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Merda

É a cultura, estúpido!

A malta de Guimarães tem fama de dizer muitos palavrões.

A malta de Guimarães tem fama de dizer muitos palavrões. Aos filhos da puta que me estão sempre a dizer isto, eu respondo: “Sim, caralho, e depois?” Falar grosso faz parte de nós, de tal forma que me lembro perfeitamente de quando, qual e a quem disse o meu primeiro palavrão. Tinha já perto de cinco anos e acabadinho de entrar para o patronato da Oliveira, por trás da colegiada. Façamos um pequeno flashback e recriemos o momento em que cheguei a casa e que, pela primária vez, usei vernáculo ao bom estilo vimaranense. "Manhe! Tenho que te contar uma coisa que ouvi na escola!" "Sim, filho, o que foi?" "Ouvi um menino chamar um nome feio a uma menina." "Ah, sim, deixa lá…" "Sabes qual foi?" "Não, filho, mas não é importante…" "Oh mãe, mas tu sabes qual foi? Deixa-me dizer para tu saberes." "Não é preciso…" "Vá lá mãe, deixa-me dizê-lo." "Não…" "Podes não conhecer." "Conheço, conheço." "Como é que sabes?" "Porque sei…" "Ele disse PUTA!!!! [assim mesmo, com maiúsculas e tudo]" [silêncio] "Sim, filho, esse já conhecia…" [silêncio] "Esse, mãe?" [silêncio] "Quer dizer que há outros, mãe?" E pronto, estava aberta a caixa de Pandora. Toda esta minha ignorância e inocência deviam-se, provavelmente, ao facto de ter uma família relativamente pequena e um tio de Braga que se podia ofender com estas coisas. Mas, o factor principal foi o de ter ficado em casa até perto dos cinco anos e de viver na Rua de Santo António — a que chamava de Rua dos Velhos, que influenciou o meu jargão e, consequentemente, o meu linguajar. Tudo à minha volta era, digamos assim, vintage, inclusive a vizinhança. . Tirando eu, a coisa mais jovem daquela rua eram alguns bolos da Ribela (nem todos!) e a moda mais recente eram as calças de terylene na Casa Faria. Além disso, os manequins da Tope ainda eram os mesmos que já tinham exposto moda clássica no tempo da Beatriz Costa. Aliás, o envelhecimento do centro histórico de Guimarães é uma coisa que me preocupa, pois sempre que falam daquelas histórias de paixão pelagirl next door, vêm-me à cabeça cenas maradas de gerontofilia, uma vez que nenhuma das minhas vizinhas tinha menos de 75 anos.Culturalmente, parece-me evidente que é na rua e no convívio que se aprendem os palavrões. O falar minhoto não vem nos livros e aprende-se este dialecto num jogo de futebol com o "passa a bola, ó filho da puta" ou o "é falta, caralho" ou mesmo o "grande golo, cabrão!” Anos mais tarde, já lá para os meus 10 — talvez 12 anos —, lembro-me perfeitamente de um amigo meu ser proibido de jogar futebol connosco no Círculo de Arte e Recreio, porque a mãe dava explicações ali e tinha ouvido as nossas conversas durante os jogos. Que mal faria que, enquanto alguém torturava um piano numa aula de música ou aprendia o presente do indicativo do verbo pilar, ouvisse uma palavrita que o Bocage teria dado um colhão para aprender no tempo dele? Foi a falta desse convívio mais precoce que fez com que só dissesse o primeiro palavrão perto dos cinco, mas um vimaranense de gema diria, logo no parto e após ter passado o canal vaginal, (ai, a cona da mãe): "Foda-se, finalmente cá fora!" Até personalidades insignes como D. Afonso Henriques precisavam do dialecto minhoto que, como narra a história, foi utilizado em pleno cerco de Lisboa, quando atraiu os sitiados para uma emboscada e disse: "Chupai aqui, mouros filhos da puta." Foi assim que eles abriram a porta e entalaram o Martim Moniz. Mas o José Hermano Saraiva já cá não está para confirmar isso, caralho.