Colaboração entre M.I.A. e H&M Expõe o Ardil da Indústria da Moda

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Sustainability Week

Colaboração entre M.I.A. e H&M Expõe o Ardil da Indústria da Moda

Em sua colaboração com a gigante sueca da moda H&M, a mensagem da M.I.A. é clara: “Rewear it” – Reuse.

No alto de uma torre de tecidos, em frente a tendas beduínas, vestindo roupas de segunda mão em cores bem combinadas, dança a rapper britânica de origem cingalesa M.I.A. As batidas são pesadas com infusões de reverberação indiana, as roupas estão na moda e a mensagem é clara: "Rewear it" – Reuse.

Mas não foi nem espontâneo nem gratuito o motivo que levou M.I.A., que mais de uma vez já se afirmou em declarações políticas bastante francas, a escolher essa mensagem como ponto central de sua faixa mais recente.

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O clipe, na verdade, é uma colaboração com a gigante sueca da moda H&M, alinhada com a campanha "Semana Mundial da Reciclagem", realizada em abril, que incentivou os clientes a doarem roupas usadas para uma das 3.600 lojas da H&M ao redor do mundo. Mas tanto o vídeo quanto a campanha de reciclagem receberam críticas de várias frentes.

Fica uma impressão vazia quando a H&M entrelaça estratégia de marketing com a mensagem de fazer parte de um 'movimento fashion global em que todos devemos assumir a responsabilidade de combater as mudanças climáticas', quando vemos que a imensa produção têxtil da marca faz dela uma das piores violadoras do clima na indústria, afirmam os críticos, que também descreveram o clipe de "Rewear it" como absurdo) e 'só maquiagem verde'. Principalmente porque o consumidor ganha créditos na loja por doar as roupas, o que estimula a compra de mais produtos da rede, argumenta a crítica de moda Lucy Siegle.

Mas será que as campanhas de sustentabilidade cheias de astros da H&M e outras grandes produtoras têm somente a intenção de vender mais roupas?

Se você perguntar a alguns pesquisadores e professores da indústria da moda, a resposta será sempre a mesma: É complicado.

Maria Mackinney-Valentin, professora de tendências e comportamento de consumo na Escola Dinamarquesa de Design, afirma que a campanha da M.I.A com a H&M é um exemplo de "Ardil 22" da indústria.

"Será que a H&M é uma força que pode ajudar a conscientizar os consumidores em termos de roupas sustentáveis? Ou será que só está sustentando os problemas atuais do setor, sendo a própria existência dela uma parte essencial da questão?", questiona a especialista, apontando que M.I.A., com seu histórico de apoio aos direitos humanos, é uma grande embaixadora para tomar a frente da campanha.

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Porque quando estrelas como Emma Watson desfilam no tapete vermelho usando um vestido da Calvin Klein feito de garrafas plásticas recicladas, ou quando Pharrell Williams se apresenta com uma calça feita de plástico retirado do oceano, essas ações ecoam nos consumidores, afirma Maria Mackinney-Valentin.

"Sempre vimos os altos escalões da sociedade, os ricos e os famosos como pessoas 'influentes' que abrem o caminho para todos nós — sejam eles os imperadores e rainhas do passado ou os astros de Hollywood de hoje. As estrelas sempre foram uma forma de personificar as marcas", explica a professora, destacando que continua sendo igualmente difícil verificar o nível de sustentabilidade do vestido de garrafas de Emma Watson e avaliar a legitimidade da dita iniciativa da Zara e da Adidas de utilizar menos água e produtos químicos na produção têxtil.

"Moda sustentável é uma questão extremamente complexa, porque consiste em muitas camadas de produção, o que permite que as celebridades ajam como se fossem "embaixadoras esclarecidas", afirma.

Wencke Gwozdz, também professora de comportamento consumidor transformador e consumo sustentável na Faculdade de Administração de Copenhagen, destaca os efeitos positivos da colaboração de marcas de roupas com celebridades. "O apoio de pessoas famosas à sustentabilidade é importante, porque elas são admiradas e podem chegar a públicos específicos. Por exemplo, elas conseguem ajudar a conscientizar consumidores mais jovens a respeito de hábitos de compra mais sustentáveis. Mas o fator celebridade é apenas um entre muitas ferramentas necessárias para modificar nossa cultura na moda", avalia, explicando que, nos últimos quatro ou cinco anos, os consumidores foram ficando cada vez mais conscientes da sustentabilidade.

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"Mas a questão de se um vestido ou um cardigã é ou não produzido com a sustentabilidade em mente ainda não é de importância crucial para a decisão do consumidor comum de comprar ou não. O preço e a estética da roupa ainda são fatores muito mais importantes na hora da decisão, e provavelmente ainda serão por muito tempo," diz Wencke Gwozdz, que conduziu uma pesquisa sobre roupas e sustentabilidade com consumidores dos Estados Unidos e de vários países europeus.

Cadeias de 'fast fashion' como H&M, Zara e Topshop se desenvolvem através da produção em massa. Roupas e looks novos chegam às lojas toda semana e são uma tentação para os consumidores, oferecendo camisas, camisetas e calças jeans baratas. Na indústria que é considerada a segunda mais poluidora do planeta,a ambição por mais sustentabilidade, surgida nos últimos anos, já foi chamada de paradoxal em mais de uma ocasião.

Mas quando a H&M é criticada por se promover como mais sustentável do que realmente é, a questão não é tão clara assim, acredita Gwozdz.

"Claro que se trata de marketing e promoção da marca, porque a H&M é uma empresa que, acima de tudo, quer ganhar dinheiro, e o modelo de negócios dela, com um ritmo acelerado de renovação de coleções, é qualquer coisa, menos sustentável. Por outro lado, ela pelo menos lança iniciativas ambientais e de conscientização sobre a importância da reciclagem em um momento em que a maioria dos consumidores ainda joga as roupas velhas no lixo", afirma a professora, enfatizando que empresas bilionárias como a H&M têm mais influência, tanto na indústria quanto com os consumidores, do que estilistas menores.

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A garota-propaganda M.I.A. usa o mesmo argumento.

"Se a única coisa que [a H&M] faz é inspirar outra varejista a se importar e ser mais consciente, ou se a H&M é criticada por algum de seus processos industriais, todas essas coisas são boas. Devemos discuti-las publicamente e devemos ir e voltar na questão. Pelo menos, a marca está entrando na arena [da consciência ambiental]. Só isso já é progressista, e acho que é preciso dar uma chance a ela", disse a compositora e ícone fashion à vogue.com.

Na Escola Dinamarquesa de Design, Maria Mackinney-Valentin já está vendo uma mudança de paradigma no mundo da moda.

"A consciência de uma produção mais ética e ambientalmente correta está mais comum, o que tornou a sustentabilidade uma premissa mais fundamental para a indústria, e ao mesmo tempo mais vinculante", diz a professora, destacando que a aceleração da produção, em paralelo com o aumento da consciência sobre a sustentabilidade, é um grande paradoxo e uma grande questão na indústria.

Segundo o documentário The True Cost, do ano passado, 80 bilhões de novas peças de roupa são produzidos por ano, número 400% maior que o registrado 20 anos atrás.

Assim como muitos outros, Maria Mackinney-Valentin aponta que a iniciativa máxima pela sustentabilidade seria se toda a indústria da moda parasse de produzir roupas.

"O mundo não precisa de mais roupas, então se a produção continua apesar disso, é óbvio que é porque as empresas estão enchendo os cofres, mas também é porque a moda, historicamente e hoje em dia, exerce um papel importantíssimo na forma como expressamos nossa identidade", pondera.