na aba de notificações do meu perfil provavelmente foi brincadeira de criança perto do que aconteceu com Quinn.

“Tenho essa política de tentar envolver as pessoas, mesmo se elas estão sendo completamente babacas, no caso de ninguém ter dado uma chance a elas antes”, disse Quinn, acrescentando que “eu nunca tinha bloqueado ninguém no Twitter antes disso”.

Mas o tipo de comentário de internet menos público e mais anônimo extrapolou o destempero e atingiu o chocante. Foi aí que a mídia mainstream se envolveu. Esses subgrupos de adolescentes começaram a falar merdas realmente assustadoras. Um usuário do 4chan escreveu: “Da próxima vez em que ela aparecer numa convenção, nós […] vamos machucá-la de um jeito que ela nunca se cure completamente […] uma boa lesão nos joelhos. Eu diria uma pancada no cérebro, mas não queremos que ela acabe retardada demais para ter medo da gente”. Linguagem como essa também foi usada em contas-fantoche no Twitter, mas a maioria desses tuítes foi deletada e as contas, banidas.

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Em algum ponto, essa linguagem abusiva e retórica violenta podia, talvez, em algum universo, ter sido descartada pela comunidade dos games com alguma defesa do tipo “coisa de menino”. Até consigo imaginar isso acontecendo. No entanto, no fim do mês passado, as informações pessoais de Quinn caíram nas mãos dos adversários, e a pior parte do assédio passou da internet para a porta da casa dela. Foi aí que ela precisou sair de casa e pedir abrigo para amigos, temendo por sua própria segurança.

Mas ela não estava só se escondendo embaixo da cama com medo dos malvados da internet. “Eu estava monitorando a progressão dessa turba que acabou se metamorfoseando no #GamerGate”, informou. E ela não estava apenas espionando para se preparar; Quinn também disse que estava “gravando tudo, se escondendo em salas de bate-papo, silenciosamente recolhendo logs e documentando a evolução. Isso começou como uma campanha de assédio e se transformou em algo inteiramente diferente”.

O próximo passo foi usar toda essa informação para acabar com o assédio. “Esperei até a hora certa e postei uma pequena fração dos logs que eu tinha coletado nas últimas três semanas, meio que expondo a verdadeira face disso. Alguém coletou todos esses tuítes num link e chamou isso de #GameOverGate”, relatou.

Ela também informou o FBI sobre o que tinha encontrado. “Repostar informações pessoais com ameaças elaboradíssimas de estupro e morte. Perturbação da privacidade com ligações de assédio. Eles chegaram a pedir que colegas meus enviassem fotos nuas minhas para distribuir isso ilegalmente. Eles falavam abertamente em me hackear, o que costumamos nos referir como 'black hat'.”

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A maré mudou depois do #GameOverGate. Ficou claro que isso não era uma batalha entre vadias da autopromoção e santos desenvolvedores e jornalistas de games, criando e promovendo jogos honestos de guerra com a consciência inteiramente limpa. Algo estava palpavelmente diferente nas discussões de internet sobre essa questão. Na quarta-feira, um subreddit chamado “Gaming4Gamers” estava sendo promovido na primeira página do Reddit, se descrevendo como uma “comunidade baseada em discussões de mente aberta” e com “camaradagem acima da competição”. Pelas regras do grupo, a comunidade parecia um lugar amigável e tolerante. Perguntei a Quinn se ela estava otimista com sinais assim. “Vou cruzar os dedos e continuar otimista”, ela frisou. “Às vezes tenho fé e às vezes fico exausta de ter que lidar com a mesma merda de novo e de novo.”

Se eu estivesse no lugar dela, eu já teria largado o mundo dos videogames há muito tempo, então entendo seu otimismo cauteloso. Mesmo durante nossa conversa, ela sempre se cortava quando achava que ia pisar em outra mina terrestre no discurso. “Games como mídia e como forma de arte, ou seja lá como você queira chamar isso… Eu sei que só por dizer que videogames são uma forma de arte, as pessoas vão ficar emputecidas”, destacou, antes de conseguir expressar seu pensamento. “Adoro o potencial disso e quero ver aonde os videogames vão chegar. Espero que possamos parar de pressionar tanto para que tudo continue do mesmo jeito para sempre.”

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Será que os gamers hardcore podem se dar bem com jogadores alternativos? Quinn espera que sim. “Os caras hardcore vão dizer: 'Só quero jogar videogames! Não quero falar sobre essas questões sociais!'. E eu digo: 'As pessoas que fazem jogos são um tanto artísticas e não tradicionais mesmo, e elas só querem poder fazer os jogos delas em paz também'.”

Não é uma ideia tão absurda, mas jogos como Depression Quest, sendo visto como um dos competidores sérios para prêmios e recebendo elogios geralmente reservados para games como Bioshock, apresentam um desafio para a identidade gamer. “É como se as pessoas que fazem coisas diferentes fossem uma ameaça, quando todo mundo quer simplesmente fazer suas próprias coisas.”

“Eu realmente gostaria que, em vez de serem defensivas e hostis, as pessoas pudessem, talvez, ouvir mais as outras”, ela continuou. Agora essa é uma ideia absurda.

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Tradução: Marina Schnoor