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Quem Joga os Jogos Sobre Fazer Jogos

Aquele sonho infantil de fazer um jogo do jeitinho que você queria nunca esteve tão próximo da realidade.

Aquele sonho infantil de fazer um jogo do jeitinho que você queria nunca esteve tão próximo da realidade. Hoje em dia, as ferramentas estão cada vez mais fáceis de usar e, com a possibilidade de vender sua criação de forma digital, é possível (embora altamente improvável) você do dia para a noite ganhar uns trocados e ficar famoso dentro da indústria das diversões eletrônicas. Mas estamos no ano de 2014, que fronteira ainda não explorada dessa mídia você desbravaria com tanta coisa no mercado?

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Em dois casos, que serão analisados aqui, o sonho dos respectivos desenvolvedores era fazer um jogo sobre fazer jogos — metajogos que possibilitam criar uma empresa de software virtual. Mas vamos ver se essa ideia fez algum sentido na prática. O interessante é que cada um dos jogos foi desenvolvido dentro de um tipo diferente de gênero. Um deles, segue os clássicos jogos de simulação de negócios. O outro? Bem, o outro pega o gênero japonês do Visual Novel, mais conhecido pelos títulos hentai, e parte dessa mecânica esdrúxula para colocar esse metatema nos trilhos.

Game Dev Tycoon

Por incrível que pareça, o nome Tycoon não tem dono. Usado para designar praticamente qualquer tipo de simulador de negócios, ele foi usado em grandes sucessos como o famoso Roller Coaster Tycoon e o queridinho dos críticos Transport Tycoon. Nesses jogos, seu objetivo é virar o grande monopólio que domina todo o mercado do produto/serviço que você vende. No caso de Game Dev Tycoon, desenvolvido pela Greenheart Games, esse produto são os joguinhos eletrônicos para as mais diversas plataformas. Dando um olá para a história dos vídeo jogos, você começa sua empresa na garagem de sua casa nos anos 1980, com a opção de desenvolver jogos tanto para Commodore quanto para PC. Com o passar dos anos, novas plataformas como o Nintendinho e o Master System começam a aparecer — e ao mesmo tempo em que você desenvolve jogos virtuais, também acompanha esses 30 anos de história dos softwares de diversão.

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A tela de quando você completa o desenvolvimento de um jogo, no caso, a versão 0.4 de Daikatana feito pelo meu personagem John Romero, um jogo de adventure de texto para adultos.

O resultado é um belo mergulho em menus que possibilita escolhas sobre o estilo, gênero, gráficos, plataforma, engine e tantas outras opções gostosas que um desenvolvedor tem ao fazer um joguinho. Se você manja um pouco da história dos videogames, também é interessante conferir o trabalho da galera que fez o jogo, mostrando o surgimento e a obsolescência das diferentes plataformas.

Nos cinco anos que a demo deixa você jogar é possível ver o surgimento (com outros nomes, logicamente) do Nintendinho, do Master System e o abandono do Commodore. Pela experiência da demo, achei o jogo até que divertido, num estilo jogo casual. Os gráficos são bem padrão dos milhares de jogos casuais que povoam o mercado, mas a empresa faz questão de colocar sua criação acima das concorrentes, por não fazer um jogo free to play no qual você gasta dinheiro com incrementos e badulaques. O que leva a outro assunto, e que mostra que esse pessoal parece se achar melhor do que os outros…

Pirataria

A tática antipirataria mais passiva-agressivona da internet.

Desde os tempos ancestrais, a pirataria de softwares causa um belo de um rombo na conta das empresas que fazem essas maravilhas de códigos. O que os safadinhos da Greenheart fizeram para dar uma zoada com os piratas? Junto com o lançamento do jogo, eles liberaram um torrent com uma versão alterada do jogo. Nessa versão pirata-oficial, quando você começa a se dar bem e lançar seus jogos dos sonhos, começa a aparece a seguinte mensagem:

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Chefe, parece que, ao mesmo tempo em que muitos jogadores jogam nosso novo jogo, eles nos roubam baixando uma versão crakeada em vez de comprar o jogo legalmente.

Se os jogadores não comprarem os jogos de que eles gostam, em breve iremos à falência.

:-(

Esse, provavelmente, foi o golpe mais passivo-agressivo contra a pirataria de softwares da história dos jogos eletrônicos. Consigo imaginar a cara de autossatisfação dos desenvolvedores do jogo ao ver os pirateiros do Pirate Bay reclamando nos comentários do falso torrent pirata que eles lançaram. Nada contra os caras quererem defender seu trabalho árduo, mas não sei se essa medida, ao mesmo tempo pegadinha do Mallandro e masturbação mental, seja o caminho certo. O joguinho também não parece ser lá grandes coisas e os caras vendem por 10 dólares o bagulho. Espero que alguém tenha feito uma versão pirata de verdade e muita gente tenha baixado.

Infinite Game Works

Em nome da justiça, no sentido platônico do começo da República de dar o que é devido a cada um, já começo falando que o gênero Visual Novel (Romance Visual, em tradução literal) é um nicho bem específico e bem querido dentro do universo dos Otakus e fãs de jogos japoneses de PC, hentai ou não. Partindo dessa premissa, existem poucos sofrimentos digitais que você pode se autoinfligir (se você não pertence a esse grupo especial de pessoas) que se equiparam a jogar um jogo desse tipo. Até compreendo, embora não partilhe, do apelo narrativo de um jogo hentai, em que você vê se desenrolar na sua frente uma história meio fraquinha que contextualize a putaria que vai se desenrolando. É bonita essa dedicação à narrativa dentro de um tipo de entretenimento feito para você, em falta de um termo melhor, descascar o bananão, remetendo ao começo da pornografia, quando havia uma historinha para contextualizar a metelância.

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Por meio de minha incrível capacidade de ilustração, fiz um esquema básico da estrutura de um Visual Novel.

Infinite Game Works, que acabou de sair com uma versão atualizada no Steam pela bagatela de R$ 20,79 (com o desconto atual de 20%), não é um jogo hentai. Ele é um jogo de Visual Novel sobre seu personagem, que, provável e aflitivamente, se parece muito com o desenvolvedor do jogo e é um estudante do ensino médio que em suas horas vagas cria seus próprios jogos eletrônicos. O jogo se desenrola na típica maneira dos Visual Novels, com diálogos escritos por pessoas que não sabem escrever diálogos minimamente interessantes, ou sequer verossímeis, e um mar de menus que possibilitam você fazer escolhas de como gastar o precioso tempo do seu personagem. Como o jogo é também um simulador de desenvolvimento de jogos, as duas únicas outras personagens que encontrei durante o jogo são garotas que servem justamente para ajudar o protagonista a fazer seus joguinhos. Ao controlar Justin, que possui a profundidade psicológica de uma folha de sulfite e a retidão mental de uma perfuratriz, nada passa por sua cabeça a não ser fazer joguinhos. Sendo um programador competente para sua idade, e tendo ganho uma grana num prêmio de programação, você parte para o lindo sonho de montar sua própria empresa de vídeo jogos. O resultado é um jogo hentai SEM A PARTE HENTAI, com tudo o que há de horroroso nessa implicação.

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Observe o GIF acima. Fora de contexto, ele se encaixaria perfeitamente em um jogo hentai em que, logo após esse diálogo, o protagonista iria prontamente mandar a pobre garota a cumprir o maior número de fetiches nojentos que ele tem, até estar satisfeito. Em Infinite Game Works, o que acontece é que você meio que pede, meio que obriga, a garota a trabalhar para você no jogo; ela é uma artista visual frustrada porque seus pais não a deixarem praticar arte — eles só pensam em dinheiro, e ser artistinha não coloca pão na mesa. Já que você está inserido no capitalismo, por meio de sua incrível empresa de joguinhos, logo vai botá-la para trabalhar em sua companhia.

Essa web tirinha do desenvolvedor do jogo dá uma dimensão do que se passa na cabeça dele. Não se preocupe, eu também não entendi porra nenhuma.

O jogo, ou ao menos a demo do jogo de 2011 que eu joguei, é uma fotografia claustrofóbica de uma mente autocentrada que só pensa em fazer jogos e, por sua vez, faz um jogo sobre uma pessoa que faz jogos. Só que, nessa confusão toda, aparentemente, o sujeito parece não sacar um dos fundamentos das diversões eletrônicas: é muito melhor quando elas são divertidas.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca