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Here Be Dragons

A Guerra do Primeiro-Ministro Inglês Contra o Pornô na Internet Não Tem uma Prova Conclusiva

Ele anunciou que está trabalhando com os provedores de internet do país para implementar uma proibição geral a pornôs violentos.

Maggie Gyllenhaal e James Spader na cena de spanking do filme Secretária.

Uma quantidade surpreendente de pornografia envolve morte, destruição ou violência — igual a um monte de filmes. Quem curte vorarefilia fantasia com pessoas comendo umas as outras, e o Anthony Hopkins atua numa fantasia similar no filme Hannibal de 2001. Macrófilos imaginam mulheres gigantes invadindo cidades, deixando carnificina e corpos esmagados pelo caminho. A Mulher de 15 Metros é um filme bem-comportado com relação a isso, mas cidades inteiras destruídas por seres gigantes é algo que vemos com frequência no cinema hoje em dia.

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Fantasias de estupro são bem mais comuns do que todos esses cenários no pornô, mas retratos de estupro também aparecem com alguma regularidade na tela grande. Veja Irreversível, por exemplo, que o falecido Roger Ebert descreveu como "um filme tão violento e cruel que a maioria das pessoas vai considerar impossível de assistir". Às vezes, a única diferença entre o cinema o os pornôs violentos além de genitais é que um deles precisa passar por uma mesa de censores e o outro é instantaneamente prensado em DVD ou publicado nos cantos mais sórdidos da internet.

Porém, muito em breve, esses cantos sórdidos estarão fora dos limites para a população do Reino Unido. David Cameron, o primeiro-ministro inglês, anunciou que está trabalhando com os provedores de internet do país para implementar uma proibição geral a pornôs violentos. (Ele também quer tornar obrigatório o "opt in" para ter acesso à pornografia.) A declaração do primeiro-ministro veio depois de muita pressão do Daily Mail e de uma coalizão liderada pela End Violence Against Women ("Acabe com a Violência Contra as Mulheres"). A EVAW divulgou uma carta aberta a David Cameron pedindo pela proibição do que eles chamam de "pornô de estupro". Para acompanhar, eles elaboraram um documento informativo que define suas razões, citando algumas pesquisas acadêmicas que eles acham que apoiam a campanha. É uma questão séria e sua missão geral é algo que precisa de apoio máximo — se houvesse uma ligação entre a incidência de pornôs de estupro e estupros reais, qualquer pessoa em sã consciência acharia difícil discordar que a presença desse tipo de coisa na mídia deveria ser minimizada ou completamente erradicada. Só que essa ligação ainda não foi detectada.

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O principal argumento deles é que: "essa violência sexual como forma de 'entretenimento' causa um grande dano cultural à nossa sociedade". Infelizmente, não há nenhuma pesquisa publicada que sustente essa ideia. Na verdade — como o blog defensor da liberdade sexual Obscenity Lawyer apontou — os pesquisadores admitem abertamente que a ciência nunca foi capaz de mostrar uma ligação real entre pornôs violentos e violência sexual.

Em vez de mudar o rumo e fazer uma campanha contra causas legítimas de violência contra as mulheres, como práticas culturais e complacência legislativa, eles foram atrás de uma "rigorosa pesquisa norte-americana" que, aparentemente, "encontrou, há muito tempo, uma ligação significativa entre excitação com material de estupro e 'propensão ao estupro'". Acontece que essa pesquisa é de 1981 e mostra somente que estupradores podem achar pornôs que retratam estupro mais excitantes do que não estupradores achariam. As pesquisas mais recentes também não ajudam muito; avaliações aprofundadas de Malamuth et al. (2000) e Ferguson e Hartley (2009) não encontraram nenhuma ligação significativa.

O estupro é uma coisa terrível e, obviamente, não deve ser defendido de nenhuma forma imaginável. Mas parece estranho minar uma campanha inteira logo no início citando pesquisas científicas inconclusivas e desatualizadas.

Outro problema que todos parecem ignorar é a questão de se a violência sexualizada nos pornôs é diferente da violência sexualizada em qualquer outro tipo de entretenimento. A pesquisa de Malamuth destaca que, frequentemente, não é possível separar "estímulo pornográfico" do efeito das imagens de mídia de massa. Para o espectador, uma imagem sexualizada de uma garota de 14 anos posando de biquíni e publicada no Mail Online é "diferente" quando publicada num fórum de pedofilia na internet?

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Veja, por exemplo, o novo filme do Superman, O Homem de Aço. É um filme bastante divertido, mas uma das aparições mais marcantes para mim foi a da vilã kriptoniana Faora. Aclamada por alguns como um ícone feminista, temos aqui uma mulher que pode derrotar o Superman. Em determinada cena, um general primeiro esvazia sua metralhadora e depois sua pistola contra o corpo dela, mas as balas simplesmente "ricocheteiam em seu peito". Ela poderia detê-lo a qualquer momento, mas fica apenas parada ali e o deixa ver exatamente o quão superior ela é. E isso é incrivelmente sensual — uma derradeira viagem de poder dominante.

Cenas como essa são exemplos clássicos de "fetish fuel" ("combustível de fetiche"). O site TV Tropes costumava listar exemplos disso em filmes e na TV, no entanto, agora a página mostra a seguinte mensagem: "Não coletamos mais exemplos de fetish fuel. Fizemos isso por tanto tempo que percebemos que, literalmente, tudo pode ser considerado fetiche para alguém e alguns indivíduos estão dispostos a falar longamente sobre isso".

As pessoas podem achar sexy praticamente qualquer tipo de coisa, e dadas as ligações próximas entre preferências sexuais incomuns, dominação e controle, não é de se surpreender que muitos fetiches envolvam violência. Mas são fantasias e as pessoas com mais de dois dígitos de idade geralmente entendem a diferença entre fantasia e realidade. Saindo do cinema, não me senti compelido a pegar uma arma e atirar nos peitos de alguma mulher de aparência forte; e ainda assim, para algumas pessoas, a mistura de armas, violência, uma mulher sendo baleada e uma excitação social leve seria uma evidência de que sou um pervertido doente e um perigo em potencial para a sociedade.

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Uma cena muito mais perturbadora no cinema recente foi o estupro de Lisbeth Salander em Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres. Achei a cena incrivelmente desconfortável de assistir. Mas Natasha Vargas-Cooper, do blog Feminist Film, tem uma visão bem diferente da minha e escolheu examinar o grau de erotismo do filme: "A cena será, na melhor das hipóteses, esquecível e, na pior, excitante. É uma cena feita milhares de vezes em sites de pornografia, isso se chama 'rapeplay' […] todos ali são profissionais e estão apenas 'jogando' com a noção de estupro — sexo violento, resistência e força, dizer 'não, não', enquanto todos parecem fantásticos na tela".

O problema aqui, como com qualquer coisa envolvendo sexo, violência e uma câmera, é que a sexualidade humana é muito mais complexa e diversa do que as pessoas gostam de admitir. Quando o "eca" de uma pessoa é o "ah" de outra, o que significa "proibir" cenas de violência porque elas excitam as pessoas? A cena de Os Homens que Não Amavam as Mulheres deveria ser proibida? E as cenas de spanking de Maggie Gyllenhaal e Hames Spader em Secretária? Por que uma proibição é necessária para o pornô, mas não para produções de cinema ou TV que muitos também acharão igualmente excitantes? O que faz uma cena ser particularmente prejudicial? É a nudez, a violência, o contexto, a objetificação ou algum outro fator? Acredito que a misoginia no pornô seja o problema, assim como acho que a misoginia é um problema nos jornais e na TV. Mas como proibir ou restringir categorias arbitrárias de mídia produzidas para e com o consentimento de adultos resolve isso?

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E como tudo isso combate os monstros entre nós? Usando um caso da vida real, a ideia do EVAW de que Stuart Hazell se comportava daquela maneira porque pornografia existe é simplesmente equivocada. Vamos deixar de lado o fato de que as imagens de abuso infantil baixadas por Hazell já são ilegais — um ponto confusamente camuflado na carta do EVAW. Esse homem não fez o que fez porque era um cara normal que, de repente, foi "provocado" pela luxúria. Ele fez isso porque — como todos os estupradores comuns — ele era um agressor em série que controlava e manipulava friamente suas vítimas.

A verdade é que não tenho a resposta para muitas dessas questões, mas é frustrante ver como tão pouca gente está disposta a lidar com elas. O espectro mal definido de "pornografia extrema" tem sido transformado num mal iminente, lançando suas sombras por toda a sociedade, despertando emoções tão fortes que é difícil ter qualquer debate sensível sobre o tópico. Como Laurie Penny apontou, esses ativistas estão usando "os corpos de mulheres e crianças assassinadas como peões emocionais".

E é difícil não pensar que isso é um pouco como uma guerra cultural por procuração. A resposta para o pornô versus misoginia endêmica em outra mídia — a página 3 do Sun, por exemplo, que Cameron se recusou a condenar até agora — é tão inconsistente que é difícil não ver um elemento de policiamento sexual aqui — pessoas tentando censurar coisas que as ofendem. Enquanto o EVAW e o Mail celebram sua "vitória moral" hoje, estou com a Penny quando ela diz: "Não quero viver num mundo onde o governo e algumas poucas feministas conservadoras decidem com o que podemos ou não nos masturbar".

Martin Robbins é escritor e palestrante que escreve sobre coisas estranhas e maravilhosas para o Guardian e a New Statesman. Here Be Dragons é uma nova coluna que explora negação, conflito e mistério nas margens selvagens do entendimento científico e humano. Siga-o noTwitter (@mjrobbins) ou mande um e-mail com dicas e comentários para martin@mjrobbins.net.

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