A complicada história do serial killer que assustou Phoenix, nos EUA
Sargento Jonathan Howard, do Departamento de Polícia de Phoenix, posa com o retrato falado do Atirador em Série de Phoenix em fevereiro de 2017. Todas as fotos por Michael Lundgren.

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reportagem

A complicada história do serial killer que assustou Phoenix, nos EUA

Um atirador fez ao menos sete vítimas ao longo de 11 meses. Moradores da cidade no Arizona questionam a demora nas investigações, tendo em vista que as vítimas eram pessoas negras e hispânicas.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Sylvia Ellis seguiu os gritos que surgiam da escuridão às 3h para fora de casa, onde viu o que tinha restado do Chevy Cobalt vermelho da filha. Familiares tinham aberto todas as portas numa tentativa de salvar as pessoas lá dentro, e a luz interna brilhava, iluminando uma cena de carnificina e cacos de vidro. Stefanie, a filha de 33 anos de Ellis, estava caída sobre o volante, coberta de sangue e mal conseguindo respirar. Ela morreria três semanas mais tarde, depois de entrar em coma. Angela Linner, 31 anos, a parceira da filha, estava ao lado dela, morta.

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Mais tarde naquela madrugada, Ellis saberia que a neta de 12 anos, Maleah, que estava caída no banco traseiro do Chevy, também tinha sido assassinada.

O homem que seria responsável por esses assassinatos foi apelidado de o Atirador em Série de Phoenix, cidade do Arizona, no sudoeste dos EUA. O atirador começou sua série de ataques em agosto de 2015. No total, ele matou pelo menos sete pessoas em doze ataques feitos ao longo de quatro meses, até 11 de julho, quando não se teve mais notícias de suas ações. Os assassinatos na casa de Ellis, que aconteceram em 12 de junho de 2016, são as últimas vítimas fatais conhecidas.

Todas as vítimas do serial killer, feridas ou mortas, eram negras ou hispânicas, apesar de a polícia não suspeitar de motivação racial. O atirador parecia não ter um padrão discernível para os alvos — ele atirou em mulheres, homens, crianças, adolescentes e idosos. A maioria estava em frente à própria casa ou da casa de parentes, fazendo coisas mundanas como uma ligação de celular ou ouvindo música no carro, como Ellis, Linner e a filha faziam na noite em que foram assassinadas.

"Meus olhos abrem toda noite às 3 da madrugada agora, a mesma hora em que os assassinatos aconteceram", me diz Ellis, sentada na mesa da cozinha de sua casa, enquanto seus olhos negros observam a luz do sol que atravessa a janela. "É quase como um despertador."

Sylvia Ellis em sua casa em Phoenix. Ela perdeu a filha e a neta para o Atirador em Série de Phoenix em junho de 2016. Todas as fotos por Michael Lundgren.

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O atirador em série de Phoenix realizou a maioria de seus ataques em Maryvale, um bairro da classe trabalhadora de onde saiu o ex-jogador da NFL Darren Woodson. Aqui, os moradores se questionam se o suspeito não teria sido preso mais rapidamente se algumas das vítimas fosse rica, ou branca. Na minha curta permanência na cidade, os cidadãos negros e hispânicos que vivem perto dos locais dos tiroteios lembravam bem do reinado de terror do atirador, enquanto os brancos que moram nos bairros mais ricos da cidade — com robustos ares-condicionados centrais e nova arquitetura — já tinham esquecido ou nunca ouviram falar no banho de sangue.

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Aaron Saucedo, de 23 anos, foi preso no início de maio. A polícia deu pouco detalhes sobre o caso, mas afirma que as evidências incluíam um vídeo de vigilância, declarações de testemunhas e material de balística.

Durante a investigação, o sargento Jonathan Howard da Polícia de Phoenix, porta-voz do caso, me disse que trabalhavam com a possibilidade de o suspeito ser hispânico, o que criou mais dores de cabeça para os detetives — pessoas com informação sobre o caso não queriam falar com medo de serem deportadas. Para conseguir pistas, a polícia usou o Silent Witness, um programa que permite que as pessoas permaneçam anônimas, mas recebam a recompensa de US$ 75 mil dólares [cerca de R$ 225 mil] pelo nome correto do assassino. Mas para quem tem medo que sua família seja separada, promessas assim pareciam também uma armadilha.

Os policiais, por sua vez, não ignoraram as mortes dos alvos do Atirador de Phoenix. Na verdade, a aparente hibernação do assassino veio pouco depois que a polícia alertou a mídia nacional sobre o caso. O que aconteceu depois de seu sumiço tem paralelo com o "assassino BTK", Dennis Rades, uma ameaça do Kansas que matou pelo menos dez pessoas entre os anos 70, 80 e 90, principalmente por estrangulamento. Rader provocou a polícia com cartas sinistras a jornais como o Wichita Eagle , e as mortes aconteciam entre intervalos de anos.

O Atirador de Phoenix abordava geralmente as vítimas cara a cara, e em pelo menos dois incidentes, testemunhas e sobreviventes afirmaram que o assassino falou antes de disparar, mas o que ele disse não está claro. Ele geralmente descarregava de nove a dez balas nas vítimas a pequenas distâncias. A polícia chama isso de "intenção de matar", mas para um observador leigo parece um estilo GTA de agir.

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O bairro de Maryvale em Phoenix, onde a maioria das mortes aconteceu.

A área metropolitana de Phoenix, muitas vezes chamada de "Vale do Sol", é uma cidade de deserto que fica mais quente e seca a cada ano. Ela também tem uma história recente perturbadora de assassinatos em série e violência com armas de fogo. Dale Hausner — um serial killer que teve uma overdose de antidepressivos enquanto esperava a execução em 2013 — e seu cúmplice, Samuel John Dieteman, mataram pelo menos oito pessoas na cidade atirando de seu carro entre 2005 e 2006. Hausner foi ligado a algo entre 29 e 38 tiroteios, onde os alvos eram pedestres, ciclistas, cães e até cavalos. Na mesma época em que a dupla atuava, Mark Goudeau, também conhecido como "Baseline Killer", assassinou nove pessoas e atacou sexualmente mais de uma dezena sob a mira de sua arma. Em junho passado, enquanto o serial killer atual ainda estava em ação, um juiz confirmou nove penas de morte e mais outras 60 acusações contra Goudeau, depois da apelação.

A população de Phoenix inclui uma mistura eclética de jovens progressistas, libertários, conservadores da lei e da ordem, imigrantes mexicanos e aposentados que são a marca registrada de muitas cidades do sudoeste dos EUA. Uma mentalidade implacável pró-porte de armas — que algumas pessoas descrevem como um clima de "Velho Oeste" — é palpável na cultura local. Muitas pessoas que conheci possuem e carregam uma arma o tempo todo. Onze tiroteios não fatais aconteceram na I-10, a principal estrada da cidade, entre 29 de agosto e 10 de setembro de 2015, onde alguém, ou um grupo, abriu fogo de maneira aparentemente aleatória contra os carros, aterrorizando os motoristas locais. O caso nunca foi solucionado.

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Em relação à suspeita dos ataques, a polícia fez circular um retrato falado de Aron Saucedo no verão passado, mas a imagem era genérica demais e só desencadeou várias identificações equivocadas. Entre eles, um homem de 27 anos chamado Frank Taylor, que foi baleado por uma mulher em Glendale, Arizona, depois de tentar roubar a arma dela. A polícia consegui ligá-lo à área de Maryvale, mas não aos assassinatos.

A mãe e as irmãs de Manny Castro Garcia. Ele foi assassinado pelo Atirador em Série de Phoenix em junho de 2016, quando buscava a namorada para um encontro.

A Ebony publicou uma matéria sobre os assassinatos em agosto, destacando o status de minoria das vítimas. E o estado tem uma reputação desagradável nessa questão: Chuck D, do Public Enemy, pintou o Arizona com fúria e desprezo na faixa "By the Time I Get to Arizona", uma música composta depois que os moradores derrubaram uma proposta para criar um feriado para Martin Luther King em novembro de 1990. (Mas os eleitores aprovaram um feriado estadual para King dois anos depois.) Dossie Ellis, o pai de Stefanie Ellies, me disse que a voz raivosa naquela música ainda está bem viva na comunidade negra da cidade, e que confiava mais em sua própria família investigando a identidade do assassino perguntando nas ruas que na polícia.

Para a comunidade hispânica local, a demora para prender Saucedo evidenciava uma questão étnica-racial. Enquanto eu estava na cidade, a deportação de Guadalupe García de Rayos, que pode ter sido a primeira pessoa expulsa do país como resultado direto das políticas de imigração de Trump, gerou protestos emocionados em frente ao quartel-general da ICE no centro. Enquanto isso, Joe Arpaio, ex-xerife de 84 anos do Condado Maricopa e controverso oponente dos imigrantes sem documentos, que fez piada dizendo que sua cadeia para imigrantes era um "campo de concentração", perdeu sua chance de um sétimo mandato em novembro. Mas a hostilidade contra hispânicos que cruzam a fronteira ainda ferve em partes do estado. Trump venceu no Arizona por quase 100 mil votos, e dirigindo por Phoenix hoje, você pode ver um gigantesco outdoor agradecendo o suposto violador de direitos humanos Arpaio por seus serviços.

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Um vizinho de Horacio Peña, assassinado pelo Atirador em Série de Phoenix em junho de 2016.

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Nove dias depois do ataque na residência dos Ellis, Nancy Peña, 32 anos, estava no trabalho quando recebeu uma ligação da irmã dizendo que seu irmão gêmeo, Horacio de Jesus Peña, tinha sido baleado. Ela achou que a violência tinha sido autoinfligida. Horacio, um cuidador de pessoas com deficiência, tinha uma vida difícil, atormentado pela timidez e a esquizofrenia, e já tinha tentado o suicídio três vezes antes, ela me disse. Mas quando Peña chegou à casa da família para ver o irmão, ela soube que tinha sido um assassinato: Horacio estava caído na sarjeta, totalmente deformado pelos tiros. Peña descreveu que ele parecia "uma poça". A polícia mais tarde atribuiu sua morte ao serial killer de Phoenix.

Nancy Peña diz que vem sofrendo de ataques de pânico desde aquela noite em junho. Agora ela ocupa sua mente com quase 60 horas de trabalho por semana, divididas entre uma comunidade de aposentados e a posição que o irmão deixou na Valley Life, uma organização que cuida de deficientes. Ela fez tatuagens no braço ligadas aos momentos em que seu irmão gêmeo fugiu de casa ou tentou se matar; agora ela tem um mural de fotos em homenagem a ele e mantém suas lembranças numa caixa, incluindo produtos de esporte autografados por times como o Phoenix Coyotes e o Arizona Diamondbacks, oferecido à família como presentes depois da morte de Horacio. Segundo Peña, o horror do assassinato do irmão estremeceu as fundações de sua família. "As pessoas dizem que tragédias assim aproximam as pessoas, mas para nós foi o contrário", ela explica, fumando um Marlboro Light.

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Nancy Peña em sua casa. Seu irmão, Horacio, foi assassinado pelo Atirador em Série de Phoenix em junho de 2016.

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Como os ataques aconteceram no espaço de meses e numa área conhecida pelo problema da violência armada, a polícia não determinou que estava lidando com um serial killer até junho de 2016 — depois que Diego Verdugo Sanchez, Krystal Annette White, Horacio Peña, Manny Castro Garcia, Stefanie Ellis, Angela Linner e a pequena Maleah Ellis tinham sido mortos. Howard me disse que um "enjoo" correu por seu departamento quando eles finalmente ligaram os assassinatos a um indivíduo.

Mais que qualquer coisa, a polícia buscava um jeito de manter a investigação viva na comunidade. Mas frustrações internas se acumulam, com uma fonte próxima do departamento me dizendo que o caso desencadeou brigas internas, apesar de nenhuma acusação formal ter sido feita. Como Andy Hill, que trabalhava como porta-voz da polícia durante os ataques do Baseline Killer e agora é aposentado, disse: "Ninguém coloca mais pressão na polícia que eles mesmos" em investigações assim.

Alguns moradores hispânicos e negros discordam.

"Dizer que falei com algum oficial sobre esse caso recentemente seria mentira", me diz Ellis. "Não, não estou satisfeita com o trabalho que eles têm feito." Nancy Peña e a família de Manny Castro Garcia expressam uma frustração similar com os esforços da polícia, e me disseram que temem que o caso tenha esfriado nos meses que se passaram desde que o assassino parou de atacar.

A casa em Maryvale onde três pessoas, incluindo uma menina de 12 anos, foram assassinadas pelo Atirador em Série de Phoenix em junho de 2016.

Howard expressa empatia pela família das vítimas, e parece conhecê-los pessoalmente, especialmente os Peña, que estão sempre em contato para saber atualizações no caso. Ele negou que a raça das vítimas contribuiu para qualquer falta de urgência por parte da polícia.

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Aaron Saucedo, o atirador, parecia confortável com uma variedade de armas. Dossie Ellis, por exemplo, diz que encontrou balas de 9 mm em sua propriedade depois do tiroteio. Mel Nicholson, um homem de 63 anos vizinho de onde um dos assassinatos aconteceu, me mostrou buracos de balas calibre 40 em seu carro e casa, passando pela garagem e atravessando várias camadas de uma prateleira de madeira. A polícia diz que o atirador prefere pistolas semiautomáticas, capazes de disparar 15 ou 16 balas de uma vez.

Marcas de bala na casa de Mel Nicholson, 63 anos, vizinho da namorada de Manny Castro Garcia.

Sendo verdade ou não a desconfiança das comunidades hispânica e negra em relação à devoção policial no caso, os crimes do assassino ainda vivem nos membros das famílias enlutadas que ele deixou para trás.

A insônia de Sylvia Ellis, um sintoma que ela compartilha com Gisela Castro, mãe de Manny Castro Garcia, se junta a visões de filme de terror da morte da filha: ela ainda vê Stephanie desmaiada sobre o volante do Cobalt, lutando para respirar, um buraco de bala entortando seus olhos.

"Todo dia o tiroteio passa na minha cabeça como um vídeo", diz Ellis. "Ainda estou vivendo dentro desse pesadelo."

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Tradução: Marina Schnoor