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Ecoanarquistas e a Polícia Transformaram o Centro de Nantes Num Campo de Batalha

A cidade francesa tem sido o epicentro dos protestos contra a construção do aeroporto Notre-Dame-des-Landes, projeto que rola desde os anos 1970. Fui lá tentar entender porque isso tem deixado todo mundo puto.

Na tarde de sábado, minha cidade ficou em chamas depois que um black bloc de ativistas de extrema-esquerda se revoltou contra a criação de um novo aeroporto gigantesco. Nantes, no noroeste da França, tem sido o epicentro dos protestos contra a construção do aeroporto Notre-Dame-des-Landes (NDDL). A disputa acontece desde os anos 1970, e as pessoas acreditam que o projeto vai morrer a cada crise financeira e mudança de partido político no poder, e que vai retornar mais tarde, como um fantasma que deixa todo mundo puto.

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No final de semana, os oponentes à construção do aeroporto se reuniram mais uma vez: algo em torno de 50 ou 60 mil pessoas, de acordo com os organizadores, ou somente 20 mil, de acordo com os meios de comunicação antipáticos à causa.

O evento começou em paz. As pessoas trouxeram faixas e proferiram seus gritos de guerra, fazendeiros trouxeram seus tratores e vários políticos proeminentes do Partido Verde deram o ar da graça. Explicando sua razão para ter aparecido, um morador de Nantes chamado Tristan me disse: “O aeroporto é um grande desperdício de dinheiro, mas a questão vai além disso. É quase simbólico agora. Esses projetos enormes não fazem sentido de um ponto de vista ecológico e econômico, especialmente em tempos de crise”. O aeroporto deve custar €556 milhões (R$1,78 bilhões) — no entanto, críticos afirmam que a soma pude aumentar violentamente para algo em torno de €2 bilhões (R$6 bilhões).

Teve gente vestida de batata. Não entendi muito bem o motivo.

Primeiro, achei que esses caras fossem teóricos da conspiração protestando contra os reptilianos illuminati do inferno que querem construir aeroportos para a Nova Ordem Mundial. Na verdade, isso era uma referência às espécies ameaçadas que podem ser prejudicadas se o aeroporto for mesmo construído.

Logo depois que a procissão familiar e sua banda de samba obrigatória começaram a marchar pelas ruas de Nantes, algumas dezenas de manifestantes decidiram se separar do grupo principal e embarcar em outro um pouco mais violento. O grupo começou quebrando tudo num escritório local da Vinci — a empresa que está construindo o aeroporto. O gatilho da violência parece ter sido quando, algumas horas antes do protesto, as autoridades locais decidiram mudar a rota da marcha, proibindo que os manifestantes tivessem acesso ao centro da cidade — reforçado por essa barreira aí.

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“Não ficamos nem um pouco contentes com isso”, me disse Tristan. “Havia policiais em cada esquina, em cada entrada do centro da cidade. Eles pareciam seguranças. Só tivemos permissão para protestar fora do centro da cidade, onde não estávamos visíveis e onde não 'incomodaríamos os moradores'.”

Conversei com outro manifestante, que vou chamar de Alexandre.

“A coisa ficou meio esquizofrênica em certo momento”, ele disse. “Havia pessoas no centro da cidade, fazendo suas compras de sábado normalmente, enquanto policiais disparavam balas de borracha nos manifestantes.”

Logo os policiais mobilizaram um canhão de água e desenterraram seu suprimento de bombas de efeito moral. Enquanto isso, os manifestantes faziam o que os manifestantes costumam fazer no mundo todo: erguer barricadas e arrancar paralelepípedos do pavimento.

Os anarquistas quebraram um bocado de coisas, incluindo essa agência de viagem.

Estranhamente, eles também incendiaram escritórios do transporte público local. Fiquei pensando como eles pretendiam chegar em casa mais tarde.

Eles também atacaram essa delegacia de polícia. O que me fez pensar que os black blocs já vieram com a ideia de que poderiam ter algum problema pela frente.

“Alguns manifestantes tiraram martelos das mochilas e começaram a arrancar os paralelepípedos [para atirar nas coisas], então, algo já estava planejado”, disse Saber Jendoubi, um jornalista local. “Entre 30 e 50 deles estavam realmente quebrando tudo; era uma minoria muito ativa e organizada.”

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Quatro prisões foram feitas e as informações diziam que seis policiais ficaram feridos durante os combates. O IndyMedia afirmou que um manifestante foi atingido por uma bomba de efeito moral e perdeu um olho.

Numa declaração pública, os organizadores estavam ansiosos para destacar o grande comparecimento e o fato de que as pessoas vieram de toda a França para se juntar à manifestação. Eles também expressaram seu orgulho com o número de tratores presentes na movimentação. O público pode não concordar muito com a tática de destruir agências de viagem e enfrentar a polícia, mas parece estar do lado dos detratores de aeroporto, já que uma pesquisa recente mostrou que 56% dos franceses se opõem à construção e só 24% apoiam o projeto. Os que são a favor argumentam que o aeroporto de Nantes está saturado e ultrapassado. No entanto, para Tristan: “Por que construir um aeroporto se estamos ficando sem combustível? Estamos tentando copiar o modelo de transporte dos Estados Unidos, mas isso não faz sentido, não somos nem da metade do tamanho de um continente”.

Desde 2006, os manifestantes têm ocupado o canteiro de obras do NDDL, batizado de “ZAD” (Zone à Défendre ou “zona de protesto”). Visitei os “zadistas” em dezembro de 2012, semanas antes de os protestos violentos começarem. Os ocupantes pareciam um grupo bem eclético, formado por guerreiros ecológicos da velha guarda, fazendeiros locais e jovens ansiosos para experimentar a vida de squatter nas florestas — algo similar ao que vi no sábado.

Com o início dos planos de construção no ZAD agendado para breve, acho que a violência vai retornar a Nantes num futuro muito próximo.

Siga a Rebecca no Twitter: @becksunyer