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Tecnologia

O Uber usou o Marco Civil da Internet para não revelar dados de um motorista agressor

Segundo a empresa, a lei protege os dados pessoais do prestador de serviços, tido como usuário pela companhia.

Na terça de carnaval o Uber se viu no meio de mais uma polêmica. Dois amigos, um rapaz e uma moça relataram no Facebook terem sido agredidos por um motorista na cidade do Rio de Janeiro depois de desentendimento sobre o valor da corrida. O aplicativo mostrou o valor de R$ 7 para os passageiros, mas o motora disse que era muito pouco e quis cobrar R$ 45. Tanto o rapaz quanto a moça apanharam e precisaram de atendimento médico. Como de praxe nesses casos, o Uber se recusou a entregar os dados do motorista para eles, e a justificativa para isso foi bem curiosa: o Marco Civil da Internet.

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Sob o nome oficial de Lei Nº 12.965, o Marco Civil foi sancionado em 2014 depois de anos de discussão entre governo e sociedade civil. A ideia por trás da lei era botar ordem na casa da internet brasileira e regular aspectos como neutralidade da rede, privacidade, liberdade de expressão e proteção de dados pessoais. E nesse último ponto que o Uber se fia. Para a empresa, os motoristas são tão usuários do aplicativo quanto os passageiros (um ponto de vista que por si só já causou confusões trabalhistas mil no Brasil e mundo). Portanto, ainda dentro dessa visão, seria responsabilidade dela resguardar informações como nome completo, número de documentos e endereço dos motoristas e só liberá-las frente uma ordem judicial.

Mensagem enviada pela equipe do Uber ao rapaz agredido

Por e-mail, o Uber disse que o motorista foi suspenso até o final das investigações. Também reforçou a posição de não divulgar os dados com base no Marco Civil e explicou que "(…) procura sempre colaborar com as autoridades em investigações legais, fornecendo os dados requisitados nos termos das leis e políticas aplicáveis. No Brasil, isso quer dizer levar em conta o Marco Civil da Internet (…)". Também enviaram um link em que a empresa especifíca sua política de compartilhamento de dados nos Estados Unidos e Holanda, mas não em outros países.

Para o doutor em direito civil e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) Sérgio Branco, o argumento do Uber não é muito bom. "É um resposta muito simples para uma situação muito complexa", diz ele. Segundo Branco, há três camadas em que a recusa em fornecer os dados do motorista com base no Marco Civil pode ser contestada.

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A primeira tem a ver com o propósito da lei. Ainda que haja espaço para discussões e argumentações jurídicas a respeito disso, o grande motivador da proteção dos dados pessoais tem a ver com a defesa da privacidade e da liberdade de expressão, ou seja, nada a ver com o caso em questão. A segunda diz respeito ao local da agressão: fora da internet. "Embora a internet esteja envolvida, o ato ilícito, a agressão, aconteceu no mundo físico", afirma Branco.

"Todo esse caso mostra a importância de termos uma lei de proteção dos dados pessoais que permita responder com clareza perguntas e casos como esse do Uber"

Nada disso implica no dever ou não do Uber de liberar informações sobre o motorista agressor ou qualquer outro envolvido em histórias semelhantes. A terceira camada para a qual Sérgio chama atenção, por outro lado, coloca o argumento da empresa de divulgar os dados apenas mediante ordem judicial em xeque dentro dos seus próprios termos.

Segundo o terceiro parágrafo do artigo 10 do Marco Civil, autoridades com competência legal para requisição de informações como qualificação pessoal, filiação e endereço podem fazê-lo por meio administrativo. Parece pouca diferença, mas isso significa que durante o curso da investigação a polícia poderia ter acesso a estes pontos sem a necessidade da ordem judicial.

Se tudo isso parece confuso e pouco preciso, há uma razão. Ainda que o Marco Civil trate dos tais dados pessoais, o Brasil está atrasadão na aprovação de uma lei específica sobre a gestão de informações pessoais — inclusive aqueles geridos por empresas que não tem nada a ver com a internet. Quando rolou o impeachment de Dilma Rousseff, falamos por aqui sobre como a ex-presidente encaminhou em caráter de urgência para o Congresso o PL 5276/16, que trata sobre o tema. Ele, o PL, continua por lá. "Todo esse caso mostra a importância de termos uma lei de proteção dos dados pessoais que permita responder com clareza perguntas e casos como esse do Uber", diz Sérgio.

Perguntado sobre o número de casos em que já colaborou com investigações policias no Brasil, o Uber diz que "(…)responde a todas as requisições de dados feitas por autoridades competentes em investigações legais, respeitando os termos das Leis aplicáveis - incluindo o Marco Civil da Internet".

Atualização:

Após a publicação da matéria, o Uber informou que fornece os dados de qualificação pessoal (nome, estado civil, filiação e endereço) em resposta a pedidos administrativos. Para qualquer outra informação, diz a empresa, é necessária ordem judicial.