Conheça Wendy Carlos: A Madrinha Trans da Música Eletrônica

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Música

Conheça Wendy Carlos: A Madrinha Trans da Música Eletrônica

Wendy foi a primeira a quebrar a barreira entre a música clássica e a música sintética.

Em 1968, a Wendy Carlos pegou um sintetizador Moog, um instrumento desconhecido até então, e reconstruiu eletronicamente os seis "Concertos de Brandenburgo" do Johann Sebastian Bach, o transformando no primeiro álbum clássico a ganhar um disco de platina, o "Switched on Bach". O álbum se tornou um dos clássicos "eletrônicos" mais influentes de todos os tempos, quebrando as fronteiras entre música clássica e a feita com sintetizadores. A obra ganhou três Grammys e mostrou ao mundo que o sintetizador era um instrumento musical, e não só uma máquina obscura usada por professores em laboratórios para criar aqueles sons robóticos esquisitos.

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A instrumentação eletrônica feita antigamente não era do tipo que permitia você samplear muito literalmente nota por nota de cada instrumento e tentar agrupá-las depois. Aquilo acabou se tornando muito parecido com colagem do clip art. Você teria que pegar um sample de, sei lá, cada jeito que uma cabeça pode virar, juntar todas as suas expressões, movimentos da mão e então tentar criar uma arte de verdade a partir de pequenas peças",

reflete Carlos sobre o início do seu processo criativo em

uma entrevista com o Frank J. Oteri em 2007

Carlos nasceu em uma família operária em Pawtucket, no estado de Rhode Island, nos Estados Unidos, e começou a ter aulas de piano aos seis anos de idade. Ela foi estudar música e física na Universidade Brown e composição musical com os pioneiros Otto Luening e Vladimir Ussachevsky no Columbia-Princeton Electronic Music Center, o primeiro centro de música eletrônica dos Estados Unidos. A percussora da música eletrônica começou trabalhando como editora de fitas na gravadora Gotham Recording e acabou fazendo amizade com o Robert Moog, inventor do sintetizador Moog, e consequentemente se tornando um de seus primeiros clientes.

Ao longo dos anos, Carlos influenciou o Moog e o ajudou a aprimorar seus sintetizadores, convencendo-o por fim a acrescentar um toque de sensibilidade ao teclado synth para melhorar as dinâmicas e musicalidade do instrumento. "Wendy construiu sons líricos que antes ninguém imaginaria que poderiam sair de um sintetizador digital", disse Moog em uma entrevista de 1985 para People Magazine. "Ninguém está no mesmo patamar que ela".

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Em 1971, Carlos compôs e gravou músicas para a trilha sonora do filme Laranja Mecânica do Kubrick, que incluía sua reinterpretação de "Symphonie Fantastique" do Berlioz, utilizada durante a cena de abertura do filme. Depois, ela criou trilhas sonoras para O Iluminado, e o filme Tron original, o qual incorporou orquestra, coro, órgão, além de sintetizadores analógicos e digitais.

Carlos, porém, nasceu homem (Walter Carlos), e começou sua transição em 1968, ainda que tenha se apresentado e feitos performances publicamente como homem por mais de uma década. Wendy Carlos se assumiu como uma mulher transexual em uma entrevista para a Playboy em 1979, tendo escolhido a publicação porque "a revista sempre se preocupou com libertação, e estou ansiosa para me libertar".

"O público acabou se revelando incrivelmente tolerante ou, se você preferir, indiferente", ela comentou depois. De fato, ninguém parecia estar nem aí para sua transexualidade e a partir dali, sua carreira continuou num crescente. "Nunca houve qualquer necessidade desse disfarce — o disfarce se provou um enorme desperdício de anos da minha vida", disse ela certa vez disse sobre a época que viveu como um homem.

Poucos anos depois, Carlos lançou o Digital Moonscapes, possivelmente um de seus trabalhos mais influentes, no qual explorou a possibilidade de uma orquestra digital pela primeira vez. Carlos trocou os sintetizadores analógicos (uma marca registrada dos seus álbuns das antigas) por digitais, sampleou o órgão da The Royal Albert Hall, e colocou na mistura uns materiais que não foram utilizados no Tron. O disco, inspirado nas grandes luas do sistema solar, habita numa planície misteriosa e esotérica mais adequada para uma viagem de ácido em um planetário.

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Ao longo de sua carreira, Carlos ficou famosa pela sua aversão aos holofotes e suas entrevistas são cada vez mais escassas. Hoje em dia, a artista de 75 anos de idade leva uma vida tranquila em Nova York. Na sua última conversa com ela que tivemos conhecimento, um bate-papo em 2007 com o Frank J. Oteri, Carlos comentou o estado atual da música.

"Eu considero uma grande tragédia o fato de que a drum machine foi substituída por bateristas de verdade. Se tornaram tão onipresentes para tantos ouvintes que eles aceitam o conceito de uma batida completamente rígida e fascista — algo parecido com ouvir um bate estaca ou um maquinário de fábrica. Uma pessoa recentemente fechou seu clube de jazz em Berlim depois de muitos anos de sucesso, mas ele diz que está deixando isso de lado porque a música pop/jazz atual não tem swing. E de fato não tem: ritmo em excesso é rígido e mecânico. Nos transformamos em robôs, e isso é trágico".

Fique ligado no site em HTLM super retrô da Wendy para mais informações sobre o seu trabalho, fotos de eclipses solares e dos seus gatos.

A Natasha está no Twitter.

Tradução: Stefania Cannone