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Quando os Gangueiros São (Principalmente) Brancos

O estudioso e especialista em gangues e armas, Harold Pollack, acredita que nossas expectativas quanto à raça e à localização geográfica de criminosos nos fazem ver as gangues de motoqueiros mais como uma “curiosidade” do que uma ameaça.
Autoridades locais investigam as consequências do tiroteio de domingona cidade de Waco, Texas. (AP Photo/Jerry Larson)

Matéria publicada em parceria com o Marshall Project.

Se você achava que gangues de motoqueiros violentos eram coisa da era Altamont, o tiroteio de domingo num restaurante de Waco, Texas, deve ter sido um choque. Uma rixa antiga entre Bandidos e Cossacks acabou em troca de tiros. Quando a polícia chegou à cena, os membros das gangues atiraram neles também, deixando nove motoqueiros mortos, 18 pessoas feridas e 170 suspeitos sob custódia da polícia. Mais de 100 armas foram apreendidas.

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A escala do incidente supera qualquer confronto típico entre gangues, informa Harold Pollack, codiretor do Crime Lab da Universidade de Chicago e especialista em gangues e armas. Ele acredita que, no caso de Waco, nossas expectativas quanto à raça e à localização geográfica de criminosos nos fazem ver as gangues de motoqueiros mais como uma "curiosidade" do que uma ameaça.

Dava Goldstein: Como o tiroteio em Waco se difere da violência de gangue que você estuda em Chicago?
Harold Pollack: Nunca encontrei um incidente de gangue em Chicago remotamente parecido com isso. O número de perpetradores envolvidos – sem falar nas nove mortes – excede muito os típicos tiroteios urbanos relacionados a gangues. Um incidente relacionado a gangues assim talvez pudesse acontecer em Chicago décadas atrás. Mas isso foi quase uma batalha campal. Nunca ouvi falar em nada assim. Se esses membros de gangue não fossem brancos, isso seria caso para pânico nacional.

Uma das partes mais chocantes desse incidente é que, depois que a polícia chegou, houve troca de tiros entre os membros das gangues e as autoridades.
Gangues urbanas e organizações criminosas raramente entram em confronto direto com a polícia. E elas têm acesso a armamento poderoso. A polícia do país encontra regularmente grandes esconderijos com AR-15s e outros armamentos nas cidades. Mesmo quando eles chutam a porta de um esconderijo ou uma boca de fumo na cidade, as armas são deixadas onde estiverem. Elas não são usadas para atacar a polícia. As pessoas que atacam a polícia geralmente estão encurraladas ou com sérios problemas mentais.

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Essas gangues de motoqueiros têm uma longa história de crime organizado. Elas começaram com veteranos traumatizados retornando da Segunda Guerra Mundial. Hoje, essas gangues ainda atuam como um tipo de milícia particular, que a polícia nem sempre consegue controlar, patrulhando festivais e outros eventos. Por que não prestamos mais atenção neles?
Geografia pode ser parte da resposta. Não há muitas gangues de motoqueiros fora da lei no Brooklyn gentrificado ou em outros centros da mídia. Claro, o número de mortes é mais baixo no geral com esses grupos. Você não tem o dilúvio diário de homicídios do modo como isso acontece em Chicago. Mas acho que nossa visão sobre crime urbano é muito enquadrada por raça e desigualdade. Quando a criminalidade não parece relacionada a esses fatores, isso não atinge nosso receptor de dopamina nacional do mesmo jeito. As pessoas tendem a ver essas gangues de motoqueiros mais como um tipo de curiosidade.

Mas os motoqueiros são um problema real, na sua opinião?
Não sei. Algumas gangues de motoqueiros vendem muita metanfetamina e estão envolvidas na distribuição de outras drogas. Há algo muito Rolling Stones 1971 nessa cena. Quase não consegui acreditar quando li as notícias.

Mais gangues de motoqueiros? Assista a nosso documentário sobre uma gangue de ex-nazistas.

A polícia de Waco recuperou 100 armas. Essa concentração de armamento é algo que você já viu em Chicago?
Temos um desafio amplo com armas ilegais, mas 100 armas em uma cena de crime são absolutamente marcantes.

Como as armas atuam no incidente de Waco em comparação com a violência armada urbana? No Texas, é legal carregar uma arma oculta licenciada desde 1995. Na segunda-feira, um dia depois do tiroteio, o Senado do Texas debateu uma lei que permitiria carregar armas abertamente, o que poderia impedir a polícia de pedir a licença a alguém armado.
Uma regulamentação mais severa do mercado underground de armas, evitando que pessoas perigosas tenham acesso a armas, seria muito útil. Você faz isso através de aplicação da lei e intervenções políticas para bloquear o acesso entre pessoas que já são "detentores proibidos": legalmente impedidos de possuir armas. Nenhuma outra estratégia vai abordar dramaticamente o problema. Mas um sistema de verificação de histórico melhor e várias estratégias de policiamento parecem prometer deter esse tipo de crime. Assim como leis que impeçam que armas ilegais sejam carregadas nas ruas ou até um bar, no caso das pessoas armadas se envolverem numa briga.

Os Bandidos são uma organização internacional. Um tiroteio entre eles e os Hell's Angels aconteceu em 1996 em Copenhague. Alguma gangue em Chicago tem afiliados tão distantes?
Sim. Algumas têm conexões distantes, particularmente nas Américas do Sul e Central. Isso é um subproduto inevitável do mundo globalizado.

Entrevista realizada por Dana Goldstein para o Marshall Project, uma organização de notícias sem fins lucrativos sobre o sistema de justiça criminal americano. Assine a newsletter deles, ou siga o Marshall Project no Facebook ou no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor