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O relato de um millennial em seu primeiro Dia dos Pais

Aos 30 anos e com um bebê de cinco meses, enfim as playlists com 472 sons essenciais da microcena da Macedônia ficaram em segundo plano.

Esses dias eu assistia Sob a Pele, ficção científica em que a Scarlett Johansson fica nuona, quando lá pelo meio do caminho rolou uma cena na qual um casal se afoga numa inóspita praia escocesa e o filho bebê dos dois é abandonado se esgoelando na beira do mar. Ali acabou o filme para mim, tudo que importava era o que diacho tinha acontecido àquela criança — mesmo agora aperta o coração só de lembrar a cena. Pior: menos dias atrás me autoflagelei com a versão cinematográfica de Warcraft e fiquei à beira das lágrimas quando uma mãe orc despacha seu filho orc num rio, Moisés style.

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Eu tenho 30 anos e um bebê de cinco meses. Desde que virei um projeto de pai, pouco mais de um ano atrás, mas principalmente nesses últimos cinco meses em que o projeto se tornou realidade, o menino é minha bússola. Todo e qualquer aspecto da vida é influenciado por ele, das coisas mais triviais como a hora que posso ir ao banheiro até a eterna busca pelo sentido da vida (que hoje, sei, é uma noite de sono dormida sem interrupção).

Na época que ele nasceu, a piada era dizer que eu e minha chegada tínhamos nos juntado a esta instituição secular chamada família tradicional brasileira e votaríamos no Aécio nas próximas eleições. Nem tanto, mas é um absurdo o quanto o rebento facilita a empatia com gente que normalmente eu não teria nada a ver. Nunca mais fico sem assunto com ninguém. Essa semana levei ele para tomar vacina, o que resultou num bico sem fim por dois dias. Nesses dois dias, falei para três senhoras, um casal jovem na padaria, um motorista de Uber e para quem mais quisesse ouvir que "ele tá mal humorado porque tomou injeção". Ninguém tinha me perguntado nada, só mandado o infalível "Ohmmm". Ah, a princesa Paola de Orléans e Bragança também se encantou com as graças do herdeiro. Alguém vai duvidar da família real?

"Desde que virei um projeto de pai, pouco mais de um ano atrás, mas principalmente nesses últimos cinco meses em que o projeto se tornou realidade, o menino é minha bússola."

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É um absurdo também como o filho virou o jogo da minha vida. Descobri que seria pai uma semana antes do meu aniversário de 29 anos, no dia em que assinava um contrato de aluguel com um amigo, duas semanas depois de ter o apartamento em que morava — a saudosa mansão do crime — invadido e extirpado de tudo que eu e meu parça possuíamos. Não que eu fosse o party monster da minha geração, mas até ali a minha preocupação era mais com o que ia ser das minhas noites e finais de semanas do que a linha educacional da escola onde meu filho começará a estudar — isto é, se eu puder pagar uma, o que não é realidade no momento.

Questões financeiras, aliás, pularam do fim da fila da ordem do dia para um lugar de honra no rol dos pensamentos tira-sono. Inclusive virei best da minha gerente do banco. Porque é caro. É caro para caralho. A ponto de eu me engalfinhar com uma velhinha numa farmácia por um pacote de fralda na promoção. Eu ganhei na hora, a velhinha ganhou na vida: a fralda tava baratinha daquele jeito porque era horrível, pior que papel higiênico de rodoviária. Tivemos que promover o menino para o tamanho M, que ainda tinha sobrado do chá de bebê.

A minha promoção na hierarquia da vida de jovem adulto (o famoso jovelho) para para-de-enrolar-que-você-já-é-adulto-de-verdade, por sua vez, também nunca falha em me dar uns sacodes de realidade. No elevador do prédio, por exemplo, eu olho para os adolescentes com um brilhinho de fundo de olho de quem ainda acha que aquela é minha rapaziada. Esse olhar é destroçado quando o pai deles, coroa, pergunta para mim quantos meses o bebê tem, dá a também infalível recomendação "aproveita enquanto é bom". Eu não sou eles ontem, eu sou ele amanhã. Eu sou ele hoje. E, porra, com isso vem umas chatices também. Num dos meus raros momentos de rolê sem família nesses últimos tempos, um amigo me contava as desventuras amorosas de um conhecido, vai não vai eterno com uma menina, drama, profundidade poética, etc.

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Minha resposta: "Saudades dramas juvenis. Hoje meu drama é discutir quem vai levantar para limpar a bunda do bebê às 4:30 da manhã". Depois tirei uma onda autoindulgente de como eu sabia que se tornar esse tipo de pessoa é uma merda e blablabla. Mas a real é, foi isso mesmo que eu pensei. A luta para escapar da rabugice é dura, até descolori os cabelos para ver se me agarrava à juventude, mas pelo menos ela traz uma certa paz de espírito. Sumiram o desespero e a ansiedade para consumir tudo e fazer tudo. Com um filho, o tempo muda. Talvez seja por ele ter escasseado, mas de repente ouvir uma playlist com as 472 músicas essenciais de microcena da Macedônia de hardcore 8-bit não pareça mais tão urgente.

Também tem umas vantagens esdrúxulas. Sabe deus por que, meus cadarços tendem a se desamarrar. Apesar da insistência da humanidade em enxergar no cadarço solto do próximo sua cruzada eterna, ninguém precisa ser lembrado disso o tempo inteiro. Pois bem, mês passado eu andava com o filhote a tiracolo, ciente da situação bagunçada dos meus pisantes, quando uma moça mandou o aviso. Eu olhei para ela, olhei para ele ocupando meus braços e finalmente pude responder: "Não vou amarrar". Ela ainda se prontificou a amarrá-los para mim, no que tive que sair fora sem nem olhar para trás.

"A minha promoção na hierarquia da vida de jovem adulto (o famoso jovelho) para para-de-enrolar-que-você-já-é-adulto-de-verdade, por sua vez, também nunca falha em me dar uns sacodes de realidade."

Nunca morei na mesma cidade que meu pai, sempre fui da turma que ficava com cara de taxo na escola quando inventavam qualquer presente tranqueira para a molecada levar para casa nesse feriado, então estou bem próximo de viver meu primeiro dia dos pais de verdade. Trabalho de casa, sou freelancer (ou como meu avô diz, faço bico), então na maior parte do dia o meu bebê está a uma virada de cabeça do meu alcance. Os últimos meses foram uma loucura, mas deixaram algo bem claro para mim. Quando roubaram meu apartamento no ano passado, eu e meu então roomie entramos numas irônicas de que as melhores coisas da vida não são coisas. Hoje, falo na seriedade que não são mesmo. A melhor coisa da minha vida é meu filho.

E, claro, qualquer besteira que eu fizer ao lado do meu filho me deixa com um ar de pai cool — no mercado aqui do lado de casa as caixas todas me conhecem porque dizem que sou o único que leva sozinho o filho para as compras. A verdadeira heroína da história está do outro lado. É a mãe quem tem que lidar com uma pressão desumana para fazer tudo certo e, ainda assim, sempre vai ter gente achando que ela poderia ter feito mais ou melhor. Por isso, pode vir meia, cueca, gravata, pode vir até fatia de pizza com ketchup. Meu Dia dos Pais já está ganho.

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