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Música

Relatos de um produtor: "Como gravar um EP pra um selo que admiro com um punhado de equipamentos baratos?"

Bruno Belluomini conta como foi gravar o seu ‘Agony EP’ lançado em vinil pela suíça Lux Rec. Ouça o streaming do trampo aqui.
Todas as ilustrações por Bruno Belluomini.

O produtor de techno paulistano, Bruno Belluomini conta no texto abaixo o corre que é para um bedroom producer enviar seu trabalho para labels ao redor do globo e, enfim, conseguir não só um feedback como emplacar um lançamento. Em sua jornada, Bruno meteu ficha junto a suíça Lux Rec, que já lançou trabalhos de nomes como Helena Hauff e Drvg Cvltvre. No final do relato você encontra o streaming pirose de Agony EP. Boa viagem.

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Quando você pode fazer "qualquer coisa", muitas questões importantes surgem na sua cabeça e você corre o risco de travar geral. Afinal, qual é seu RG sonoro? O que você vai querer deixar ali gravado no vinil para depois que o mundo acabar num apocalipse zumbi e os alienígenas chegarem à Terra em busca de registros musicais relevantes na Via Láctea? Será que eles iriam curtir seu disco? Muito tenso isso aí.

Foi assim que teve início meu processo de produção do Agony EP lançado pelo selo suíço Lux Rec que você ouve com exclusividade nesta segunda (22), aqui no THUMP. Toda criação desse material demorou um semestre inteiro e foi, do começo ao fim, um puta desafio pessoal. O briefing estava claro: eu podia fazer o que quisesse. Wow! Quem não gostaria de poder criar qualquer pira sem restrições? Mas aí é que está o grande problema desse privilégio todo…

Entre um rojão aqui e um churrasquinho de carne de soja ali, juntei algumas tracks e comecei mostrar o que estava fazendo para algumas pessoas. Escolhi alguns selos que admiro e fiz o corre de sempre: descobrir se o catálogo topa ouvir demo, entrar em contato com o label pelo canal certo e rezar para ter algum feedback. O santo estava forte naquele período de festa junina porque depois de alguns dias a galera do Lux Rec respondeu dizendo que tinha curtido duas faixas minhas e queria fazer um EP!

Quando você se aproxima de selos realmente independentes, que cobrem todos os custos de um disco sem margem para lucro, geralmente rola uma "avaliação de vibe". É normal. Você não vai se conectar com quem não está na sua e vice versa, certo? Se você empatar e não tiver prejuízo já está ótimo. No meio DIY, grana é conseqüência do corre de cada um. O Lux Rec se preocupa em lançar som muito fodão, sem noiar com retorno financeiro – eles já lançaram nomes como Helena Hauff e Drvg Cvltvre, por exemplo. Com esse entendimento fica claro enxergar quem é quem no jogo e com base nisso você escolhe com quem vai trabalhar ou não. Se você está nessa só para ganhar dinheiro, melhor nem começar.

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"Fiz o corre de sempre: descobrir se o catálogo topa ouvir demo, entrar em contato com o label pelo canal certo e rezar para ter algum feedback."

Em Agony EP, a parceria rolou da seguinte maneira: entrei com os sons — todas as dezenas de ideias sonoras que surgiram ao longo do processo — e eles entraram com os meios para bancar a fabricação do disco, ou seja a masterização, arte, prensagem, distribuição e, basicamente, o risco total de colocar um vinil no mundo hoje em dia..

Desde que comecei criar sons fora do computador e apresentar meu trabalho autoral ao vivo tenho trabalhado com limitações. A limitação é uma forma de motivação para você superar o que te impede de crescer e evoluir. Isso faz total sentido para mim. Como gravar um EP para um selo gringo fodão com um punhado de equipamentos baratos? Sei lá! Só sabia que tinha topado esse desafio pessoal e que precisava malhar muito o músculo cinzento para colocar em prática o máximo de pirações sonoras possíveis. Então entrei numa rotina espartana de produção para organizar minha criação e fui registrando tudo que surgia da mesa de som.

O tempo corria e minha missão já estava em curso. Todos os dias, antes de sair de casa bem cedo para fazer o corre que pagava minhas contas na época, ligava os equipamentos e gravava sessões de 15 minutos cada. Precisava dar meu recado em bem menos que metade dessa minutagem editada e não podia ser uma história que ninguém quisesse ouvir. O vinil teria três faixas ao total, sendo que duas eles já tinham curtido de saída. A track faltante provavelmente entraria no lado B do disco. Isso significava que não teria muito espaço físico para essa doideragem toda. O processo de edição seria muito osso se não ficasse esperto para esse detalhe também. Precisava ser bem objetivo, nada muito longo.

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"Acho que uma track surge quando você acredita nela."

Tinha dia que tirava algo legal das máquinas mas tinha dia que ficava uma grande merda. Rolava muito improviso, claro. Os dias foram passando até que uma hora saiu uma coisa muito massa. Era a faixa que faltava, será? Parecia que sim! Tinha curtido o jeito que ela progredia e se desmanchava depois. Mais tarde, voltando da rua, fiz o mixdown rapidão e mandei o resultado para eles conferirem.

Acho que uma track surge quando você acredita nela. E nessa faixa eu acreditava pacas. Para mim ela existia de verdade, linda e maravilhosa batendo nas minhas caixinhas vagabundas. Você pode fazer duzentas faixas por dia mas se não enxergar nada de especial nelas, então o bagulho não vai voar. A diferença entre o nada e um trabalho concreto é acreditar que ele está bem ali na sua frente, vivo, refletindo você nitidamente em sua superfície.

Mas minha animação durou pouco porque, apesar de eles curtirem o som, a faixa tinha um problema técnico bem embaçado. Fui muito mirim deixando o bass vazar para um canal X na mesa e isso comprometeu totalmente o material. Como tenho feito tudo fora do computador, sem separar as pistas no software, então a zica foi pesada. Esse episódio cortou muito minha vibe. Eles fizeram de tudo para tentar masterizar o registro e mesmo assim não tinha solução — o jeito foi gravar de novo, corrigindo a questão técnica.

Foram dez, quinze, vinte sessões além. Nada superava a naturalidade da primeira gravação. E agora?

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Primeiro pensamento: encarar o fato de que você tem uma ideia muito massa, mas tecnicamente comprometida e, portanto, inviável. Segundo pensamento: se não existe limite para a zuera, também não deve existir limite para a criatividade, certo? Terceiro pensamento: que se foda essa faixa problemática do cacete, vou fazer um outro som novinho em folha e é isso aí!

Agony está disponível para venda na Rush Hour.

Ficha técnica

Bruno Belluomini – Agony EP
MRT004
Vinyl, 12"
Switzerland
15 Feb 2016
Electronic
Techno

Tracklist
A. Agony
B1. Indelible Marks
B2. Depravity And Shame

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