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Perguntamos A Um Especialista Militar O Que Seria Necessário Para Invadir A França

Para saber exatamente se a França possui uma força militar legítima ou não, contatei o diretor de pesquisas do IRIS (o Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas francês) e perguntei o que aconteceria se o resto do mundo tentasse nos invadir.

(Ilustração: Zelda Mauger)

Sempre achei que ter perdido a Batalha da França e deixado os alemães transformarem Paris num acampamento de férias nazista prejudicou um pouco a credibilidade do exército francês. Mas, recentemente, Barack Obama elogiou os esforços das tropas francesas na África Central e em Mali, e imaginei que talvez tenhamos nos redimido ao longo do caminho.

Claro, pode ser que se trate apenas de nossos “protetores” norte-americanos enchendo nossa bola para a mídia internacional. Todo mundo gosta de um elogio, o que poderia nos tentar a ficar do lado dos ianques da próxima vez que eles decidirem ocupar um país cheio de poços de petróleo procurando por armas de destruição em massa.

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Para saber exatamente se somos ou não uma força militar legítima, contatei o almirante Alain Coldefy – diretor de pesquisas do IRIS (o Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas francês) e especialista em estratégia de defesa – e perguntei o que aconteceria se o resto do mundo tentasse invadir a França.

(Foto via.)

VICE: Oi, almirante. Qual é a capacidade nuclear da França?
Alain Coldefy: Temos um submarino nuclear operando 24 horas com 16 ogivas nucleares desde 1972. Somos capazes de mobilizar um segundo submarino em poucos dias – logo, são 32 ogivas multiplicadas por seis, que são 192 mísseis de 125 quilotons.

O que isso quer dizer?
Como referência, o Little Guy – a bomba jogada em Hiroshima em 1945 – tinha 15 quilotons.

OK, então parece que estamos relativamente seguros.
Sim. Um submarino nuclear é cerca de mil vezes Hiroshima, e temos quatro deles – assim como os ingleses. Os americanos têm 14, os russos uma dúzia e os chineses dois ou três.

Então os chineses estão ficando para trás?
Estamos no segundo bloco, com Inglaterra, e atrás dos Estados Unidos e Rússia. A França é parte dos cinco poderes nucleares do mundo – membros permanentes do Conselho de Segurança. Então, se enfrentássemos um ataque, poderíamos destruir um equivalente à França – nem mais, nem menos. O poder nuclear contribuiu para o que é chamado de “equilíbrio de terror”. É por isso que você nunca vai ver uma guerra em território francês. Nunca.

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Como os outros países poderiam desarmar ou neutralizar nosso equipamento nuclear?
Não é possível desarmar um submarino com propulsão nuclear. É por isso que as grandes nações os escolheram. Os submarinos espreitam o que forma 75% do globo – os oceanos – e são indetectáveis.

Como uma força militar estrangeira poderia nos derrubar?
Temos um componente de força aérea em permanente estado de alerta há 50 anos, equipado com jatos Dassault Rafales na força aérea e na marinha. Todos são equipados com mísseis ASMP – mísseis supersônicos com um poder similar à bomba de Hiroshima. Então, se outros países quisessem bloquear nossa força aérea, eles teriam que drenar nosso combustível ou desmontar nossa frota. Não vejo nenhuma outra solução.

Os submarinos são quase todo nosso poder de dissuasão, certo?
Sim, eles são 99% de nossos recursos. Fora isso, temos a força aérea em nossos porta-aviões.

Então, hipoteticamente, seríamos invadidos por terra e ar, certo?
Se um país quisesse conquistar a França, seria por uma invasão terra-ar, com suporte naval e aéreo. Mas não existe essa possibilidade; se eles se movimentarem, matamos 65 milhões de pessoas. Dissuasão nuclear 16 mil vezes mais poderosa do que a de Hiroshima pode ser usada em 30 segundos se o presidente achar necessário. E se a situação internacional for extremamente difícil, são 32 mil vezes mais que Hiroshima. Ninguém pode atacar a França. Não pode haver ataque ao solo francês porque a reação seria terrível.

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(Foto por Mychèle Daniau/AFP.)

Mas e se nossos inimigos históricos – o pessoal de dentes tortos da Inglaterra, que tem o mesmo poder nuclear que nós – decidissem mandar seu exército para a França, quem venceria?
Isso não acontecerá. Mas se acontecesse, haveria 65 milhões de mortes de cada lado.

OK. E se o mesmo cenário acontecesse com os EUA?
Poderíamos matar 65 milhões de americanos. Poderíamos destruir todas as grandes cidades norte-americanas da costa leste.

Então, por que os ianques têm um orçamento de defesa de US$600 bilhões e todos aqueles submarinos se eles não conseguem evitar 65 milhões de mortes?
O poder norte-americano deve representar uma ameaça proporcional à riqueza de seu território. Apesar de o poder militar norte-americano em armas convencionais e homens ser ridiculamente maior quando comparado ao das outras forças do mundo, o poder nuclear iguala tudo. Vivemos num mundo onde o número de soldados é quase redundante. Lembre-se desse número: há 111 pessoas num submarino nuclear. São 111 pessoas trabalhando em algo que tem o mesmo poder de uma usina nuclear. Nossa segurança depende desses soldados e de sua habilidade técnica de alto nível.

As condições de combate mudaram completamente – mas a tolice dos homens não mudou, e é por isso que temos que ter um exército forte. Não podemos baixar a guarda ou vamos nos ver obrigados a seguir nossos “protetores”.

Esses “protetores” são os norte-americanos?
Sim. Eles manipulam vários países da Europa, mas não a França. Eles impõem sua política estrangeira por toda a Europa – mas não em nós, porque somos autônomos em poder nuclear.

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Então você não acha que os Estados Unidos poderiam passar por nossas defesas?
Não militarmente, porque temos os mesmo meios de destruição. Os Estados Unidos não estão felizes com nossa força militar – eles são nossos aliados, não nossos amigos – porque não os seguimos como cães, como o Reino Unido faz. Eles subornam vários movimentos, incluindo o Greenpeace, para descreditar as forças nucleares. Os norte-americanos adorariam ser os únicos ocidentais com poder nuclear.

Devemos temer alguma outra força?
Para não sermos atacados por tiranos, temos primeiro que controlar a proliferação nuclear em países como Irã, Iraque e Coreia do Norte. Depois, precisamos nos manter informados sobre organizações terroristas. Mas um ataque terrorista nunca muda os sistemas ou as instituições de um país, mesmo depois do 11 de setembro.

(Foto via.)

Então, quais são as nossas fraquezas?
Como metade das importações para a União Europeia é feita por mar, a destruição desses navios – ou embargos marítimos – são ameaças possíveis. A França também importa 100% de seu petróleo por navio. Afundar um petroleiro – um dia de gás para a França – iria interromper nossos negócios, mesmo se tivéssemos 90 dias de reserva em território francês.

Ameaças puramente militares acabaram. Mas ameaças podem vir de piratas que desviam petróleo ou gás, ou dos cartéis de drogas colombianos. Há também armas com as quais ninguém pode lutar: armas biológicas. Com apenas alguns mililitros, terroristas podem matar muitas pessoas – no metrô, por exemplo, como em Tóquio. A escala do dano é reduzida, mas cada vida civil é prioridade.

Há também ameaças que não conhecem fronteiras – como a guerra cibernética. Esses ataques estão se tornando cada vez mais importantes. O oponente é anônimo. Hipoteticamente, um grande exército de hackers poderia imobilizar completamente a França.

E temos o espaço, que também apresenta uma nova forma de guerra. Outros países podem atacar nossos satélites no espaço se tiverem a capacidade tecnológica. Nossos satélites de comunicação e observação já foram atacados. Outros países podem danificar nossos satélites para fazer chantagem. Essa é uma questão atual importante. Dez anos atrás, os americanos interromperam a transmissão de nossos satélites quando nos recusamos a ir para o Iraque. Não os seguimos na batalha porque sabíamos que o Iraque não tinha armas de destruição em massa. Os americanos também sabiam, mas eles foram para lá para satisfazer seus objetivos geopolíticos.

Nós enfrentamos o Tio Sam no espaço?
Em nome da paz, tivemos que fazê-los entender que também podíamos danificar os satélites deles. E como você pode imaginar, isso aconteceu várias vezes.

Legal. Obrigado, almirante!