FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

“Corrida Contra o Destino” Foi o Filme que me Fez Querer ser Consumido nas Chamas da Glória

Joel Golby fala do pacto de morte entre Richard & Judy retratado no cult de 1971.

Richard Madeley e Judy Finnegan têm um pacto de morte. Claro que eles têm. Claro que eles vão cumprir. Se algum casal na face da Terra tem um pacto de morte pra valer, são o Richard e a Judy. Não existem duas pessoas no mundo mais destinadas a acabarem uma com a outra. É só olhar nos olhos deles pra ver o desejo ardente de matar a pessoa que eles mais amam.

Quando penso no Richard matando a Judy, o que acontece com frequência, eu fico triste por ele. Richard Madeley, correndo sem camisa pela floresta escura com um machado. Richard Madeley, misturando ricina no chá matinal da Judy. Richard Madeley, rugindo de raiva, enquanto os braços da Judy ainda se mexem debaixo do travesseiro.

Publicidade

Mas nunca consigo pensar na Judy matando o Richard. "Se a Judy estivesse realmente doente e racional", ele contou ao Telegraph em maio passado, "eu não daria a mínima para ser processado. Eu faria o que é certo para minha esposa." Richard atira uma flecha a longa distância. Richard caminha pela calada noite depois de colocar fogo em sua casa. Richard usa a pele ainda quente de Judy como casaco. Richard grita "NÃO DOU A MÍNIMA" no vento da noite.

Mas é claro que a Judy vai dar para trás no último minuto, né? "Já carreguei a arma, Judy", diz Richard pelo vocoder que substituiu grande parte da sua garganta cancerosa. Estamos em 2054, e ele está cansado. "Faz essa porra logo." Não. Então, o plano B do Richard, como ele disse ao mesmo jornal, é: "Para mim, seria a sala trancada, uma garrafa de uísque e um revólver. Eu não ia brincar com isso".

Por isso, acho que Richard Madeley viu Corrida Contra o Destino no mesmo ponto crucial da vida que eu.

Vou explicar. Corrida Contra o Destino, para quem não sabe, é um filme sobre um cara que dirige um carro. Era 1971, você podia fazer um filme assim. "Cara dirige por aí por 90 minutos" era uma sinopse legítima. E, o que é pior, foram necessárias duas pessoas para pensar nisso: uma pra bolar o esboço da história – "Ok. E se esse cara tem de dirigir um carro até algum lugar? Por 90 minutos?" – e outra pra escrever o roteiro – "EXT: Abrimos com o CARA DIRIGINDO O CARRO. Ele parece TRISTE. Ele dirige a toda velocidade até DOIS BULDÔZERES".

Publicidade

Sim, é assim que o filme acaba: o cara dirige por 90 minutos, emputecendo a polícia; depois, bate de frente em dois buldôzeres que a polícia colocou para bloquear a estrada. A primeira coisa que você diz quando seu herói, Kowalski, bate naqueles tratores e explode numa bola de fogo é: "Quê? Por quê?". Aí você rebobina a fita. "Por quê? QUÊ? POR QUÊ?" Aí você rebobina de novo. E aí você volta pro começo, assiste a Corrida Contra o Destino outra vez e tenta imaginar o que levou esses dois seres humanos a escreverem uma roteiro tão óbvio e besta.

Então, o filme vira uma questão de se decodificar o que fez o Kowalski querer bater o carro nos dois buldôzeres, uma história contada através de flashbacks desconexos. Tem uma parte em que ele era policial? Uma parte em que ele era um piloto da NASCAR que sofreu um acidente? E uma parte em que ele está dormindo de conchinha com uma mina hippie numa cabana na praia? Acontece que essa mina, que parece curtir muito cicatrizes, era a namorada do Kowalski. E ela morre momentos depois, quando sai para dar uma surfada pós-coito e é atingida por uma onda – o que é a morte mais anos 70 da história, fora morrer na explosão de uma lâmpada de lava.

Uma das escolas de pensamento dos principais estudiosos de Corrida Contra o Destino postula o seguinte: Kowalski não está apenas vingando a morte de sua namorada hippie ao bater em dois tratores com seu Dodge Challenger; na verdade, ele está fugindo de uma série de decepções que marcaram sua vida como ex-veterano de guerra, um policial que caiu em desgraça e um piloto de corrida reduzido a entregador de carros pelo país. Ele é – num tipo de metáfora elaborada – levado à morte. Para essas pessoas, só digo isso: vocês estão pensando demais.

Publicidade

Corrida Contra o Destino tem uma sequência de oito minutos na qual Kowalski conversa com um caçador de cascavéis, uma sequência que está ali claramente só para encher linguiça até a marca dos 90 minutos. Quando o Cara das Cascavéis vira seu cesto de cobras no meio do deserto, o filme entra em câmera lenta só pra fazer a sequência durar mais. Corrida Contra o Destino tem tantas cenas do cara dirigindo na estrada que, quando ele não está dirigindo, o público fica imediatamente entediado. Como as cenas toscas da investigação da polícia ("Vamos segui-lo", um policial diz. "Com computadores." Aí tem uma sequência de um quadro de cortiça cravejado de luzinhas de LED) e da parte da garota pelada andando de moto, o que nem chega perto de ser uma cena.

Em outra parte, o chefe de polícia pergunta, furioso: "O que está acontecendo aqui?". E, em vez de alguém pegar o rádio e dizer "ELE CONTINUA VIRANDO ESQUINAS, E ESSE É UM CONCEITO COM O QUAL NÃO CONSEGUIMOS LIDAR", um oficial mais novo manda a mensagem: "Chefe, o perdemos". Há uma grande revelação aqui. Não há metáfora. Os dois roteiristas (DOIS) ficaram sem ideias depois dos primeiros quatro minutos de filme, claramente desperdiçando todas as coisas boas com diálogos do tipo:

CARA BIZARRO DE CAMISA ROSA: Tem algo errado?

KOWALSKI: Por quê? Deveria?

CBCR: É que você está tão quieto. E temperamental.

K: Bom, talvez seja só minha natureza.

[OS DOIS ficam se olhando NUM SILÊNCIO INTENSO]

Publicidade

CBCR: Por que você está rindo?

K: Não estou rindo.

CBCR: Está sim. Bem lá no fundo.

Pura e simples conversa pra boi dormir. Mas Corrida Contra o Destino não é sobre palavras ou sobre história. É sobre pores do sol cor-de-rosa. Asfalto fresco. Um DJ incrível que é cego. Rock licks insanos. Uma corrida da NASCAR que não tem razão nenhuma de ser. Rampas feitas de lama. Fazer policiais de moto caírem e exclamarem, alternadamente, "Ai!" e "Maldito!". Uma corrida improvisada, que Kowalski vence (fazendo uma manobra louca na qual ele troca a marcha no momento exato) de um jeito tão foda que o cara grita "Bastardo" e cai com seu carro num rio. Você é jovem? Você é livre? Você tem costeletas que podiam acarpetar um cômodo pequeno? Então, você é o Kowalski, cara. Somos todos Kowalski.

Eu queria ser o Kowalski quando eu tinha 13 anos, principalmente por causa das costeletas, que eu não conseguia deixar crescerem na época e que tenho dificuldade até hoje. Tenho a memória vívida de assistir a Corrida Contra o Destino, tarde da noite, no ITV2 (isso foi na era de ouro da ITV2, acredite, antes daquele cara pescoçudo, que não devia usar gravata borboleta, mas que insiste nisso mesmo assim, ficar meia hora rindo do próprio peido, enquanto uma de suas colegas tatuava a sobrancelha). Eu estava sozinho em casa, tomando um refrigerante WKD e comendo uma pizza metade atum e milho, metade mortadela. Acho que eu estava usando uma calça de pijama cinza, se isso te ajuda a formar a imagem.

Publicidade

Bom, eu estava procurando alguma coisa para ver depois de Robot Wars e achei Corrida Contra o Destino, que me fisgou na hora. Adorava que a polícia nunca se dava ao trabalho de perguntar por que ele não pode parar o carro antes de embarcar numa caçada nacional ou de como eles ficavam totalmente confusos quando Kowalski fazia sua manobra especial de virar, super-rápido, uma esquina. Também adorei a amizade entre o DJ cego e Kowalski, conduzida inteiramente via rádio; adorei o icônico Dodger Challenger; não curti tanto o Cara das Cascavéis, mas deixa isso pra lá; e, principalmente, adorei o final. O final, muito louco, é o clássico "Ficamos sem ideias mesmo".

O Kowalski se consome na chama da glória. Ele descobre que não tem mais por que viver; então, decide decorar dois buldôzeres com partes do seu corpo. E, se eu estivesse numa situação em que só me resta chutar o balde – como o Kowalski do remake desnecessário de 1997 para a TV, interpretado pelo Viggo Mortensen, no qual a mina hippie é substituída pela esposa que morre no parto só pro filme fazer algum sentido –, eu faria o mesmo. Eu ia me jogar de um prédio alto. Deitar na banheira com uma granada no peito. Fazer a polícia me perseguir numa caçada imbecil, falar com um caçador de cobra, ter uma conversa profunda porém inútil com uma garota pelada numa moto, tomar bastante velocidade e bater de cara em dois veículos pesados de terraplanagem.

Eu ia querer que as pessoas ficassem sabendo e dissessem: "Caralho, ele estava falando sério". Eu ia querer ser o Kowalski.

@joelgolby

Tradução: Marina Schnoor