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Tecnologia

Como o Vírus do Ebola Mata

Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram mapear as proteínas que o ebola usa como um arsenal anti-humano.
Crédito: Vírus Ebola/CDC/Cynthia Goldsmith

O maior surto de ebola da história está no foco da mídia há meses. Agentes de saúde e representantes governamentais da África Ocidental e de várias outras regiões têm sofrido para controlar a propagação da doença, que continua matando 50% dos infectados. Atualmente, o número de mortos pela doença é de 1.552.

Contudo, pesquisadores da WUSM (Faculdade de Medicina da Universidade de Washington) acharam uma explicação para o fato de o ebola ser tão mortal em seres humanos; para tanto, eles estudaram a interação entre a proteína do vírus e uma proteína essencial ao sistema imunológico humano. Essa é uma ótima notícia, visto que, quanto maior o conhecimento acerca do vírus, maior a chance de criarmos uma vacina e uma cura para a doença.

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Os cientistas já sabiam que uma proteína específica do ebola estava danificando uma importante proteína humana, mas não tinham certeza de como isso acontecia. Esses detalhes foram publicados na Cell Host & Microbe, uma publicação científica aberta ao público.

A proteína em questão chama-se VP24. Quando o ebola invade o organismo, o VP24 se liga a uma proteína hospedeira conhecida como KPNA5. O trabalho do KPNA5 é fazer a comunicação entre as células, transmitindo sinais do núcleo celular para fora e vice-versa, como um mensageiro. Proteínas como a KPNA5 carregam todo tipo de sinais (ou mensagens) do núcleo celular para outras partes da célula. Essas mensagens controlam várias funções do organismo, incluindo nossas respostas imunes.

É COMO SE O VP24 ROUBASSE O LUGAR DO STAT1 NO ÔNIBUS PARA O NÚCLEO CELULAR.

Quando o VP24, a proteína do ebola, se une à proteína mensageira, essa perde a capacidade de transportar uma proteína imunológica muito importante, a STAT1. O VP24 ocupa o lugar que a proteína imunológica, o STAT1, deveria ocupar; é como se o VP24 roubasse o lugar do STAT1 no ônibus para o núcleo celular.

"Normalmente o STAT1 é transportado para o núcleo, onde ele ativa os genes de centenas de proteínas antivirais", disse Daisy Leung, co-autora do estudo e professora de patologia e imunologia da WU, em um comunicado à imprensa. "Mas quando o VP24 se conecta à essas proteínas mensageiras, o STAT1 não consegue chegar até o núcleo."

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Ou, nas palavras do estudo: "A inibição da localização nuclear do PY-STAT1 pelo eVP24 ocorre devido à competição direta do eVP24 à aglutinação da subfamília KNPA".

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Normalmente, quando o núcleo recebe a proteína STAT1, ele aciona seus alarmes celulares e libera a interferona (sim, lembra "interferir"), que então combate o vírus, a bactéria, ou qualquer patógeno que esteja atacando as células. No entanto, o ebola impede que o núcleo peça a ajuda da interferona, atrasando a resposta imunológica. Quando a cavalaria finalmente chega, o sistema já está em frangalhos, e passa a se comportar estranhamente. Com o VP24 ainda sentado no lugar do STAT1, o sistema não consegue se comunicar com as células que está tentando proteger .

"A interferona é essencial para nossa proteção contra vírus", disse Christopher Basler, co-autor e professor de microbiologia no Hospital Monte Sinai, no comunicado do WU. "Essa proteína é a responsável por várias respostas imunes à infecções virais, incluindo a auto-destruição de células infectadas e o bloqueio do abastecimento necessário para a reprodução viral."

O ebola adora não ter que lidar com um sistema imunológico funcional; isso quer dizer que o vírus pode se multiplicar e criar o caos sem nenhuma interferência. A supressão do sistema imunológico antiviral (leai-se: a interferona) dá abertura para uma possível tempestade de citocina, diz o estudo. Uma tempestade de citocina é, basicamente, uma produção exarcebada de citocinas (a classe de proteínas à qual a interferona pertence), que pode resulta em uma resposta imunológica rápida e potencialmente mortal.

A produção de citocinas acontece quando o sistema imunológico localiza algum invasor. Sua função é mandar as células do sistema imune para a área afetada, onde cada célula fará seu respectivo trabalho; outra função é produzir mais citocinas. Um corpo saudável consegue controlar a quantidade de citocina produzida e manter essas proteínas sob controle. E manter as citocinas sob controle significa manter as respostas imunes do seu corpo sob controle.

Durante uma tempestade de citocina, no entanto, o corpo nunca recebe a mensagem que cessa a produção dessas proteínas. Isso desencadeia um ciclo de estímulos, no qual o corpo se convence a produzir mais e mais citocinas, sem nunca receber a uma ordem para parar essa produção. As respostas imunes inflamatórias entram em parafuso. As consequências vão da febre alta (que pode matar por si só) e o acúmulo repentino de fluidos corporais e células imunes mortas (pus, no caso). Junte esse acúmulo de fluidos ao declínio na capacidade coagulante do sangue infectado, e o resultado será o sintoma mais famoso do ebola: sangue jorrando de todos os orifícios (na verdade, quando isso ocorre, o sangue tende a gotejar).

Com a interação entre as duas proteínas completamente desvendada, resta descobrir como podemos proteger a capacidade de comunicação celular do KNPA5, e assim, garantir uma resposta imune controlada e normal. Se conseguirmos controlar essa resposta, talvez no futuro o ebola se torne apenas uma infecção viral sebosa – mas não-letal – parecida com a gripe.

Tradução: Ananda Pieratti