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O Iraque Acabou de Ganhar sua Primeira Lanchonete Hardee's

Por que empresas americanas estão tão ansiosas para abrir lanchonetes em ambientes tão voláteis?

O Hardee's é uma estranha cadeia de fast food norte-americana. Afinal, alguns dos restaurantes deles se chamam Hardee's e outros, Carl's Jr. – ambos com essa apóstrofe estranha mesmo, apesar de todos terem a mesma marca e, basicamente, a mesma comida. Os cardápios só têm diferenças muito pequenas. O que é mais confuso, alguns restaurantes do Hardee's têm cardápios do Carl's Jr.; então, não faço a menor ideia do que acontece. A diferença mais gritante parece ser que o último existe, principalmente, na metade oeste dos EUA, enquanto o primeiro ficou com o sul e o centro-oeste do país. O pessoal do nordeste americano até viu os comerciais de TV misóginos e clichês da marca, mas não sabemos se a comida é boa ou não, já que eles não têm muitos estabelecimentos ao norte da linha Mason-Dixon.

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Os residentes de Arbil, na Região Curda do Iraque, também deviam estavam se perguntando se os thickburgers eram tão bons quanto pareciam nas propagandas. Até agora.

Arbil, claro, é a cidade que causou a última guerra dos EUA – quer dizer, a ação militar sustentada – no Oriente Médio. Em agosto, militantes do Estado Islâmico estavam a 50 quilômetros dela e se aproximavam rapidamente. Vendo que Arbil estava cheia de pessoas que curtem coisas como empregos para mulheres e eleições (OK, um consulado americano), o presidente Obama apareceu na TV prometendo fazer apenas um bombardeiozinho, um pequeno só, e não arrastar o país para outro atoleiro sem fim. Depois do discurso, ele bombardeou os militantes que estavam se aproximando da cidade, parou o avanço deles, se empolgou e foi arrastado para um atoleiro sem fim.

Você podia achar que essa coisa de o ISIS quase ter tomado a cidade iria atrapalhar os planos de abrir um fast food americano na cidade. Mas não. Em fevereiro, Carvel e Cinnabon inauguraram lojas em Arbil; a Pizza Hut veio alguns meses depois. E agora eles têm um Hardee's.

Mas por que essas empresas americanas estão tão ansiosas para abrir lanchonetes num ambiente tão volátil? Isso é só uma expansão inocente de uma lanchonete do meio-oeste americano, ou um plano desesperado de um cadeia de fast food não tão conhecida assim? Fui até o novo Hardee's iraquiano para descobrir.

O Hardee's se esforçou para se misturar aos arredores. O exterior do prédio tem a arquitetura modular americana que você encontra naquelas áreas de descanso de estrada. Em cima do prédio, fica o mascote da marca, uma estrela antropomorfizada que parece aquele bebê-sol dos Teletubbies, sorrindo para os clientes. O restaurante tem até drive-thru; pelo que eu saiba, a primeira opção de atendimento no carro aqui no Iraque (os leitores podem comentar se eu estiver errado).

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O interior fazia menos ainda para evitar a sensação de ingurgitação do meio-oeste americano. Fora a TV ligada num talk show com dois caras de thawb discutindo, tudo tinha saído da experiência clássica de fast food americano. As placas de sinalização estavam em inglês, as mesas e cadeiras de metal tinham espaço suficiente para acomodar os obesos e eles tinham o típico balcão onde você vai fazer seu pedido. Mesmo o cheiro onipresente de sódio e glutamato monossódico de todo fast food estava no ar.

A clientela era composta inteiramente pela classe alta cosmopolita. Roupas curdas típicas davam lugar a jeans gastos, camisetas com frases irônicas e tênis Gucci piratas.

Algumas das opções do cardápio eram: Big Deluxe Burger, 100% assado na brasa; um negócio chamado Super Star Burger; o Big Burger (diferente do Big Deluxe Burger); e o Classic.

Depois de pensar muito (e de um comentário excessivamente sarcástico do atendente sobre a fila), pedi um Classic, imaginando que o nome significava um item com a marca registrada do Hardee's.

Cheguei lá esperando escrever um comentário antagônico e irônico do tipo: "Fast food é uma porcaria, quem come essa merda? Rs". Mas devo admitir que o lanche estava bem gostoso. O hambúrguer era mais grosso que o do McDonald's, o pão tinha um gosto amanteigado e os vegetais eram bem mais frescos que a alface murcha geralmente encontrada nessas lanchonetes. Além disso, as batatas encaracoladas estavam bem crocantes, não aquela coisa molenga típica de fast food. Mas isso não respondia minha pergunta: o que diabos a Hardee's estava fazendo no Iraque?

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Em primeiro lugar, a empresa tem um incentivo financeiro apesar do risco político: lugares que nunca provaram a gordura trans importada dos EUA costumam surtar quando lugares assim aparecem. A fila de 30 mil pessoas no primeiro McDonald's da União Soviética e a outra de 90 minutos de espera no KFC do Quênia ilustram bem isso. A julgar pela multidão ali, em plena terça-feira, disposta a pagar US$ 9 por um hambúrguer quando um falafel de rua custa menos de 50 centavos, essa não era uma exceção à regra.

Mas os EUA deram duro para levar os fast foods americanos ao Iraque. Possivelmente passando por cima de questões mais urgentes, a embaixada americana trouxe representantes de várias cadeias a Curdistão e Iraque. Uma dessas reuniões, em Bagdá, aconteceu em maio de 2014, apenas dois meses antes da queda de Mossul, com participação de representantes de Pizza Hut, Quiznos, Froots (cadeia de smoothies) e Curves (franquia de fitness para mulheres na crise da meia-idade), entre outros.

E os americanos são bem Mr. Burns quando se trata de exportar porcarias engordativas. Entre 1998 e 2007, os EUA exportaram traseiro de peru, uma parte tão gordurosa quanto pouco nutritiva da ave (usada apenas para alimentação animal dentro do país), para Samoa. Nesse período, os Estados Unidos se tornaram uma das nações mais obesas da Terra. Além disso, a implementação do NAFTA fez o México engordar e engordar com os refrigerantes baratos feitos com o xarope de milho rico em frutose dos EUA. Importar fast food para os aliados do Curdistão parece um microcosmo simbólico da insistência americana em exportar sua cultura, um jeito de fazer amigos e compartimentar a mentalidade dos outros num automatismo neoliberal pró-cultura corporativista.

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Nesse ponto, eu já tinha terminado meu lanche há 30 minutos e estava sentado sozinho, rabiscando ideias quixotescas sobre destruição de culturas no meu notebook. Com o restaurante se enchendo de fregueses, os funcionários começaram a me lançar olhares cada vez menos sutis, tentando transmitir a mensagem de que eu tinha de desocupar a mesa e deixar minha epifania burguesa antiglobalização para outra hora.

Quando eu estava indo embora, um comboio peshmerga (os combatentes curdos que estão lutando contra o ISIS) apareceu. Fiquei imaginando: o que será que eles acham de todas essas coisas americanas aparecendo no Curdistão? Afinal, eles estavam combatendo o ISIS por uma identidade distinta curda e um eventual Estado independente, não?

Entrei de novo e assegurei os funcionários de que eu não tinha voltado só para ocupar um lugar, pedindo hambúrgueres e batatas para viagem.

Aí, fui conversar com alguns peshmerga que estavam sentados na caçamba da picape Toyota deles. O primeiro grupo foi receptivo, talvez porque dei meus hambúrgueres do Hardee's pra eles. Quando falei sobre a inauguração da lanchonete, eles pareceram bastante empolgados. "Muito legal!", um deles disse. Perguntei se eles não achavam entranho um Hardee's abrir ali apesar de tudo que estava acontecendo. Minha pergunta foi prontamente ignorada; fui informado de que o Curdistão estava a salvo e que "os ratos do ISIS não são nada".

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Eu ainda não tinha ficado sem comida; então, abordei um cara que estava de guarda ali perto. Com alguma relutância, ele aceitou o lanche, comeu algumas batatas e colocou o saco do lado dele. Ele me explicou que tinha enfrentado o ISIS "em certo lugar", mas que não podia me dizer onde. Quando perguntei sobre o Hardee's, ele pareceu nem saber que aquilo era uma cadeia americana, porém afirmou que já tinha ido ao restaurante e que fast food é "muito bom", e que isso "faz você se sentir bem".

Bom, se tem algum lugar que precisa "se sentir bem", esse lugar é o Curdistão. Enquanto homens e até algumas mulheres locais enfrentam o ISIS, a narrativa geral da mídia ocidental é a de que os curdos são uma mistura de Exterminador do Futuro com Rei Leônidas na Batalha de Termópilas. Mas a verdade é que famílias estão sendo separadas e as taxas de transtorno de estresse pós-traumático e depressão estão inevitavelmente subindo. Décadas de luta contra Saddam, vários grupos militantes e eles mesmos na guerra civil deixaram várias gerações marcadas e uma inundação de armas fáceis de comprar.

Então por que não? Se as pessoas que estão lutando contra o ISIS querem um hambúrguer do meio-oeste americano, abrir uma lanchonete aqui parece uma decisão razoável. Talvez eles tenham o bom senso de não se deixar levar por essa coisa de fast food ou consigam que a Curves abra sua primeira academia aqui. Qu'ils mangent de la Big Deluxe Burger.

O Hardee's não quis comentar a história.

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Tradução: Marina Schnoor